A esquerda e o desenvolvimento soberano, por Walter Sorrentino

Arte Sul21

A esquerda e o desenvolvimento soberano

por Walter Sorrentino

Demétrio Magnoli, em artigo* intitulado “Para onde vai a ´nova esquerda´?” busca refletir sobre os impasses do estado de bem estar social, tempo que, julgo eu, não retorna mais. Nessa rota ele afirma que “o nacionalismo é a trincheira da direita”, o que seria, para ele, “uma verdade óbvia. “Haveria hoje uma “nova esquerda” que cultua o Estado-nação, sendo a soberania nacional “a opção fundamentalista que interliga a direita a essa ´nova esquerda´ sem rumo.”

Magnoli parte da crítica à formulação de Dani Rodrik, professor turco de Economia Política Internacional atuando em Harvard, que identificou um “trilema”, problema que só admite a conciliação entre dois de três objetivos, no caso, soberania nacional, democracia e hiperglobalização. Rodrik sugere uma solução que é a renúncia à hiperglobalização, criticada por Magnoli.

O tema é importante e cheio de armadilhas, nas quais se enreda (não inconscientemente) o articulista, com vários senões na argumentação, desde significar democracia e globalização como se fossem neutros em termos de conteúdo, falar de Estado-nação e valoração do desenvolvimento das nações sem distinguir países entre países do centro do sistema e aqueles da semiperiferia ou em desenvolvimento, democracia tomada unilateralmente como o paradigma liberal ocidental. Ao cabo, não dá saídas aos impasses estruturais em que mergulhou o estado de bem estar social.

A China é exemplo de defesa dos interesses nacionais, do papel do Estado e da globalização, sob democracia popular. O Ocidente – EUA e Europa –, por outro lado, o de globalização neoliberal e democracia liberal, às custas da soberania nacional das demais nações (e até mesmo de países da Europa!); a Europa segue na mesma esteira, malgrado seus países terem perdido vários graus de soberania e estarem sujeitos à política de austeridade, até recentemente encabeçada pelos ex-welfare state hoje social-liberais. Essas são as duas grandes abordagens rivais hoje. Outros países se exercitam em “governos fortes”, adeptos ou não da globalização.

Repito o que já escrevi em outros artigos. A ideologia dominante no neoliberalismo é o cosmopolitismo, não o nacionalismo. Este surgiu em determinado contexto histórico longo, como forma ideológica apropriada a uma fase histórica específica das relações capitalistas de produção. O capitalismo monopolista de Estado trafegou para o capitalismo globalizado pleno, onde se realizam os lucros principalmente em base internacional, para obter ganhos de escala, deslocalizando a produção em procura de baixos custos do trabalho, onde o imperialismo não se baseia mais em conquistas territoriais, mas em sofisticadas formas de neocolonização.

O que corresponde a isso é o cosmopolitismo das classes dominantes, aliança entre a elite capitalista e estratos médios antes “progressistas”, cimentados ideologicamente pela combinação de neoliberalismo e dos direitos civis referidos a categorias particulares, em termos rigorosamente interclassistas; tal aliança que substituiu o bloco social keynesiano.

Nesse estado de coisas, não estamos assistindo ao enfraquecimento do Estado-nação, e sim ao fortalecimento do caráter de classe burguês do Estado; apesar da ideologia cosmopolita, o Estado nacional burguês não se eclipsa, se fortalece.

De outra parte, o nacionalismo conservador, hoje, é reação aos diferenciais do desenvolvimento combinado e desigual do capitalismo e à polarização social criada em cada país, derivados dos impasses da globalização sob a hegemonia neoliberal por quase 40 anos. Mas o fascismo não é forma de governo ou de Estado adequados ao capital neste momento, malgrado algum apelo em eleições.

O que se releva face à crise capitalista e barbárie neoliberal é que o desenvolvimento com autodeterminação é a grande bandeira deste tempo. Isso pode conviver com a globalização e com democracia popular – aliás a China demonstra isso e desmente a célebre e reacionária declaração de Thatcher: há sim alternativas ao neoliberalismo!

Magnoli explora o ceticismo sobre a defesa da nação e do desenvolvimento soberano nos países em desenvolvimento. É verdade que tal ceticismo tem guarida em setores da esquerda tradicional e “nova” sob dois aspectos centrais: não interpretar bem as grandes contradições do tempo do neoliberalismo, que leva à neocolonização de regiões inteiras do planeta; e o ceticismo em relação ao próprio Estado, considerado como inimigo independentemente de seu caráter de classe e ignorado, muitas vezes, como terreno de disputa, ou seja, uma concepção despolitizada do Estado.

Mas o Estado nacional soberano é fundamental. Por que não contar – e como não contar? – com a força de Estados nacionais sob direção de forças populares, para uma guerra de posição contra as principais forças da época, as do rentismo e imperialismo? A luta por autodeterminação, independência e soberania nacional para o desenvolvimento no caso dos países dependentes é inteiramente internacionalista do ponto de vista da luta pelo socialismo e compreende o fortalecimento do Estado nacional soberano.

