A vivência, os livros e as constatações: uma crítica ao artigo de Fernando Haddad, por Ricardo Gaspar

A vivência, os livros e as constatações: uma crítica ao artigo de Fernando Haddad

por Ricardo Carlos Gaspar

O longo artigo que o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, publicou na revista Piauí n. 129, sob o titulo Vivi na pele o que aprendi nos livros, de 03.06.2017, merece ser lido e comentado, pois suscita diversas questões.

Em primeiro lugar, pois Haddad figura entre as novas e promissoras – infelizmente escassas – lideranças do país. Sua postura pública tem se pautado pela seriedade, consistência e compromisso democrático.

Em segundo lugar, pelo fato de Haddad ter muito a dizer sobre o presente e o futuro da nação, embora não ocupe o espaço que sua estatura política e intelectual lhe destina, deixando de verbalizar suas convicções com a força e a frequência que seria de esperar em face dos acontecimentos nacionais e das manobras golpistas recentes. Desse modo, é ainda pequena sua contribuição para elevar o nível rasteiro do debate estratégico no Brasil de hoje.

O artigo padece de problemas de forma e estilo, mesclando muitos temas e tornando algo indigesta sua leitura, mas possui densidade teórica e política, estando à altura da capacidade de seu autor.

Haddad discorre sobre problemas relevantes, que mereciam desenvolvimentos específicos para serem mais bem elucidados. Trata com propriedade do patrimonialismo brasileiro (recomendo ao ex-prefeito incorporar em sua análise os trabalhos de Jessé Souza, que investe de forma contundente contra essa concepção arraigada nos intérpretes da historia brasileira), argumenta citando Marx, Habermas e Luhmann, elucida manobras de bastidores e aborda lucidamente a manipulação tendenciosa dos fatos pela grande mídia brasileira.  

Contudo o objeto das presentes considerações é sobre o assunto principal do artigo, ou seja, seu período no comando da prefeitura da cidade de São Paulo. E aqui os comentários não são tão lisonjeiros à atuação de Haddad.

São Paulo tem vivido a experiência de gestões municipais bastante heterogêneas. Depois do desastre das administrações Maluf-Pitta, o mandato de Marta Suplicy entre 2001-2004 deixou um legado muito significativo de realizações, em boa parte descontinuadas no governo seguinte, de Serra-Kassab. Assim que, quando assume Haddad, em janeiro de 2013, a expectativa de renovação e mudança afigurava-se consistente com a biografia do prefeito.

Porem, indo direto ao ponto, afirmo que sua gestão frustrou expectativas. Ressalvando alguns avanços internos importantes, mas de peso político externo diminuto, como a luta contra a corrupção e o saneamento das contas públicas, a formulação do novo Plano Diretor Estratégico (cuja relevância não pode ser desprezada, porem tampouco supervalorizada, pois planos não têm o condão de se sobrepor a realidade), além de uma postura republicana de diálogo e prioridade ao espaço público, pouco mais se pode acrescentar.

O que é decepcionante, não apenas pelo que uma cidade do porte e do significado de São Paulo requer. Penso em ações ousadas estruturantes, de articulações criativas entre o público e o privado, de uso intenso da tecnologia digital na gestão urbana, de reformas administrativas que melhorassem a eficiência da administração e elevassem a moral dos servidores, de parcerias estratégicas para a construção de um futuro mais humano e inclusivo para a cidade, da necessária concertação metropolitana, para mencionar as mais importantes. Vale lembrar que governos anteriores do PT na cidade deixaram marcas duradouras.

Faltou, sobretudo, ação política. Presença nas periferias, interlocução inteligente com movimentos sociais, engajamento de atores sociais relevantes em projetos concretos de renovação urbana, uma comunicação eficiente com a sociedade. E, embora Haddad tenha razão nas suas queixas em relação ao tratamento que recebeu da imprensa em geral, isso é comum a todas as administrações de esquerda no país. Basta recordar o caso de Leonel Brizola, no Rio de Janeiro. 

