A Greve Geral e a Síndrome de Estocolmo, por Sergio Reis

A Greve Geral e a Síndrome de Estocolmo

Por Sergio Reis

A Greve Geral de hoje nos dá a oportunidade de revisitar uma característica curiosa, talvez anedótica, encontrada em uma parcela não desprezível de brasileiros, que é a Síndrome de Estocolmo – aquele estado psicológico em que o sujeito, depois de reiterada intimidação, opressão e sujeição por parte do agressor, passa a nutrir simpatia ou afeto com relação a ele.

Digo isso porque, para uma certa direita mais empedernida, o grande óbice à greve se dá em virtude de dois motivos: 1) seria um ato a favor de Lula (ou do PT, ou o que seja – insira aqui alguma coisa que o senso comum associe à esquerda); 2) seria o ato de manipulação de sindicatos, que querem “manter a boquinha”.

Com relação ao primeiro, nem há muito o que falar. Obviamente não há nenhum grupo significativo que tenha chamado o ato para defender A, B ou C. Afinal, não é disso de que trata a greve. Há direitos o bastante sendo dizimados para se preocupar com outras agendas. Nesse sentido, pelo menos em meu círculo eu pude identificar várias pessoas as quais, embora conservadoras (e, inclusive, “antipetistas”), compreenderam o caráter dos protestos e aderiram a eles – ou, pelo menos, viram legitimidade na greve.

Elas estão cientes do conjunto expressivo de perdas significativas de direitos que estão em curso, e que afetarão suas vidas e as de seus pares, e de seus filhos, e de seus netos. Elas continuam a rejeitar símbolos progressistas, mas isso não é problema algum. O fundamental é que percebem o desmonte e o quanto ele afetará suas vidas.

Com relação ao segundo, contudo, a questão é mais séria. Isso porque essas pessoas parecem ter mais medo de serem “enganadas” ou “manipuladas” do que de perderem seus direitos. Na verdade, nos discursos de oposição à greve, a questão dos direitos obviamente não aparece. Tudo é como se os sindicatos estivessem meramente interessados em manter o “imposto sindical”.

Mas, mesmo supondo que seja estritamente esse o motivo dos sindicatos em promover a greve, e todas as demais questões, que afetarão diuturnamente a vida de cada um de vocês? Estão cientes de que a greve diz respeito a um conjunto expressivo de mudanças na legislação trabalhista e previdenciária? Vocês realmente preferem perder tantos direitos a não serem “enganados”? Preferem ir à forca a se associarem, mesmo que indiretamente, a forças sociais com as quais não concordam? Será que o ódio é capaz de nublar a esse ponto a vossa integridade?

·         Preferem trabalhar 48 horas por semana (em vez do limite de 44 horas atuais), mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem trabalhar até 12 horas ao dia (em vez do limite atual de 10 horas), mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem ter de fazer horas extras sem comunicação prévia de dez dias à autoridade competente (como hoje), mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem ter meia hora de almoço (em vez de uma hora, como hoje), mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem que as contratações de jornadas parciais de trabalho passem de 25 para 30 horas semanas e que possam ser pagas abaixo do salário mínimo, mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem que as indenizações por dano moral sejam medidas de acordo com o salário do trabalhador (fazendo com que a vida de uns valha mais do que a de outros), mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem receber menos se fizerem home office, mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem que acordos coletivos de trabalho que reduzam direitos já vigentes e que se sobreponham à legislação possam ser assinados, mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem, se gestante, se submeter a trabalhos insalubres, mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem, se moram em locais de difícil acesso ou sem transporte público, passar a pagar do próprio bolso a ida até o trabalho, mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem que as empresas passem a determinar quando ocorrerão suas férias, mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem trabalhar para empresas terceirizadoras que criem outras e outras “empresas-fantasma” para negarem indefinidamente o pagamento de décimo-terceiro salário e outras garantias aso funcionários, mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem que as empresas passem a pagar apenas um terço do pago atualmente quando há acordo para redução do seu tempo de descanso, mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem trabalhar 40 anos para terem acesso à aposentadoria nos termos em que, hoje, seria possível com 35, mas serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem ter de trabalhar 25 anos, em vez dos 15 atuais, para poderem pleitear a aposentadoria, mas não querem ser “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem ter de trabalhar até os 65 ou 62 anos (em vez dos 60 ou 55 atuais), mas não querem ser “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem que as regras previdenciárias sejam alteradas apenas para os trabalhadores da iniciativa privada e se mantenham, em boa medida, como estão para a classe política e para os servidores públicos (reforçando os privilégios a eles existentes), mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem ser contratados a partir de procedimentos que não reconheçam os vínculos de trabalho (ganhando menos e trabalhando mais do que aqueles com carteira assinada), mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem correr o risco de serem continuamente contratados em regime temporário, sem acesso a direitos trabalhistas básicos (como o aviso prévio e a multa sobre o FGTS), mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