De fato, a esquerda anticapitalista precisa responder cabalmente “para onde vai” e em seu caminho há também a luta contra a neocolonização: a luta por projetos nacionais de desenvolvimento compartilhado, condição básica para atender o desenvolvimento da democracia e os direitos sociais e civis em torno de antigas e novas causas.

A “nova esquerda” mais uma vez emerge, combinando globalismo e cultura baseada nos direitos da pessoa abstrata, em alternativa à centralidade do conflito entre capital e trabalho assalariado, com uma determinada apropriação do multiculturalismo que se fez dominante sob a égide dos EUA, rigorosamente interclassista. Projeto alternativo sistêmico e nação, para ela, nada significa.

Mas as lutas de classes na sociedade estão mais vivas que nunca e abordá-las do ponto de vista dos trabalhadores e trabalhadoras é irrecusável se se quer, de fato, falar de “esquerda.” Uma das formas que se fez mais saliente com a hegemonia neoliberal, é a luta de classes nacional, pelo desenvolvimento soberano e autodeterminação, ligada aos conflitos de classes, à rivalidade entre os interesses imperialistas e por renovar a luta e os caminhos do socialismo.

Essa é a mensagem da China neste momento e nada tem a ver com “nacionalismo”. Apesar dos argumentos de Magnoli, a esquerda precisa defender um projeto emancipatório de nação para emancipar também os trabalhadores e as trabalhadoras. Não há por que não o disputar com a direita xenófoba e anacrônica, com vistas a outros fins.

Considere-se que está em curso um amplo esforço de formular, teórica e praticamente, uma nova luta pelo socialismo. A esquerda socialista reúne coragem e forças ideais para renovar seu arsenal. O mesmo não se pode dizer da experiência do welfare state: seus pregoeiros largaram as bandeiras pelo caminho, não logram superar o impasse estrutural que os levou à derrota e muitos deles, na Europa, se tornaram social-liberais.

Alcançar o bem-estar social, no mundo de hoje, exige realmente uma revolução e ela se dá pela combinação de projetos nacionais de desenvolvimento sob a soberania democrática e popular, que significa que só a luta dos trabalhadores e trabalhadoras pode liderá-la. Será patriótica.

(*) https://oglobo.globo.com/opiniao/demetrio-magnoli/

 
Redação

4 Comentários

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  1. a esquerda….

    Nova Esquerda|? Seria cômico se não fosse trágico. Só faltou Vandré, ao fundo. Eta!! 64. E os 3 ou 4 livros que a esquerda leu em toda a sua vida. É toda a base intelectual da esquerda tupiniquim. E ainda queremos nos comparar à China? Olha o tamanho do país, o tamanho do potencia energético, o poderio populacional, as possibilidades estruturais, as necessidades naturais de mercado…Direita ou Esquerda. Estamos neste blá, blá, blá infinfdável, mantendo uma Corte atrasada, que nada mais sabe que se perpetuar,. Se perpetuar no atraso que a Sociedade alimenta e prolonga. Empregos aos milhões. Empresas às milhares. Milhares de Kms de estradas. Centenas de Aeroportos. Pequenos, médios ou grandes. Centenas de Portos. Pequenos, médios ou grandes. Milhões de automóveis. Bilhões de diferentes medicamentos. Milhares de barcos, milhares de aviões. Milhões de Profissionais para desenvolver e produzir tudo isto. Milhares de Escolas e Universidades para desenvolver e ensinar tudo isto. E estamos nesta infindável baboseira, tão imbecil como nós Brasileiros, que não enxergam que isto só serve para manter esta pequena elite parasitária, que nos arrasta ao atraso, como uma âncora presa ao pescoço. 2017 e um país inteiro a construir. Qual outro tem tantas possibilidades e recursos? E o Brasil discutindo o ‘sexo dos anjos’. Tenha dó.     

  2. leu os 3 livros?

    O autor e o comentarista de equivalem em dizer bobagens. O comentarista provavelmente se orgulha de ter lido mais de 3 ou 4 livros, mas não entendeu nenhum. Só alguns fatos: a área da China é pouco maior que a do Brasil, que tem uma área aproveitável pela agricultura muito maior; o potencial energético brasileiro é enorme, motivo do recente golpe para entregá-lo às empresas internacionais; e muitos etc. O que devemos aprender da China é que, enquanto seguia outros, só pobreza; quando traçou seu próprio caminho e fez o que todos criticavam, teve um enorme desenvolvimento. Para quem entendeu pelo menos um dos livros que leu, é fácil ver um paralelo, com números menores mas na mesma direção, do desenvolvimento do Brasil na era PT, repetindo a era de Getúlio Vargas, e ambos depois negados por intérpretes bitolados e mentiras deslavadas. 

    1. leu….

      Eu já entendi o porque da Esquerdopatia Tupiniquim tanto idolatrar e apoiar a um Ditador, que assassinou Estudantes de Direito da Universidade de SP, no meio da rua. Estudantes desarmados que defendiam uma Constituição Libertária e Eleições Livres. Voto Obrigatório, Contribuição Sindical Obrigatória são alguns aspectos que mostam a tal ‘liberdade’ que esta gente sempre defendeu. E fanáticos ainda dizem não entender o Brasil / 2017.  

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