Seu secretariado, salvo notáveis exceções, foi de escassa competência política ou operacional.  O viés fisiológico, de direita, prevaleceu. Sua assessoria direta careceu dos atributos capazes de alimentar o núcleo político e administrativo de critérios de decisão qualificada. O desconcerto (até certo ponto natural, mas exagerado pelo grau atingido) ao longo dos protestos de junho de 2013, a omissão e a falta de iniciativa da gestão municipal em face das demandas metropolitanas e da crise hídrica são alguns dos exemplos mais notórios dessa indigência política. Por falta de discernimento e articulação das ações de governo, perdeu-se a oportunidade de superar debilidades na relação com as permissionárias de telefonia celular (a qual exige uma nova legislação, iniciativa do executivo municipal) e do enterramento da fiação elétrica, em que São Paulo acumula um atraso monumental se comparada a outras metrópoles globais. No tocante ao contrato da prefeitura com o governo estadual e a SABESP, de fornecimento de água e esgotamento sanitário na capital, a municipalidade repetiu sua postura passiva, sem definir prioridades ou se equipar tecnicamente para formular planos e politicas na área, ao longo dos três primeiros anos da gestão. Apenas no último ano se logrou reverter em parte o déficit municipal nesse campo estratégico. Aqui e em outros exemplos de carência técnica e politica do staff de governo, não obstante as boas intenções subjacentes, a responsabilidade é do prefeito, que nomeia seu secretariado e sua assessoria imediata.

A derrota eleitoral, da forma como aconteceu no ano passado, não chegou a surpreender. Ainda mais se pensarmos que, como corolário das deficiências apontadas, a construção do programa de governo para sua reeleição foi inconsistente.  O que é uma lástima, sobretudo se pensarmos na perda democrática que a cidade sofreu com a chegada ao executivo municipal de um autêntico “gestor da enganação”, sem plano de governo, um lobista milionário franco-atirador que pesca nas águas turvas da política nacional. Esperemos que Fernando Haddad retome seu protagonismo e sua inteligência em prol de análises e propostas lúcidas para a cidade e o país. As forças progressistas lhe serão reconhecidas.

(*) Professor Doutor do Departamento de Economia da FEA-PUCSP e pesquisador do Observatório das Metrópoles/SP. Foi Assessor Especial da Secretaria do Governo Municipal da Prefeitura de São Paulo entre janeiro/2013 e dezembro/2016.

 

Redação

8 Comentários

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  1. a….

    Infelizmente o PT mostrou e mostra a cada dia que é um partido construído sobre a história de um homem. Um home comum, um Presidente comum. Contrariando sua própia ideologia ainda quer construir um mito. O restante do partido não passou da linha da mediocridade. E isto se tornou uma marca forte a partir da capítal paulista. A decepção a partir da metropole com Erundia, Marta, Haddad se espalha por todo o pais. Um partido fadado a morrer na morte de um homem só. 

    1. Ainda que concorde que a

      Ainda que concorde que a admnistração Haddad não tenha sido um primor em matéria de admnistração pública penso que o doutor exagera quando afirma que o PT é um partido “de um homem só” ou que o “restante do partido não passou da linha da mediocridade”. Muitas experiências em prefeituras petistas em matéria de políticas públicas são lembradas com referências no Brasil e mesmo fora dele, me refiro aqui, por exemplo, à experiência gaucha do orçamento participativo, ou as politicas de saúde públicas adotadas por Capistrano em Santos, ou ainda as lutas do prefeito Toninho (que inclusive lhe custaram a vida) em torno da questão urbana e do transporte em Campinas. Acredito que outras prefeituras tenham tido a mesma sorte. Além do mais, a contribuição dos outros partidos essas sim foram reponsáveis por levar o caos a maior parte dos grandes municípios brasileiros e não vejo ninguém prever o fim desses partidos. Poucos partidos suportariam e conseguiriam manter militantes e simpatizantes como o PT consegue. O PT é ainda o maior desafio e a maior ameaça que nossos podres poderes tiveram que enfrentar.

