A prisão do único mediador entre elites e massas no Brasil, por Leonardo Avritzer

A prisão do único mediador entre elites e massas no Brasil

por Leonardo Avritzer

Luiz Inácio Lula da Silva é um radical de esquerda tal como alguns órgãos de mídia insistem em apresenta-lo? Analisemos a sua trajetória antes de dar uma resposta a esta questão. Lula emergiu como liderança política no final dos anos 70 e liderou um conjunto de greves a partir do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Estas greves que tensionaram uma cultura de intervenção nos sindicatos existente no Brasil, desde os anos 30, ajudaram a acelerar o fim da ditadura militar. Preso na sede do sindicato dos metalúrgicos do ABC, Lula recebeu o apoio do conjunto da classe política naquele momento o que selou a sua liderança política no Brasil, e abriu caminho para a formação do P.T.

A partir da formação do P.T. pode-se dizer que Lula surfou na onda democratizante que varreu o Brasil nos anos 80. Foi deputado constituinte e chegou ao segundo turno das eleições de 1989. A partir daí, em todas as eleições, ele obteve um percentual mais elevado de votos do que na anterior até ser eleito presidente em 2002. Eleito presidente, Lula conseguiu um feito que nenhum presidente do Brasil antes ou depois conseguiu: consenso sobre a política econômica. A política econômica foi objeto de disputa desde a posse de José Sarney até o final do mandato de  Fernando Henrique Cardoso e tampouco existiu depois de Lula, com Dilma Rousseff e Michel Temer. Além disso, Lula foi capaz de construir consenso sobre a outra ponta, a das políticas sociais. As políticas sociais desenvolvidas pelo governo Lula, em especial, o bolsa família, mas também o programa de cotas para as universidades públicas se tornaram políticas amplamente aceitas, e foram incorporadas pelos candidatos do PSDB a partir de 2010. Assim, o que Lula realizou na política brasileira foi a construção de um amplo consenso ao centro tendo como eixo central a política econômica e as políticas sociais. Não por acaso, a aprovação ao seu governo foi a mais alta desde 1988. Por que Lula fez o que ninguém no Brasil havia conseguido antes. Conectou elites e massas em um só projeto político.

Desde o início da operação Lava Jato, Lula tornou-se não um réu, mas um alvo da operação. Lula não foi alguém que se colocou acima da lei e sim alguém a quem a Lava Jato e agora o TRF-4 e o STF negaram direitos primários que oferecem a outros réus. Basta lembrar que 18 acusados com as penas confirmadas pelo TRF-4 estão em liberdade neste momento. Lembremos da longa lista de violações dos direitos do indivíduo Luiz Inácio Lula da Silva: violação do sigilo dos advogados que sofreram escuta telefônica; violação da lei sobre escutas que exige descartar escutas pessoais; rejeição da delação premiada de Leo Pinheiro até incluir um testemunho contra Lula (que ainda assim não teve prova documental); sentença de Moro em Julho de 2017 que negou a necessidade de ato de ofício exigido pelo código penal; aceleração dos trâmites na Décima Terceira Vara e no TRF-4 de Curitiba; descarte pelo TRF-4 dos argumentos da defesa em uma única sentença; negativa da presidente do STF de pautar o habeas corpus do ex-presidente; declaração do ministro do exército ameaçando o próprio tribunal.

Não é uma lista pequena. O impressionante é que, ao contrário do que alguns autores têm sugerido, Lula e o P.T. se pautaram pelo total obediência à legalidade quando ela foi tão amplamente vilipendiada pela Lava Jato e pelos tribunais. Até o último momento Lula, o negociador, Lula o mediador entre elites e massas esperou que houvesse uma iniciativa do outro lado para que a chaga aberta pela Lava Jato não se convertesse em ferida incurável. Ao voltar ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo na noite de ontem, Lula e o Brasil voltaram ao começo dos anos 80, quando muitos apostavam no enfrentamento em vez da mediação entre elites e massas. Lula mostrou que pode ser um mediador, mas as elites brasileiras acham que não precisam de um mediador em sua inflexão anti-social e anti-democrática. Só o tempo dirá quem tinha razão.

