A prisão de Lula: julgamento pelo clamor social, por Amanda Floriano

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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O surgimento da Lava Jato e o desvelamento das entranhas do poder político, eivado de apropriação da riqueza pública, privilégios injustificáveis e corrupção de séculos, mostrou que o PT não escapou a essa doença, fato que se transformou em senha para que a subjacente rejeição ao PT e ao Lula, suspensa pelo seu bom governo, surgisse com toda força e passassem a ser os culpados pela corrupção endêmica de séculos, de um país de senzalas, casas grandes, desigualdades vergonhosas.

Não se perca de vista que o Brasil foi um país escravocrata, o último a libertar os escravos, há apenas 230 anos, que defendeu contrabandistas e cafeicultores, sendo um dos maiores traficantes de escravo, o brasileiro chamado Francisco Felix de Souza, o Chachá.

Num país campeão em desigualdade social, com alto índice de pobreza, elite que constrói muros, um partido de origem operária, próximo do povo pobre e excluído, de bases comunitárias, lideranças populares e sindicais não estimulou os brasileiros que não gostam que na mesma escola de seus filhos, estude o filho do pobre, do porteiro, do jardineiro por ser preciso distinguir uma classe da outra. Um apartheid social de séculos, origem da violência que gera 60 mil assassinatos por ano.

Muito bom falar dos países de primeiro mundo, desde que não se tenha que ter o mesmo espírito comunitário, lavar o próprio banheiro, não ter porteiro, carregador, empregada. Abrir mão de privilégios em nome da igualdade social não está na agenda brasileira e não haverá diminuição das desigualdades se todos não se envolverem nesse processo social. Sentimento de destino comum é o primeiro passo, que ninguém quer dar por exigir abrir mão de privilégios.  Veja o caso das gratificações de moradia para quem tem moradia, permitindo o descumprimento do teto constitucional.

Com a Lava Jato atingindo pessoas de todos os partidos, não seria crível que o próprio Lula não estive envolvido; isso seria inadmissível porque a rejeição a ele não dava mais para ser contida. Estava solta.

Sem contas bancárias no exterior e dinheiro em malas, iates e joias, surgiu o apartamento, que mesmo não tendo sido comprovado, de modo irrefutável, o favorecimento, com documentos, assinaturas, escrituras, pagamentos, uso, doação, pois não existe propriedade sem documento porque ninguém pode dizer esta casa é minha sem comprovação, foi condenado. 

Um processo e julgamento ágil como não visto comumente no Judiciário que pela agilidade, foi capaz de retirá-lo das eleições de 2018.

Combinaram? Todos os Poderes? Não precisaria ser exatamente assim porque estando embutido na alma da elite privilegiada brasileira a rejeição à esquerda, especial a lulista, bastava permitir o seu afloramento num momento histórico e deixar por conta da sinergia que vai encadeando sentimentos subjetivos e atitudes semelhantes, impossível de controle, com grupos se organizando oportunamente e a fomentando.

Como surgiu o nazismo e de repente uma Nação inteira passou a odiar os judeus e a exterminá-los? Insuflamento em momento adequado, libera um sentimento interno, subjetivo, que gera uma identidade comum. Esse feito subjetivo-indentitário, que gesta o ovo da serpente, não deixa ninguém desaprovar quem o estamento execra.

O filme 12 homens e uma sentença, encenado por Henry Fonda, que muda a decisão de um júri de condenar um adolescente por assassinato pelo fato de o 12º membro do júri reflexionar sobre o induzimento do julgamento pelo clamor social. Não fosse essa consciência heterogênea, a condenação seria antecedente e não consequente. Como no livro atemporal, O Sol é para Todos, de Harper Lee, sobre o julgamento de um jovem negro acusado de estupro de uma mulher branca. Um julgamento pelo clamor social e não pelos fatos e a crítica ao advogado que o defende.