  2. Haddad

    Li o artigo de Haddad, na Revista Piauí, e não o achei indigesto ao contrário muito interessante. ele fala sobre os diversos problemas que teve que enfrentar na prefeitura de São Paulo. O primeiro, foi sua proposta de aumentar o IPTU dos imóveis de acordo com a área em que ele pertencia. Foi um “Deus nos acuda”. Os ricos lutaram contra o projeto e o derrubaram, jamais aceitam pagar nem um centavo a mais em prol de uma cidade mais justa.Mas o que mias me encanta em Haddad e seu humanismo.A forma com que lidou com os dependentes de droga foi exemplar,acho que nenhum psiquiatra ou psicólogo se colocassem contra seu projeto “De braços abertos”.Em comparação com o que estamos vivenciando holje,cujo projeto do presidente Temer poderia se chamar “De braços fechados”já faz dele um grande político.

  3. A dura vida do esquerdopata.

    Não é fácil a vida de quem recebe esse rótulo. Por ser considerado “de esquerda” o sujeito já sai de casa condenado a ser agredido e fracassar diante de qualquer desafio. Porque muros, barreiras e obstáculos monumentais se erguerão no seu caminho, por seus inimigos, e a avaliação crítica de sua conduta será severa e cruel, da parte de seus supostos amigos. Logo de cara o Haddad se dispos a enfrentar logo em 2013 uma luta invencível contra o poder da especulação imobiliária solidamente instalada na cidade que é a vanguarda do atraso do pensamento no país, com a proposta de humanização do Plano Diretor da província atucanada. Depois de uma luta encarniçada na Camara para aprovar o projeto, foi atropelado por uma liminar do TJSP, concedida em favor de ação movida pelo empresário representante dos sonegadores seguidores dos Patos amarelos. A liminar completamente ilegal, porque atropelava a independencia e legitimidade do Poder Executivo e Legislativo para deliberar e definir regras sobre a matéria, foi prontamente confirmada pelo psicopata de plantão no STF, Joaquim Barbosa. Não foram ouvidos grandes protestos dos esquerdopatas contra essa intervenção criminosa nas atribuições e competencias do mandatário eleito e empossado naquele ano. Chegou a receber ameaças diretas do mega especulador e latifundiário urbano João Saad. Não se sabe também de grandes movimentos de solidariedade ao prefeito coagido, nesse episódio. Os meninos do finado MPL botaram um movimento nas ruas, com uma ajudinha das agencias de inteligencia estrangeiras, que movimentou milhões de pessoas, carinhosamente chamado pela mídia comercial de “jornadas de junho”, que poderiam ser rotulados mais adequadamente de manadas de junho, pela suposta horizontalidade, suposto apartidarismo, pelo repúdio a “política” e, principalmente, pela extraordinária diversidade de pautas habilidosamente construídas pela mídia partidária. Nesse caso houve notável adesão dos supostos amigos das causas progressistas.

    Os principais canais de comunicação privada, todos eles, em mutirão, montaram forças tarefas de reporqueiros para vigiar, criticar e denunciar tudo e toda a ação ou movimentação do Prefeito e qualquer coisa ruím que a ele pudesse ser associada. Se não havia nada de ruím, era preciso inventar algo de ruím para colar no Haddad. Até ciclovia e corredores de onibus, festejados no mundo inteiro como símbolo de progresso nas metrópoles onde são instalados, foram diaria e duramente bombardeados, 24 hora por dia, pela imprensa partidária. Não se sabe de nenhuma movimentação de resistencia contra essa campanha de difamação sobre esses temas, por parte dos supostos amigos do pensamento progressista. Mas, para falar mau do infeliz competente administrador, não faltam amigos que se habilitem. Depois se mostram surpresos quando as quadrihas controladas pelos banqueiros agiotas avançam e derrubam o governo democraticamente eleito e destroem todas as pautas de propostas progressistas e as conquistas que tantos outros guerreiros do passado e do presente deram o sangue e a vida para alcançar. Com amigos assim, o esquerdopara não necessita de inimigos, embora os tenha aos milhares, organizados, abastados e gererosa e ricamente financiados pelos operadores nacionais e estrangeiros.

