Francisco Celso Calmon
Francisco Celso Calmon, analista de TI, administrador, advogado, autor dos livros Sequestro Moral - E o PT com isso?; Combates Pela Democracia; coautor em Resistência ao Golpe de 2016 e em Uma Sentença Anunciada – o Processo Lula.
[email protected]

A boiada e o avestruz, por Francisco Celso Calmon

O golpe foi adredemente preparado, “com o Supremo, com tudo”, como dissera o ex-senador Romero Jucá, que foi peão na conspiração traiçoeira.  Villas Boas, STF, mídia, empresários e Temer, os protagonistas.

A boiada e o avestruz

por Francisco Celso Calmon

Enquanto passam a boiada, enquanto destroem a plataforma civilizatória, enquanto deslizam em números econômicos e sanitários sinistros, a elite da esquerda atua que nem cachorro querendo morder o rabo – sabe que não vai conseguir mas insiste em esperar do Judiciário a redenção dos malfeitos progressivos, que vem ocorrendo com a nação brasileira desde logo após o resultado da eleição presidencial de 2014, na qual a presidenta Dilma Rousseff foi reeleita.

Com o tempo as verdades vem vindo à superfície: autores do impeachment já  reconheceram que não houve crime de responsabilidade; a lava jato os fatos e as provas mostram de que não passou de um projeto de poder e de destruição de empresas nacionais, sob orientação da geopolítica dos EUA; a liminar de Gilmar Mendes, impedindo Lula de assumir a chefia do Gabinete Civil do governo Dilma, já reconhecido pelo próprio ministro de que foi baseada em falsas informações da mídia, vazadas pelo ex-juiz Sergio Moro; a conversa do ex-vice presidente do governo Dilma, Michael Temer,  com o ex-comandante do Exército, Eduardo Vilas Boas e com o ex-chefe do Estado Maior, Sergio Etchegoyen, quando em uma reunião secreta, um ano antes do impeachment, articularam o golpe que depôs do poder a ex-presidenta Dilma Rousseff, então comandante-em-chefe das Forças Armadas.

O golpe foi adredemente preparado, “com o Supremo, com tudo”, como dissera o ex-senador Romero Jucá, que foi peão na conspiração traiçoeira.  Villas Boas, STF, mídia, empresários e Temer, os protagonistas.

É revelador um outro trecho do diálogo vazado do Romero Jucá com o Sérgio Machado: … “Não adianta esse projeto de mandar o Lula para cá ser ministro, para tocar um gabinete… Porque se o Lula entrar ele vai falar com a CUT, para o MST, é só quem ouve ele mais, quem dá algum crédito, o resto ninguém dá mais credito a ele…  O diálogo prossegue e revelam do que têm medo: “Agora, ele acordou a militância do PT. Aquele pessoal que resistiu acordou e vai dar merda…”

Voltemos aos personagens militares do golpe continuado: na semana final da eleição de 2018, houve uma reunião no TSE entre juízes do tribunal e o general Sérgio Etchegoyen, então titular do órgão de inteligência do governo Temer. Tratava-se de uma reunião com a ministra Rosa Weber, a época presidenta do TSE, que havia sido xingada e ameaçada via redes sociais por um coronel bolsonarista, Antônio Carlos Alves Correia.

Pouco antes da reunião terminar, o ministro Dias Toffoli, presidente à época do STF, avisou que tinha umas coisas para comunicar e se dirigiu ao TSE, conforme consta no livro “Os Onze – O STF, seus bastidores e suas crises”.

“Toffoli descreveu um cenário sombrio”.  “Lembrou que o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, tinha 300 mil homens armados que majoritariamente apoiavam a candidatura de Jair Bolsonaro.”, escrevem os autores Felipe Recondo e Luiz Weber.

Toffoli nomeou como seu assessor especial o general Fernando de Azevedo e Silva, que chefiava o Estado Maior do Exército. A indicação do militar tinha partido do general Villas Boas. Configurou a aceitação da tutela militar.

Com essa subalternidade, Toffoli fez o papel de “avião” e levou o terrorismo do Villas Boas para dentro da Corte Suprema do Estado democrático de direito.

Através de insinuações, blefes e ameaças, Villas Boas e mais alguns chefes do Exército, protagonizaram traições à Constituição, à democracia e à soberania do país.

O presidente do STF na ocasião, Dias Toffoli, não foi capaz de responder ao chefe do Exército que, se ele tinha 300 mil em armas, o STF tinha a Carta Magna como protetora e guardiã do Estado de direito.

Na mitologia popular, o avestruz é famoso por esconder sua cabeça na areia ao primeiro sinal de perigo. Essa característica pode ser encontrada em diversas pessoas que evitam enfrentar a realidade tal qual ela é. Não deveríamos, entretanto, encontrar nas lideranças e intelectuais de esquerda essa postura.

Com a prisão do Lula foi abandonada qualquer estratégia de luta de classes e o eixo passou a ser o da Justiça.

É lawfare pra cá, arma de guerra jurídica pra lá, recurso pra cá, pra lá, Habeas Corpus idem, qualquer ganho menor, retorna a expectativa de o Judiciário fazer justiça, e volta a ilusão e a letargia da militância.

Quando as expectativas vão zerando, então, recuperam os conhecimentos adormecidos de que o Judiciário não apenas é um poder sem legitimidade da soberania popular, como também que, numa sociedade de classes, seu papel é garantir os interesses da classe dominante, faça sol ou chuva, o resto é perfumaria, é teatro mambembe.

