9 Termidor à moda brasileira… mas da direita ou da esquerda?,

O timing perfeito para o autogolpe necroliberal passou em branco. O fracasso do bolsonarismo parece ser um fato irreversível.

9 Termidor à moda brasileira… mas da direita ou da esquerda?

por Fábio de Oliveira Ribeiro

O dia fatídico da queda de Robespierre tem sido descrito de maneira precisa pelos historiadores. Primeiro, ele foi impedido de falar na Convenção. Tallien, Barère e Vadier se revezaram na tribuna. Presidindo a assembleia, Thuriot acionava a campainha sempre que Robespierre tentava usar a palavra.

Depois, o incorruptível líder revolucionário e arquiteto do Terror foi desarmado. Refiro-me obviamente à decretação da prisão do general Hanriot e de Dumas. O comandante da Guarda Nacional e o presidente do Tribunal Revolucionário eram ligados à Robespierre. Bêbado, o general foi facilmente contido. Dumas foi preso no Tribunal.

Louchet, um deputado inexpressivo, pediu a prisão de Robespierre. O irmão dele, Lebas, Couthon e Saint-Just também foram presos. Mas como a cidade de Paris estava nas mãos dos robespierristas, os carcereiros foram impedidos de receber as “vítimas”.

“Robespierre, contra vontade, Saint-Just, Lebas, Couthon e Robespierre Júnior, libertados, se encontraram no Hôtel de Ville. Era um desafio à legalidade, quando Robespierre esperara – talvez ingenuamente – uma absolvição à la Marat. Reunidos no Hôtel de Ville, Robespierre e seus correligionários podiam formar ali um governo provisório. Mas ainda seria preciso impô-lo à assembleia pela força dos canhões. Foi nesse intuito que Conffinhal, vice-presidente do Tribunal Revolucionário, conseguiu libertar Hanriot com a ajuda de duzentos canhoneiros. Ele dizia a Hanriot que atirasse nas Tulherias, mas este não ousou – bebedeira ou respeito um pouco inesperado de sua parte à legalidade, se pensarmos em sua atitude quando da queda da Gironda – tentar um golpe. A assembléia se recuperou. Põs Robespierre e os rebeldes da Comuna fora da lei. Entregou o comando das tropas que eram fiéis a Barras, o único militar convencional com alguma energia. Comissários foram enviados às sections para explicar as decisões da Convenção e conseguir adesões.

No Hôtel de Ville onde Robespierre paralisava a resistência com suas reticências jurídicas, Fleuriot-Lescot, por sua vez, mandara declarar que estavam fora da lei catorze deputados, entre os quais Colot d’Herbois, Tallien, Carnot e Fouché, ‘inimigos do povo que ousaram ir mais longe que Luís XVI e depois prendendo os melhores patriotas’.

Mas a anarquia reinava no Hôtel de Ville. Hanriot era incapaz de assumir o comando das forças reunidas às pressas na frente da municipalidade. A chuva que começou a cair por volta da meia-noite gerou um vazio.

Ganhando a praça de Grève pelo cais do Sena, Barras surgiu com sua tropa num Hôtel de Ville quase deserto. Um dos guardas da Convenção, Meda, deu um tiro que estilhaçou o maxilar de Robespierre no momento em que este se preparava para assinar uma conclamação às armas. Este é, ao menos, o relato de Meda.” (História da Revolução Francesa 1789-1799, Jean Tulard, Paz e Terra, São Paulo, p. 239/240)

A hesitação de Robespierre é compreensível. Em nome de quem ele assumiria a condição de ditador? Que direito ele poderia invocar para colocar na ilegalidade seus inimigos e a Convenção que havia decretado sua prisão?

Pouco antes de ser privado da habilidade de falar, o líder revolucionário francês hesitou. Ele acreditava realmente que estava em condições de recuperar o poder que já havia perdido? Teria Robespierre sido capaz de perceber que ficou na mesma posição em que havia colocado Luís XVI e Georges Jacques Danton?

Há alguns anos, o então deputado Jair Bolsonaro participou ativamente, nas ruas e no parlamento, do golpe de estado contra Dilma Rousseff. Apesar das encenações e bravatas, ontem ele ficou paralisado e em silêncio observando o que resta de seu poder desmanchar nas ruas de dezenas de cidades brasileiras.

O timing perfeito para o autogolpe necroliberal passou em branco. O fracasso do bolsonarismo parece ser um fato irreversível. Ele pode ser medido pela ausência de repressão policial/miliciana sistemática e generalizada às manifestações que ocorreram no domingo. Alguns jornais tentaram minimizar o estrago, mas a verdade é que as peneiras levantadas pelo O Estado de São Paulo e O Globo foram destroçadas pela imprensa internacional e por uma parte da imprensa nacional.

Nenhum Twitter do mito. Nem mesmo os robôs bolsonaristas tentaram levantar o moral da familícia. A desmoralização nas ruas foi evidente. O contraste entre o tamanho das manifestações dos governistas e dos oposicionistas é imensa e visível.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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