Sendo o Lula uma liderança política nacional e internacional, não há como ignorar tal fato em qualquer julgamento judicial, que mais do que nunca precisa ser isento das paixões que nos regem, porque ninguém está imune aos sentimentos que as lideranças despertam, por ser parte da sociedade como cidadão e eleitor.

Por isso, julgamento judicial de pessoas como Lula não pode ser apressado, rápido, irrefletido, pressionado pela sociedade. A isenção, paciência, discrição, tempo, são ingredientes necessários para o alcance da Justiça. Quase uma quarentena para se limpar das influências sociais e vencer a sinergia vibrante na sociedade a clamar isto ou aquilo. Dias e noites de reflexão para extrair a necessária isenção, nem sempre alcançada, o que faz com que líderes em países menos maduros e em épocas de menor avanço civilizatório, sejam assassinados, sentenciados à morte ou encarcerados. Com o arrependimento ficando para as gerações futuras.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

5 Comentários

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  1. “Com a Lava Jato atingindo

    “Com a Lava Jato atingindo pessoas de todos os partidos, não seria crível que o próprio Lula não estive envolvido; isso seria inadmissível porque a rejeição a ele não dava mais para ser contida. Estava solta.”

    Puta que o pariu, que mentira deslavada. 

    Quando a lava jato atingiu os tucanos? E o pmdb? Eu só vejo petistas presos. Se fosse por causa de rejeição o Temer deveria ter sido preso antes do Lula.

    E as últimas pesquisas que mostram claramente que o Lula tem a maior aprovação e menor rejeição que os bandidos do outro lado?

    Fico puto quando vejo alguém ter espaço para escrever tanta merda. Vai a PQP FDP.

     

  2. Refutações .

    “surgiu o apartamento, que mesmo não tendo sido comprovado, de modo irrefutável, o favorecimento, com documentos,”

    Minha cara Amanda,  sua frase dá a entender que não foi comprovado de modo irrefutável, mas deixa a entender que foi apenas o açodamento que não permitiu fazer esta comprovação.   A frase poderia  ser

    ” de modo irrefutável, não existe prova alguma de que o apartamente jamais tenha sido de Lula”

    ” de modo irrefutável existe prova de que ele jamais teve propriedade e ou usufruiu do bem”

    ” de modo irrefutável  não existe prova de que o terreno para o Instituto Lula ( que é uma pessoa jurídica diferente da pessoa física Lula) tenha sido comprado e destinado a Lula”

    ” de modo irrefutável não existe corrupção sem prova de crime de ofício”

    ” de modo irrefutável tudo que digo acima está escrito nos autos da sentença de Sergio Moro”

    Portanto não foi por ” ser apressado, rápido, irrefletido, pressionado pela sociedade” que se condenou Lula. De fato tudo isto foi intencional, foi um linchamento tão cruel quanto se fazia com os negros no sul dos Estados Unidos, ou com judeus na Europa, ou aqui em bairros da periferia. E claro que os que foram coniventes e ou apoiaram o linchamento, apenas pelos próprios preconceitos  podem agora arrependidos dizer que não era isso que queriam. Mas é irrefutável que participaram disto tudo.

    Mas se alguns se arrependem, existe sempre um grupo maior que vai eternamente culpar a vítima, pois a vítima é sem dúvida a prova viva do crime. A vítima é a prova e o testemunho que tem que ser eliminado.

  3. Decepção

    O maior e mais popular líder político do ocidente, perde talvez somente para o Putin no planeta, é encarcerado e o povo nada, não se mexe.

    Muito triste.

  4. Consideremos a questão do tal

    Consideremos a questão do tal “clamor social”, tão vagabundo e inútil e hipócrita como a dita “opinião publicada”. Ou seja, clamor social é a torcida do Cortinhians eou do Flamengo jogando no domingo. O resto é o resto, desde sempre, “criação-demoníaca-da-rede-globosta” para alegria dos incautos e conversas vivandeiras de quarteis. O Lula está preso por conta de criminosos desprocurados e juizites-de-ocasião-negocial.

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