 
Leonardo Avritzer

6 Comentários

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  1. Pois é, venho falando isso a

    Pois é, venho falando isso a um tempo… Qual o plano desses gênios? Acabar com a “conciliação de classes” e partir direto pra guerra?

    Será que são tão burros que não percebem que a maioria da população brasileira é de pessoas humildes? Eles realmente querem enfrentar 30 milhões (e muito mais) que ascenderam socialmente nos governos petistas? Não dá para levar a sério. Se os EUA realmente tem uma mão nisso tudo (e tudo indica que tenham), então realmente, o império ianque está acabando, porque esse golpe é muito furado.

    Sem Lula pra mediar não sobra mais ninguém. E aí, o que fazer? Enquanto as ruas viram um pandemônio de violência, impulsonada pela maior desigualdade mundial, a Globo vai fingir que está está tudo bem?

    Esses idiotas estão cometendo suicídio ao destruir Lula, e são tão ignorantes que nem percebem.

  2. Nao tinha pensado sobre essa

    Nao tinha pensado sobre essa otica do Lula ser um mediador entre classes.

    Sinceramente o Brasil com sua desigualdade social esta mais proxima da Africa do que a Suica. Um barril de polvora realmente pode explodir se essa grande parcela de populacao se ver abandonada.

    A figura do Lula em si traz um certo ar de messianismo a uma grande parcela da populacao.

    O tempo nos dira o que acontecera.

  3. Pois é, visto assim parece

    Pois é, visto assim parece estranho… talvez seja porque os interesses das “elites” sejam definitivamente inconciliáveis com os interesses das “massas”, diriam os marxistas, e todo projeto no sentido dessa conciliação serão sempre natimortos.

    Mas se Lula e Dilma não deixaram de buscar atender aos interesses da elite mesmo buscando atender aos das massas, porque afinal estão sendo defestrados?

    Talvez em relação à pessoa comum, do vulgo – entre as quais está minha desimportante pessoa – Marcelo Odebrecht e Aécio Neves sejam elite. Mas em relação a Marcelo e Aécio, a elite seja os detentores, emissores e controladores do dólar.

    Além disso, esse negócio de conciliação… sabe a história de dividir para conquistar? Que patrão gosta que seus empregados integrem organizações sindicais? Que feitor quer que seus escravos escapem? Que bobagem é essa de Lula andar com tanta autonomia pelo mundo, sem buscar o aval dos donos do dólar? E o pior, quitando todas as dívidas com aqueles donos? E Dilma, então? Que ousadia é essa de construir um porto num lugar que deve ser isolado por embargos, até morrer por inanição?! E talvez o maior crime: que negócio é esse de tentar escapulir do dólar, integrando um BRICS, negociando na américa bolivariana?

    Para administradores públicos brasileiros se manterem nos cargos para os quais são eleitos, sem que nossa democracia seja atacada, é mister que conciliem os interesses dos detentores do dólar com os nossos, brasileiros. E sabe quais são os interesses do dólar em relação a nós? Sabe o lugar em que eles acham adequado que permaneçamos? O papel que acham que devemos assumir?

