À espera dos cruzados, por Guilherme Scalzilli

À espera dos cruzados, por Guilherme Scalzilli

A Cruzada Anticorrupção finalmente se apoderou do Santo Graal político-administrativo que perseguia com fanática voracidade. Jair Bolsonaro, ungido pela seita, venceu alegando esse pertencimento. É o “poste” da Lava Jato, figura medíocre e vulnerável, submetida a interesses mais poderosos que receberão prerrogativas monárquicas para garantir sua sobrevivência.

Dizer que a Lava Jato contribuiu desacreditando a classe política é insuficiente. A virulência antipetista ganhou viés muito pragmático na condução dos assuntos pré-eleitorais, com precisão cirúrgica inexistente nos outros partidos, inclusive o pitoresco PSL de Bolsonaro. A lista de governadores e legisladores eleitos mostra que a moralidade atingiu apenas quem poderia, local e nacionalmente, atrapalhar os candidatos alinhados à causa santa.

Durante os últimos anos, procuradores e magistrados foram agentes diretos da normalização do fascismo brasileiro. No flanco repressivo, exorbitando um punitivismo inconstitucional e tendencioso contra jornalistas, militantes e líderes partidários. Na seara da impunidade, reproduzindo o hábito seletivo que garantiu a sobrevivência da Lava Jato, desde a proteção a seus membros até a blindagem daqueles que a apoiaram.

O vazamento ilegal de gravações já ilegais de Dilma Rousseff, de Lula e de familiares e advogados do ex-presidente passou incólume pelas rigorosas autoridades. O único adversário que poderia vencer Bolsonaro foi preso na véspera da disputa, por “crime indeterminado”, sem provas materiais de culpa. O STF manobrou para negar o direito de Lula ao habeas corpus e permitiu os atropelamentos de funções que barraram as ordens isoladas de soltura.

Esse padrão dominou a disputa presidencial. O TSE engoliu covardemente a pressão dos militares, as ameaças diretas de Bolsonaro, a violência escancarada de seus adeptos e sua fábrica de mentiras digitais. As cortes impediram Lula de falar à imprensa, divulgaram o depoimento inválido de Antônio Palocci, empastelaram uma revista, reprimiram debates universitários e censuraram propagandas que associavam o capitão à tortura que ele defende.

A naturalização dos hábitos nefastos das autoridades pavimenta o caminho do obscurantismo. A tolerância ante a brutalidade física de policiais, milicianos e energúmenos civis legitimará o arbítrio criminoso na solução cotidiana de conflitos. A adesão irregular de servidores públicos a absurdos como o Escola Sem Partido normalizará e disseminará o patrulhamento saneador em todos os níveis profissionais. Sérgio Moro virou ministro da Justiça, afinal de contas.

Ao mesmo tempo, a ideologia truculenta dos vitoriosos incentivará a destruição judicial dos oponentes. Podemos esperar um tenebroso varejo de garrotes, principalmente em litigâncias contra a liberdade de expressão, sob a desculpa de punir apologias ao crime, calúnias e difamações, atentados à moral, fake news, etc. A criminalização do uso do adjetivo “fascista”, por exemplo, só espera uma primeira iniciativa bem sucedida.

A vitória de Bolsonaro seguirá marcada pelo gesto agressivo que a impulsionou. Um ato sem nexo, misterioso, que a mídia transformou em espetáculo antes que o ceticismo pudesse enfraquecê-lo. Eis o núcleo imaginário do novo projeto de poder: o choque performático, a mistificação, o jogo redundante de ameaças intangíveis, o desvio pela irracionalidade.

“Não existe direito absoluto” e “ninguém está acima da lei”, os lemas do absolutismo togado, possuem utilidade metodológica. O triunfo político do Regime Judicial de Exceção baseia-se nesse discurso negativista, que nivela os cidadãos pela recusa generalizada à cidadania. Quanto mais autoritário for o governo, menos ele parecerá incompetente e corrupto. Direitos cerceados provarão a força do sistema e embalarão seu delírio revolucionário.

Mas, para as pessoas de bem, as instituições continuarão funcionando normalmente. Glória a Deus pela democracia brasileira.

 

http://guilhermescalzilli.blogspot.com/2018/12/a-espera-dos-cruzados.html

Redação

1 Comentário

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  1. A cada violação ganhavam um doce da imprensa

    A cada condução coercitiva ganhavam um doce da imprensa

    A cada delação ganhavam um doce da imprensa

    A cada prisão de um inimigo ou de um dispensável ganhavam um doce da imprensa

    A cada condenação de um inimigo ou dispensável ganhavam um doce da imprensa

    Quando necessitaram esconder os amigos ganhavam um doce da imprensa

    Quando foi necessário  os noticiários se tornaram rios de sangue páginas policiais

    E a cada discurso sobre segurança ganhavam um doce da imprensa

    Até que a imprensa se tornou ela mesma dispensável

    E se perguntaram whats up

    E já era tarde Whatsapp

    E agora os cruzados batem a nossa porta e sequer precisam da imprensa

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