Há, é claro, muitos outros pontos que poderiam ser apontados com relação à terceirização, à reforma trabalhista e a previdenciária. Infelizmente, essa consciência tranquila por não ter sido “manipulado” agora pode custar caro no futuro. No fundo, diante de tantas medidas que significarão a redução da empregabilidade, do bem-estar no trabalho, dos patamares salariais e, até mesmo, dos níveis de arrecadação previdenciários (agravando a suposta crise que fundamenta todas essas reformas), essa consciência “cívica” de defender a ida ao trabalho no dia de hoje por entender que a paralisação é ato de “vagabundos” – como se a greve não fosse um direito assegurado na Constituição – explica bem, infelizmente, porque a crise que vivemos no Brasil também é uma crise de valores.

Afinal, esse “civismo” nada tem a ver com o que lhe definiria, que é a busca, no espaço público, pela produção da justiça, da virtude do “querer coletivo”, do interesse público, da harmonia social. Infelizmente, é apenas uma singela e infrutífera resistência privada – por vezes orientada ou pelo “amor à empresa” ou, mais concretamente, pelo medo de perder o emprego (curiosamente, algo mais próximo de ocorrer com a aprovação das reformas, como já apontaram pesquisas da OCDE). Estivéssemos em 1.888, eventualmente algumas dessas pessoas estariam reproduzindo o discurso dos jornais de que o fim da escravidão destruiria o setor agrícola; se em 1962, talvez se oporiam ao 13º salário, “considerado desastro para o país”, como na capa do jornal “O Globo” da época.

É, particularmente, uma crise de memória: não há direito relevante à disposição de um cidadão que não tenha surgido a partir de reivindicação, de protesto, de piquete, de marcha, de greve, de luta. É por isso que é “direito”: são conquistas, alcançadas para melhorar a dignidade social e, em muitos casos, para produzir o mínimo de igualdade diante daqueles que, antes, exerciam esses direitos como “privilégios” – os mais abastados, com mais poder. Agora, estes querem impor o retrocesso, pois desejam aumentar a distância social perante os demais, seu direito à desigualdade. Contra isso, resistamos. 

Redação

6 Comentários

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  1. Crise de memória e,

    Crise de memória e, desconhecimento por não tentarem, pelo menos pesquisar as lutas que aconteceram na história do país tudo, graças a manipulação da mídia brasileira, que conseguiu, infelizmente, colocar isso na cabeça das pessoas. Quando acordararem para a realidade será tarde e, por desgraça, nós que conseguimos ver e entender isso, seremos obrigados a pagar juntamente com os manipulados. 

  2. Dia ..

    …   Um dos conteúdos que deveriam estar nas escolas são das datas emblemáticas que muitas vezes são feriados, caso a história do dia do trabalho, da mulher, de Zumbi dos Palmares, fossem parte do ensino alguns assuntos tão releventes seriam melhor compreendidos.

  3. DITADURA NORTE AMERICANA JURÍDICA MIDIÁTICA 2016

    Estamos afundando cada vez mais na ditadura, onde os poderes estão dominados por bandidos. Esses bandidos gastaram bilhões para descontruir o Brasil a partir de 2012. Descontruir o Brasil cada vez mais continua sendo o script deles, vem lá do norte. Essa greve, bem como quaisquer greves que venham por aí, não sofrerão resistências dos ditadores. Ao contrário, essas greves são fomentadas pelos ditadores, e quanto mais destruição houver mais interessante para eles cujo objetivo é destruir mesmo, até mesmo para marcarem bem esse momento, até derramamento de sangue é bem vindo, a ponto de apagarem ao máximo da memória do povo as janelas que se abriram nas mentes do povo brasileiro durante os governos petistas. Então, como temos clareza de que essa greve é de altíssimo interêsse dos criminosos ditadores que roubaram a governança, fica impossível imaginar que acreditem que em uma ditadura, principalmente tocada por bandidos criminosos inescrupolosos, uma greve róle numa boa com pontos a favor de atores externos adversários seus e não com pontos para deles, mesmo porque todo mundo entraria no cacête, e não foi isso que vimos, e nem veremos. ABAIXO OS DITADORES BANDIDOS CRIMINOSOS E SUA DITADURA VIOLENTAMENTE INESCRUPULOSA!

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  4. Conheço empresários à beira

    Conheço empresários à beira da falência, ou praticamente falidos, hoje, que não admitem o erro do apoio ao golpe. E não acredito que aprenderão com isso. 

  5. Todos conhecem pessoas que,

    Todos conhecem pessoas que, ora não reconhecem o golpe, ora aprofundam na ignorância do que realmente ocorre a sua volta. Encaminhei a charge a um cunhado que defendia o golpe e as reformas, logo que elas foram propostas ano passado.

    Devolve-me o zapzap, morrendo de rir, dizendo que concordava comigo…

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