  4. Da minha infância, muitas
    Da minha infância, muitas lembranças me vieram na noite de ontem e na madrugada de hoje.Mesmo sem entender de política e de outras coisas de “gente grande”, sempre fui uma criança estudiosa e comportada, porém contestadora, insatisfeita e avessa as injustiças, ainda que de forma inconsciente. Nos filmes de faroeste, eu sempre torcia pelos índios contra aqueles soldados branquelos da cavalaria. Nas eleições municipais, eu sempre torcia pelos candidatos que não se submetiam ao autoritarismo e as arbitrariedades dos usineiros. No futebol eu escolhi torcer pelo Sport, que era o time mais odiado pelos poderosos e pela massa inculta e vassala que se curvava a esses poderosos. Lembro que meus pais sempre diziam que a gente só deve se curvar por educação e nunca por submissão. O problema era que aqueles eram tempos difíceis onde o autoritarismo, a violência e injustiça imperavam. Vivíamos o apogeu da ditadura militar. Não gostar dos EUA, ser contra a usina, torcer pelo Sport, ler muito, não se curvar às autoridades… tudo isso era coisa de “comunista”.Foi nessa época que Chico compôs e gravou “A Banda”, uma canção simples que falava de uma banda que passou por uma cidade, “cantando coisas de amor” e realizando sonhos e desejos. Eu adorava cantarolar essa musica, mesmo diante das ameaças dos pais de alguns amigos, que sempre me alertavam dizendo que aquilo era “cantiga de comunista”.Quando veio a redemocratização e a primeira eleição presidencial, mesmo tendo votado em Brizola no primeiro turno, abracei a campanha de Lula no segundo turno e me emocionava cada vez que ouvia aquele jingle maravilhoso que ecoava pelas ruas e arrastava uma multidão “sem medo de ser feliz”.Ainda esperei mais de uma década para ver chegar à presidência do Brasil, o primeiro operário, o primeiro pernambucano, o primeiro homem de origem humilde.Valeu a espera. Como num sonho, uma banda passou pelo país “cantando coisas de amor”. Jovens pobres chegaram as faculdades, o nordeste do Brasil cresceu economicamente mais que todo o resto do mundo, a miséria absoluta foi substituída por uma pobreza digna, a fome desapareceu, mais 30 milhões de brasileiros chegaram a classe média, mais de 5 milhões de famílias passaram a ter sua casa própria, o Brasil passou a ser credor do FMI, as universidades públicas do país se interiorizaram e foram quadruplicadas, meu Pernambuco deixou de ser um estado atrasado e dependente de usineiros escravocratas para se tornar um parque industrial que fabricava automóveis e navios… Meu Deus, quantos sonhos realizados! Vai ser difícil falar essas coisas no futuro e alguém acreditar que são verdades! Como era difícil arrumar um pedreiro para para fazer uma pequena reforma em casa, pois estavam todos empregados construindo um novo Brasil.O que infelizmente não se pode evitar foi a permanência dos demônios, coxinhas e peemedebistas nesse paraíso que se desenhava. E essas figuras do mal, com sua “práticas ilícitas” e sua “tenebrosas transações” acabaram por se misturar com os construtores dessa nova nação que encantava o mundo e já se tornava a sexta economia mundial. Hoje reconheço que falhamos por termos permitido que essa gente se aproximasse do governo popular que implantamos. Falhou Lula, falhou o PT, falhamos todos nós. Sob nossa caminhada, a velha e fétida “direita retrógrada” roubou como nunca e ficou impune como sempre. Sábado aconteceu o trágico desfecho dessa triste história. O único líder popular de toda nossa história foi preso, para a felicidade geral da direita facista e de uma massa inculta e masoquista.Nenhuma motivação jurídica para essa prisão se encontra. Lula nunca teve conta no exterior, nunca foi pego com milhões em casa, nunca correu pelas ruas com dinheiro na mala, nunca recebeu aviões cheios de cocaína, nunca recebeu propina de empreiteiros, enfim, foi preso no lugar daquela casta que suga o país, mantém-se impune e nos mantém na miséria desde a chegada de Pedro Álvares Cabral até hoje.Quem sabe, teremos outra chance… e dessa vez vamos lembrar que o Brasil só poderá mudar se essa gente sumir. “E para meu desencantoO que era doce acabouTudo tomou seu lugarDepois que a banda passou E cada qual no seu cantoEm cada canto uma dorDepois da banda passarCantando coisas de amor”

