A pele que habito – o filme e a experiência pessoal, por Mariana Nassif

A pele que habito – o filme e a experiência pessoal, por Mariana Nassif

O filme que carrega o título do artigo, e colo aqui a descrição da Wikipedia, “dá conta um notável cirurgião plástico, alimentado pela obsessão de recriar em laboratório uma espécie de pele humana, desde que sua esposa sofrera graves queimaduras após um acidente de carro. Atormentado pela morte da mulher, Ledgard, o cirurgião, se mostra um homem inescrupuloso e não medirá esforços para colocar em prática seus experimentos para criar uma pele artificial para seres humanos. Posteriormente, acontece a morte da sua única filha, enferma mental aparentemente estuprada por um rapaz que acabara de conhecer, o que o faz buscar vingança, aprisionando-o em sua casa e fazendo dele sua cobaia.”

É um dos enredos mais angustiantes que já assisti em película e, ao que me cabe análise crítica, um filme que deve ser visto por todos, um clássico, especialmente quando estamos naqueles períodos comuns de questionamentos, angústias e com qualquer tipo de incômodo, mais ainda aqueles que não se sabe de onde vem. Sádica, eu? Nada, gosto mesmo é de extravasar e aconselho como articulista, embora não pratique enquanto terapeuta.

Em psicologia, aliás, escutamos e utilizamos o “criar pele”, exercício que determina a necessidade do indivíduo em produzir e desenvolver contorno, fundamental para uma vida saudável. Claro, óbvio e evidente que existem faixas e mais faixas que determinam o que é uma vida saudável mas, pelo amor da Deusa, não me apareçam aqui com 10 regras, 21 passos ou 7 sussurros para-sei-lá-o-que pois a ineficácia superficial disso tudo só serve para aumentar a ansiedade e ampliar a sensação de que está todo mundo feliz menos a gente e, enfim, mais do que ser apenas inútil, considero perigoso. Enfim, criar pele é também angustiante, questionador, esquisito e incômodo, muito incômodo.

Imagine-se com a pele queimada, musculatura e nervos expostos, a cada encontro que você tem na vida. Vísceras, órgãos, veias… tudo ali, despejando seu conteúdo e, sem dúvida alguma, absorvendo de forma indeterminada o que vem de fora. Infecções, inflamações, necroses, pra dizer o mínimo. Faça o paralelo com o filme e me diga se você não estaria próximo a um surto em busca de qualquer solução para estancar esse esvaziamento. Santa psicoterapia, existem alguns bons caminhos para lidar com estes períodos, se forem períodos, ou alterar estruturas, se forem estruturas e, enfim, determinar permeabilidade.

Estou num caso de amor profundo com esse conceito: permeabilidade. Ainda naquele lugar esquisito de observador de si mesmo, sabe? Aquele onde a gente absorve o que tem que ser feito e faz, mas ainda não se apropriou da prática e, então, de repente as interrogações pipocam em inúmeros serás. Tudo bem, com esses aprendia lidar há algum tempo e, tá tudo bem mesmo: um tanto de loucura precisa existir pra não morrermos de normose. Permeabilidade, por enquanto ainda te experimento assim, mais como expectadora de mim mesma, essa eu mesma que ainda sou eu mesma mas tão diferente e, eu sei, não preciso explicar e você também não precisa entender.

Santa psicoterapia, obrigada por existir em mim tão forte quanto o desejo inamputável de ser feliz, mesmo que isso exista em diversas faixas e que seja quase impossível definir em conceitos ou 7-14-21 regras escritas por um guru qualquer. É caso de sentir e ser, e isso é tão íntimo e pessoal que só mesmo a análise dá conta de explanar.

Livre de vinganças, aprisionamentos e escolhas mal intencionadas. Conectada com a fé, a força e a correção daquilo que desagrada em mim. Movimentos, enfim, para finalmente transitar com alguma segurança, conforto e menos dor, nossa, muito menos dor, nesta pele que habito: uma loucura quase completa, mas não mais doente.

 

Mariana A. Nassif

7 Comentários

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  1. Este artigo me fez lembrar

    Faz muito tempo discorríamos sobre terapias corpo-mentais durante o intervalo de uma das sessões, e ali mais se falava  de doenças de que de saúde.

    Uma das alunas, percebendo isto, comentou que, na PUC, onde ela cursava Psicologia, um colega da turma dela  passou a qualificar os sãos de normalóides. E justificava: com tantas doenças psíquicas, já já vão qualificar “normal” de doente.

    Nos bons tempos passados, Caetano Veloso disse que olhando de perto ninguém é normal.

     

     

  2. ”’É um dos enredos mais

    ”’É um dos enredos mais angustiantes que já assisti em película ”

    É um dos enredos mais sem sentido que assisti na vida.

    E o final é mais sem sentido ainda.

       Lixo puro.

    1. mestre

      almodovar é um grande mestre diretor de óimos filmes, este ainda não assisti pois não pintou o clima, mas o cara é 10. Realmente fazer uma cronica e não creditar o mestre é no mínimo estranho.

  3. Quem está livre da vingança

    Quem está livre da vingança não faz História. Faz apenas filhos que serão devorados pelas vinganças dos outros.

    A pele que nos separa do mundo, não separa de nós tudo que no mundo é capaz de nos ferir por dentro fisica e psicologicamente.

    Nós temos apenas duas escolhas. Sofrer ou sofrer, mas isso não rende um bom filme. Talvez renda alguma grana para os psicólogos, pastores e fabricantes de remédios tarja-preta.

  4. As peles que me habitam

    Quantas peles podemos habitar… So sei que vejo muita gente com superposições de mascaras. E dai que retirar as mascaras pode ser doloroso, complicado, dificil, mas também libertador.

  5. Penso diferente, Mariana, o

    Penso diferente, Mariana, o filme é um clássico mas nem um pouco angustiante. Nem no post nem nos comentários que li até o momento vi menção ao diretor. Almodovar tem a capacidade de abordar assuntos polêmicos e de vital importância de uma forma única. Nas mãos de um outro poderiam ser dramalhões, nas dele sempre pontilha um ensinamento, uma alegria debochada, uma esperança. Em “Tudo sobre minha mãe” ele fala de AIDS, de bissexualismo, de homosexualismo, de tranplante de coração, sem qualquer freio e com intensa alegria. N'”A Pele que habito” vem à tona a, na época, incipiente cirurgia de mudança de sexo. E não há o final infeliz. Indiscritível, só vendo, em “Carne Tremula”, a Madri do início do filme, escura e tenebrosa, em pleno fascismo franquista, e a do final do filme, radiosa, colorida, no pós franquismo. Perdoe-me pela discordância, não é nem 1 nem 10 regras, um passo talvez ?, mas eu vejo Almodovar sem angústia, com alegria.

     

     

     

     

     

  6. Filmaço… desses que a
    Filmaço… desses que a gente vê e quase compreende o conceito que diz que de Buda a…… Hitler, é “quase um pulo” (no sentido de que é fácil resvalar para o monstruoso e é fácil resvalar para o lúdico, o ético). Ai daquele em que a tal “permeabilidade” não tem bases sólidas, de família, amor, princípios de vida, etc. etc.

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