  4. Análise pertinente

    Finalmente uma boa análise da gestão Haddad. Acentua os seus méritos (muitos), o seu idealismo e aponta as suas falhas. Uma delas, creio que lhe foi fatal: a submissão ao fisiologismo. O PT também é fisiológico e , como exmeplo, lembro que não deveria ter empurrado (e Haddad não deveria ter aceito) Eduardo Suplicy para a secretaria de Direitos Humanos. Quem estava a frente era muito competente,sem o lado midático que existe no velho ex-senador pouco produtivo. Outra escolha infeliz: a de John Neschling para o teatro Municipal. O regente já tinha aprontado na OSESP onde era nada estimado: É verdade que o próprio Haddad apontou as mazelas da administração do teatro. O artigo pecou por não lembrar o grande equívoco que foi a ciclovias. Não a idéia, mas a gestão,  a excução atabalhoada (desnecessárias em várias ruas) em por parte da secretaria de TRansportes que, também, não cuidou da CET como deveria

    1. Acrescento outra coisa que

      Acrescento outra coisa que nunca entendi, Alfredo = Haddad pôr de vice Chalita, secretário da educação que não fez nada de excepcional pra ajudar a ter votos e que, pior, todos sabem que é ligado a Alkimin. Portanto, Haddad vencendo, provavelmente Chalita seria por dois e meio prefeito  se Haddad saísse pra governo em 18 (chance imensa, pois não há praticamente nomes no PT em SP pra tal disputa ) ou se ele fosse caçado pela justiça eleitoral – a única serventia dessa justiça. E aí do outro lado, o Dória tem como vice um tucano, pra evitar do partido perder a prefeitura caso o botoxman vá disputar governou ou presidência. 

  5. Vou analisar Haddad pelo que

    Vou analisar Haddad pelo que fez na minha região. Na campanha, prometeu o tão esperado hospital ( o mais próximo fica a quase 30 km de distância). E não cumpriu a promessa – faltando 20 por cento pra terminá-lo.  Me pergunto que raio de administrador é esse que não tenta arranjar uma verba pra terminar um hospital na sua fase final – fazendo isso seja pra evitar que a demora de concluí-lo o encareça ou, pior, vire um elefante branco, seja para evitar que o próximo prefeito conclua o pouco que falta e leve a fama. Se tivesse concluído o hospital, teria uma base de apoio pras futuras eleições. Mas não = preferiu  entregar pro Dória um orçamento não estourado – que é claro que o BotoxMan já disse que é mentira. Haddad pode alegar que não tinha dinheiro e eu diria = “Se vira, faz um cheque sem fundo e consegue um empréstimo nesses bancos mundias da vida, faz alguma coisa” .Fora o tempo perdido indo em covis como o da Jovem Pan e Bandeirantes, bater boca com Marco Antonio Villa  e Zé Paulo ‘Dona Marta’ de Andrade.Aposto um chocolate quente que  não ganhou um voto indo nessa mídia que sempre foi contra ele.Ele falou que o dono da Bandeirantes, um Saad, telefonou pra ele e disse que ia ferrar ele por querer aumentar iptu. Então por que ele não fez um esquema de gravar uma chamada dessa e depois foder com esse fdp? Não, não, e não. Enquanto seus adversários usavam o Principe de Maquiável, Haddad usava o principe de Experry (rs). Quando mudar de leitura, ele pode ter algum futuro na política – até porque é um dos poucos nomes do PT que podem ter algum futuro político em SP. 

    PS = outra coisa incrível. O vice que ele escolheu é Chalita, que as pedras sabem que é ligado unha e carne a Alkimin. Ou seja, Haddad vencendo, a chance de termos Chalita (um embusteiro dos bons, pois engana até o Nassif, achando que ele é um político de ideias diferentes. ) era imensa, seja por Haddad tentar o governo do estado em 18, seja por Haddad ser mais um do PT tirado numa decisão da nossa justiça eleitoral. Alguns podem dizer, mas ele é honesto. E creio que Haddad o seja, mas Dilma é prova de que isso não vale nada pra justiça eleitoral. 

    Só pra comparar, Dória escolheu alguém do próprio partido, o PSDB, pra que o poder continuasse com o partido mesmo que esse fdp vá disputar governou ou presidência. 

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