  5. A BANDA PASSOU Da minha
    A BANDA PASSOU Da minha infância, muitas lembranças me vieram na noite de ontem e na madrugada de hoje.Mesmo sem entender de política e de outras coisas de “gente grande”, sempre fui uma criança estudiosa e comportada, porém contestadora, insatisfeita e avessa as injustiças, ainda que de forma inconsciente. Nos filmes de faroeste, eu sempre torcia pelos índios contra aqueles soldados branquelos da cavalaria. Nas eleições municipais, eu sempre torcia pelos candidatos que não se submetiam ao autoritarismo e as arbitrariedades dos usineiros. No futebol eu escolhi torcer pelo Sport, que era o time mais odiado pelos poderosos e pela massa inculta e vassala que se curvava a esses poderosos. Lembro que meus pais sempre diziam que a gente só deve se curvar por educação e nunca por submissão. O problema era que aqueles eram tempos difíceis onde o autoritarismo, a violência e injustiça imperavam. Vivíamos o apogeu da ditadura militar. Não gostar dos EUA, ser contra a usina, torcer pelo Sport, ler muito, não se curvar às autoridades… tudo isso era coisa de “comunista”.Foi nessa época que Chico compôs e gravou “A Banda”, uma canção simples que falava de uma banda que passou por uma cidade, “cantando coisas de amor” e realizando sonhos e desejos. Eu adorava cantarolar essa musica, mesmo diante das ameaças dos pais de alguns amigos, que sempre me alertavam dizendo que aquilo era “cantiga de comunista”.Quando veio a redemocratização e a primeira eleição presidencial, mesmo tendo votado em Brizola no primeiro turno, abracei a campanha de Lula no segundo turno e me emocionava cada vez que ouvia aquele jingle maravilhoso que ecoava pelas ruas e arrastava uma multidão “sem medo de ser feliz”.Ainda esperei mais de uma década para ver chegar à presidência do Brasil, o primeiro operário, o primeiro pernambucano, o primeiro homem de origem humilde.Valeu a espera. Como num sonho, uma banda passou pelo país “cantando coisas de amor”. Jovens pobres chegaram as faculdades, o nordeste do Brasil cresceu economicamente mais que todo o resto do mundo, a miséria absoluta foi substituída por uma pobreza digna, a fome desapareceu, mais 30 milhões de brasileiros chegaram a classe média, mais de 5 milhões de famílias passaram a ter sua casa própria, o Brasil passou a ser credor do FMI, as universidades públicas do país se interiorizaram e foram quadruplicadas, meu Pernambuco deixou de ser um estado atrasado e dependente de usineiros escravocratas para se tornar um parque industrial que fabricava automóveis e navios… Meu Deus, quantos sonhos realizados! Vai ser difícil falar essas coisas no futuro e alguém acreditar que são verdades! Como era difícil arrumar um pedreiro para para fazer uma pequena reforma em casa, pois estavam todos empregados construindo um novo Brasil.O que infelizmente não se pode evitar foi a permanência dos demônios, coxinhas e peemedebistas nesse paraíso que se desenhava. E essas figuras do mal, com sua “práticas ilícitas” e sua “tenebrosas transações” acabaram por se misturar com os construtores dessa nova nação que encantava o mundo e já se tornava a sexta economia mundial. Hoje reconheço que falhamos por termos permitido que essa gente se aproximasse do governo popular que implantamos. Falhou Lula, falhou o PT, falhamos todos nós. Sob nossa caminhada, a velha e fétida “direita retrógrada” roubou como nunca e ficou impune como sempre. Sábado aconteceu o trágico desfecho dessa triste história. O único líder popular de toda nossa história foi preso para o delírio da direita facista e da massa inculta e masoquista que a segue.Nenhuma motivação jurídica para essa prisão se encontra. Lula nunca teve conta no exterior, nunca foi pego com milhões em casa, nunca correu pelas ruas com dinheiro na mala, nunca recebeu aviões cheios de cocaína, nunca recebeu propina de empreiteiros, enfim, foi preso no lugar daquela casta que suga o país, mantém-se impune e nos mantém na miséria desde a chegada de Pedro Álvares Cabral até hoje.Quem sabe, teremos outra chance… e dessa vez vamos lembrar que o Brasil só poderá mudar se essa gente sumir. “E para meu desencantoO que era doce acabouTudo tomou seu lugarDepois que a banda passou E cada qual no seu cantoEm cada canto uma dorDepois da banda passarCantando coisas de amor”

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