Na luta de classes não existe bala de prata, equivocam-se todas as vanguardas que depositam em Lula a solução da tragédia pela qual passa o Brasil.

Os protagonistas do golpismo não irão se arrepender do que fizeram, quando dão a parecer isso, estão apenas jogando no tabuleiro que só eles têm acesso, e o nome Lula é usado para amedrontar e não para efetivamente fazer parte do jogo.

É necessário enfrentar o capitalismo, enfrentar o Estado policial bolsonarista, e para tanto é preciso também que as gerações atuais se dotem da coragem da geração de 68, para ousar lutar e um dia vencer.

Lula já deixou claro sua posição nesta declaração: “Eu acho que se eu conhecesse o tanto de história que eu conheço hoje há 50 anos atrás, eu teria virado um revolucionário. Por não saber, eu virei um político democrata. A diferença é que tenho lado.” Ele sabe que o caminho é o da revolução. O que não significa que seja imediata e nem que seja com armas, contudo, significa que  temos que fazer política no sentido de acumular forças, porque a correlação atual só mudará se os partidos e os movimentos sociais trabalharem  nesse sentido, pois do céu não virá uma correlação de forças que seja favorável às classes oprimidas e exploradas. Terá que ser obra da política desempenhada pelas forças de esquerda.

Conhecer a história é saber que as Força Armadas sempre foram conspiradoras- golpistas, que a história do STF o condena por ter sido sempre coadjuvante golpista, que a história do Legislativo, continuamente dominado por forças reacionárias, sempre foi o de vilão nos golpes.

Evidente que a disputa de hegemonia no campo institucional do direito também é importante, a disputa de narrativa no campo cultural e geral da política da mesma forma, contudo, não deve assumir o eixo principal ou assim ser entendido pela militância e pela classe dos trabalhadores.

A superestrutura política, jurídica e cultural, numa sociedade capitalista, cumpre em última instância o papel de mantenedora dos interesses da classe detentora dos meios de produção e comunicação e de sua hegemonia ideológica.

Todas as frentes e trincheiras de luta cumprem um papel na mediação dialética da luta de classes, o que devemos atentar é não criar expectativas ilusórias e não substituir as contradições principais pelas secundárias.

É a posição na estrutura do Estado e na economia que determina quem é quem. Quem entra nas FFAA, na polícia, por exemplo, independente de sua origem social, entra para fazer o que elas já fazem, por suas histórias e formação, não entra para mudar e nem são susceptíveis a isso.

O que os adversários temem é Lula acordar a militância e os trabalhadores, fomentando a indignação à tragédia econômica, social, sanitária e política, indicando o vetor da organização para dar partida ao movimento pela revolução social.

Francisco Celso Calmon, membro da coordenação do canal Resistência Carbonária; ex-coordenador nacional da Rede Brasil Memória, Verdade e Justiça.

Francisco Celso Calmon

Francisco Celso Calmon, analista de TI, administrador, advogado, autor dos livros Sequestro Moral - E o PT com isso?; Combates Pela Democracia; coautor em Resistência ao Golpe de 2016 e em Uma Sentença Anunciada – o Processo Lula.

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Não vejo como possa haver um movimento de revolução social, pois se houvesse possibilidade, tal movimento já teria ocorrido, pois a devastação do país é fantástica e, na minha opinião, irreversível.
    Lulalá tornou-se um salvador da pátria, o que é inadmissível num país com mais de 200 milhões de habitantes, e este fato deixa exposta a carência de representantes políticos, tanto de esquerda quanto de direita.
    O Congresso caminha aponta numa direção em que serão, por lá, mais e mais bolsonaros e eduardos cunha, bem de acordo com a idéia dos golpistas.
    A sociedade brasileira demonstra bastante imaturidade, pois depois de ter conhecido e sentido o efeito do excelente governo de Lulalá não poderia se submeter sem qq reação aos ataques que chegam de todos os lados, o brasileirinho não sabe que existiu a ditadura e ainda sonha em morar em Orlando. A noção de pátria inexiste, e isto é o sonho dourado de qualquer grupo golpista, uma sociedade sem história. É melhor parar por aqui, pois iria começar a comentar sobre a transformação do STF, no qual apenas dois ou três ministros escapam da mediocridade, por lá o terraplanismo do pilantra palhaço encontrou espaço próprio.

  2. O artigo é imperdível, excelente leitura de contexto. Aceita-se conformadamente participar do jogo político num tabuleiro espúrio, construído para massacrar o social em prol do capital: o tabuleiro imposto pela mídia manipuladora e o tabuleiro do estado seletivamente punitivo. Ambos se alimentam. Mesmo os defensores das pautas sociais, inadvertidamente, sao vistos comemorando as (pouquíssimas) vitórias políticas obtidas no campo judicial (que precisa manter aparências mínimas de isenção) e no campo da grande mídia (idem), terminando por normalizar essas distorções. O jogo político tem que ser devolvido ao campo político; e isso só acontecerá pela mobilização da classe trabalhadora, instrumentos legítimos de pressão, históricos na luta por posições e avanços em seus direitos; greve, manifestações de rua, desobediência civil, luta de classes. Enfim, na marra, e não só no gogó ou na passividade bovina de uma rezadeira.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador