A dura escolha de FHC, por Aloizio Mercadante

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A dura escolha de FHC
 
por Aloizio Mercadante
 
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso dedicou-se a contestar, nas páginas do jornal inglês Financial Times, o artigo do ex-presidente Lula publicado no New York Times. A base do argumento de FHC é que Lula falseia a realidade ao apresentar o Brasil como “uma democracia em ruínas”. Para ele, as instituições funcionam perfeitamente e a versão de que houve um golpe e que há uma perseguição seletiva à Lula e ao PT é uma “ficção prejudicial” ao Brasil.
 
Vamos admitir, ainda que por um momento, que FHC tenha o direito de dizer que o impeachment da ex-presidenta Dilma trilhou a senda da legalidade e que não houve golpe no Brasil. Nesse caso, seu argumento é consonante com toda a articulação golpista de que o PSDB participou ativamente pela derrubada imotivada da ex-presidenta. Além disso, condiz com a participação destacada dos tucanos no atual governo Temer, que é um fracasso econômico, social, político e moral.

 
Nunca lhe caiu bem, entretanto, o farisaísmo do seu argumento de ocasião, dado que a natureza das alegadas “pedaladas fiscais”, que justificaram o impeachment, é a mesma de atos praticados em seu governo e no do ex-presidente Lula. Porque, concretamente, tais atos consistiram apenas em mudanças de rubricas orçamentárias equivalentes a 0,3% das despesas públicas e no descasamento temporário entre haveres – de bancos públicos – e deveres do Tesouro Nacional para com estes – por operações de créditos destinados, especialmente à agricultura familiar. Ainda que essa seja uma matéria vencida, é necessário contestar o argumento porque, de esperteza em esperteza, a oposição da época – hoje situação de um governo ilegítimo e dono da maior rejeição da nossa história – ajudou, junto com a mídia tradicional, a construir o ódio social que vem corroendo por dentro um importante setor do Judiciário brasileiro, que atropela prazos, desconsidera o devido processo legal, despreza direitos e garantias individuais e se transformou na ponta de lança do golpe. Foi essa desconstrução da soberania do voto popular que está enchendo de vento as velas dos barcos de uma extrema direita e de uma direita sedentas por chegar à Presidência da República em eleições de cartas marcadas, sem Lula, o alvo prioritário desse arbítrio seletivo. Só que não. A vida teima em não lhes ser fácil.
 
O sentimento avassalador de repulsa do povo ao governo Michel Temer e a cada vez mais admirável e admirada resistência de Lula na prisão já tornaram as próximas eleições em um plebiscito entre as forças do atraso, da eterna Casa Grande da elite brasileira herdeira de séculos de um passado colonial e de escravidão, e das forças vivas comprometidas com a democracia, inclusão e justiça social.
 
Esse é o ponto que, no fundo, inquieta FHC e o motiva a escrever. A ele nunca desceu bem pela garganta que Lula conseguiu preservar estabilidade econômica com um crescimento socialmente orientado para um amplo mercado de consumo de massas, que assegurou aos milhões de excluídos e oprimidos a oportunidade de ter acesso aos direitos básicos. E ainda, assegurar o respeito rigoroso ao estado democrático de direito, combinado com uma política de inserção soberana do Brasil, que assegurou o maior prestigio internacional do país em toda nossa história. Que esse Brasil socialmente profundo resista e volte pelas mãos de Lula, “assim não pode, assim não dá”.
 
Entende-se que a egoísta elite brasileira tenha repulsa a essa ideia precisa de justiça social, pois sabe bem ela que terá de arcar com os custos do reequilíbrio econômico e social do Brasil, a bem da retomada do desenvolvimento. Terá de abrir mão da imunidade tributária de seus lucros e dividendos, terá de aceitar o fim da regressividade tributária e terá de ver os bancos competirem entre si, ante novas regulações que levem ao fim de seus lucros obscenos em um país estagnado e com 62 milhões de brasileiros inadimplentes. Afinal, o povo é que não vai pagar essa conta, como quis a agenda de Temer, a dita “Ponte para o Futuro”, que promoveu um retrocesso cruel nos direitos trabalhistas e sindicais e impõem uma ortodoxia fiscal permanente, que inviabiliza políticas sociais voltadas para inclusão social e distribuição de renda e oportunidades.
 
O triste é ver uma pessoa de trajetória respeitável, que esteve ao lado de Lula na luta pela democracia, como ele lembra em seu artigo, estar sustentando esse golpe e prestar-se a esse papel. E mais triste ainda será ver um partido dito social-democrata, ou setores deste partido, render-se à agenda de cunho fascista do candidato presidencial que vem ocupando grande parte do tradicional espectro de votos do PSDB.
 
Se a prudência ainda fosse uma boa companheira de FHC, talvez ele pudesse ter aguardado algumas poucas horas, que separaram o envio de seu artigo ao Financial Times e a emissão da decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU, que requer ao Estado brasileiro que garanta os direitos de Lula de ser candidato, como indispensável exigência democrática. Assim, FHC não teria de enfrentar o terrível dilema que se lhe apresenta agora: defender o marco legal internacional, de que o seu próprio governo foi promotor, ou propugnar pelo desrespeito a essa medida cautelar, vinculante e obrigatória da ONU.  
 
As credenciais democráticas não são um diploma emoldurado na parede, mas uma luta viva e uma integridade permanente em prol do processo civilizatório. O mundo sabe bem como as serpentes nascem, crescem e usam o marco legal para matar a democracia. FHC, que sabe muito bem o que é a banalidade do mal, deveria se lembrar disso, alertar as novas gerações e se reencontrar com seu passado democrático sob pena de sofrer com crivo implacável da história.
 
 
Aloizio Mercadante é economista, professor licenciado da PUC-SP e aposentado da Unicamp, foi deputado federal e senador pelo PT-SP, ministro-chefe da Casa Civil, ministro da Educação e ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

20 Comentários

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  1. História
    É justamente a historia que incomoda fhc, que um migrante semi analfabeto tenha feito um governo melhor que o dele, um “doutor”

    Nao tivesse inventado em causa propria o aborto juridico da reeleição sem desincompatibilizacao, teria feito o sucessor e governo ruim que fosse, poderia voltar com “eu conserto”, tal qual Lula fará agora

    Mas enfim cada país tem a zelites que merecem. Se não defenderam Dilma, que enfrentem mais 20 anos de ditadura, desta feita bplsonarista. E fhc tb aprenderá o que é perseguição e entenderá que a culpa da nossa democracia em ruínas é dele, de Aécio, de Gilmar, de Serra, de Alckmin, de Aloysio e de todos os golpistas do psdb incrustados no menos democrático dos poderes, o judiciário brasileiro.

  2. FHC, você entrará para a

    FHC, você entrará para a história como um golpista e como um dos personagens mais medíocres que nós já conhecemos. Lula, no entanto, esse operário pobre que você sempre desprezou, já é um herói nacional. Sem mais a dizer.

  3. Como faz o golpe, diante da

    Como faz o golpe, diante da quase impossibilidade que cada vez mais se consolida, da impossibilidade de contar com um candidato capaz de vencer Lula, o PT e aliados? E o Judiciário, que comanda o golpe e dá suporte às suas ações (não se pode a essas alturas contar com o Congresso e caneta nas mão do traíra Temer), não vê a porta de saída do golpe: cumprir a Constituição e respeitar a determinação da ONU. Não é. mas poderia ser entendido que um poder maior se levantou, e na vigência da Democracia, que dizem respeitar, é a melhor saída, embora pareça um contrasenso, mas é da política: o Judiciário optou pela saída da legalidade. Ninguém precisaria ficar vermelho de vegonha, embora todos possam, terminada as eleições, responder por malfeitos que fizeram. Não dá para esquecer, fingir que nada houve, quando o país está às portas de uma guerra civil, basta acontecer uma centelha. 

  4. EgoHC

    O alter ego de FHC  é tão forte e intenso, que não admite a presença da bipolaridade. Ele enxerga somente a ele mesmo, como sendo o único brasileiro que pode ser maior que ele. 

  5.  
    FHC defendeu que o PSDB se

     

    FHC defendeu que o PSDB se aliasse ao PT no segundo turno contra Bolsonaro.

    Quem sabe, lendo o que os petistas pensam dele ele aprenda e deixe de ser trouxa.

     

  6. Dois pontos
     

    Em dois pontos o Aloizio se engana:

     

    1.o – “O sentimento avassalador de repulsa do povo ao governo Michel Temer”

    Não vemos nem passeatas e nem bater de panelas contra a presença de temer.

    Sua aprovação está nas mãos da globo, que o economiza e  o oferece ao povo com o sabor que lhe apraz.

    2.o -“FHC não teria de enfrentar o terrível dilema que se lhe apresenta agora: defender o marco legal internacional, de que o seu próprio governo foi promotor, ou propugnar pelo desrespeito a essa medida cautelar, vinculante e obrigatória da ONU”

    Achar que o fhc  vai se incomodar com alguma legislação que possa favorecer o Lula é creditar a ele, fhc, a capacidade de empatia, coisa que ele não  possui.

    FHC está pouco se lixando pra ONU e torcendo veementemente para que Lula sifo.!

     

     

  7. Nem lembrar da nefasta dupla
    Nem lembrar da nefasta dupla aloizio e zé da justiça no governo Dilma. O papel aceita tudo e só de lembrar de ambos dá calafrio.

  8. Grande…

    ……republicano!!!  

    Com  sua  fazenda e aeroporto na  fazenda  ao  lado,  bem  no  meio  do  nada !!   Tudo  “legal” !!

    Agora,  o  outro  e  seu  sítio emprestado  com seus pedalinhos e  barcos de  lata,  é  um  propineiro !!!

     

  9. Grande…

    ……republicano!!!  

    Com  sua  fazenda e aeroporto na  fazenda  ao  lado,  bem  no  meio  do  nada !!   Tudo  “legal” !!

    Agora,  o  outro  e  seu  sítio emprestado  com seus pedalinhos e  barcos de  lata,  é  um  propineiro !!!

     

  10. Grande…

    ……republicano!!!  

    Com  sua  fazenda e aeroporto na  fazenda  ao  lado,  bem  no  meio  do  nada !!   Tudo  “legal” !!

    Agora,  o  outro  e  seu  sítio emprestado  com seus pedalinhos e  barcos de  lata,  é  um  propineiro !!!

     

  11. Titica
    fegacê é um bosta. Sempre foi, até os seus parentes ja diziam.
    Terá o seu momento de gloria afinal em 2038.
    2038, ano glorioso no qual será eleito na chapa: Çerra45 presidente fegacê vice. …viiiiiiiiiiiiiiixe!

  12. Apocalípse

    Nassif: é uma pena gastar-se papel e tinta (digo, internet) com algo tão imprestável e inútil, como o Príncipe de Paris, intelectual tardio e decadente, membro honorário da escória política do Brasil e pai de toda a corrupção que hoje assola a Nação. É só analisar o mundo e o submundo do seu período de governo, servil e covarde, lacaio do mercado e de governos e grandes conglomerados empresariais estrangeiros, incapaz de um ato político de honradez. Lembra do que fez com Paulo Francis, quando este denunciou a LavaJacto? (Os Verdugos sulistas pensa que descobriram a verdade). Seu cafofo de Paris, conhece a história? E o palacete de Higienópolis, “doado” por aquela colônia que domina o bairro? E a “fazenda” em Osasco (SP)? Nele tudo é sórdido, até suas aventuras extraconugais. E olhe que nem tó falando do “Dossiê Cahimã”, a pérola da coroa de seu mandato.

    O pecado de NoveDedos foi, passado o luto nacional pela dona Ruth, não ter mandado enquadrar o safado político e seu bando. Aliás, acho que ela, como antropóloga, só casou com ele para tentar decifrar um fossil vivo.

    Mas a bobeira do SapoBarbudo, dadon asas à cobra, deu no que deu. A quadrilha continuou se locupletando no privado e no público e ainda mandou prender os que politicamente lhes fez concorrência (especialmente os do pó). Tinham e têm os da caserna em seu favor e com a aderencia dos Verdugos sulistas foi instalado a farra do boi.

    O artigo só não ficou melhor porque assinado por outro político de pequeno porte, uma das decepções do Governo da Presidente Dilma. Só perdeu em dimensão política praquele da Justiça… Tudo bem que nada é perfeito. Mas esses dois abusaram desse fato.

    Espero que o MelianteOperárioNordestino, logo que assuma (ele ou o LulaHadadd-Manuela), faça o que está atrasado desde primeiro de janeiro de 2005.

    Já é tempo de limpar a eira….

    1. O fóssil vivo
        

      “O pecado de NoveDedos foi, passado o luto nacional pela dona Ruth, não ter mandado enquadrar o safado político e seu bando. Aliás, acho que ela, como antropóloga, só casou com ele para tentar decifrar um fossil vivo.”

      Lacrou!!!

       

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