Amazon or not Amazon, that is the question, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Jornalistas e ativistas querem que a Conferência da Mudança Climática programe a salvação do mundo, como se isso fosse realmente possível. O espaço em que a diplomacia opera não é o mesmo que existia há 40 anos.

Amazon or not Amazon, that is the question

por Fábio de Oliveira Ribeiro

A Conferência da Mudança Climática já começou a colonizar a internet. Na data de hoje, o Google fornece 658 milhões de resultados para a expressão “COP 26”. A redução da fome é um fenômeno mais importante, mas para esse assunto o website de buscas fornece apenas 22,1 milhões de resultados.

Real e virtual já são coisas praticamente indissociáveis. Assim como os líderes fascistas podem chamar notícias de Fake News, as próprias Fake News adquiriram a capacidade de modelar a realidade. Milhões de pessoas se recusam a tomar vacina porque acreditam em Fake News. Presidentes podem ser eleitos e depostos se os algorítimos das redes sociais impulsionarem esta ou aquela informação, seja ela verdadeira ou falsa.

Em 1995, Bill Gates afirmou que:

“O software permite que o hardware desempenhe uma porção de funções, mas, uma vez escrito o programa, ele continua sempre o mesmo. O softer sotfware vai parecer cada vez mais inteligente, à medida que você o usa. Ele vai aprender quais são as suas necessidades, de maneira praticamente igual a um assistente humano, e, como este, vai se tornar mais eficiente à medida que aprender sobre você e seu trabalho.” (A estrada do futuro, Bill Gates, Companhia das Letras, São Paulo, 1995, p. 111/112)

Quando li a obra fiz uma anotação à margem do fragmento acima transcrito que me parece muito atual.

“Esse tipo de proposição me faz lembrar um conto magnífico de Isaac Asimov chamado ‘MultiVac’, em que todas as necessidades humanas são satisfeitas por um programa de computador. Insatisfeito,  um dos personagens descobre uma maneira de destruir o programa e devolver às pessoas a liberdade que lhes havia sido subtraída pelo programa, sugerindo que ser livre não é ter tudo, mas assumir riscos, amargara derrotas, saborear vitórias, viver, enfim.”

Essa anotação feita às pressas sem consultar a obra do escritor contém uma imprecisão. No conto “All the Troubles of the World”, vagamente mencionado por mim, as coisas ocorrem de maneira diferente. O computador cria e reforça a suspeita de que alguém cometerá um crime para obrigar o filho do acusado a danificá-lo. Na verdade é o próprio MultiVac que, tendo se tornando tão complexo e poderoso, deseja sofrer danos irreparáveis. Questionado pelo programador, o computador admite que quer morrer. Não porque pretende devolver a liberdade aos ser humanos e sim porque precisa se libertar de sua tarefa.

Apesar das esperanças que alimenta, a COP 26 é uma espécie de rotina no MultiVac que comanda tudo e todos em todos os lugares. Jornalistas e ativistas querem que a  Conferência da Mudança Climática programe a salvação do mundo, como se isso fosse realmente possível. O espaço em que a diplomacia opera não é o mesmo que existia há 40 anos. A hegemonia do neoliberalismo esvaziou o poder das instituições políticas. A margem de manobra dos Estados é pequeno e os políticos fazem apenas o que é necessário para manter os negócios como de costume.

Adolescentes verdes, veganos e virulentos aproveitam a oportunidade para fazer turismo em Glasgow. Quem não gostaria de fazer isso? A presença de índios no evento é aplaudida como uma mudança de paradigma. Todavia, o mais provável é que os representantes indígenas sejam apenas atrações indispensáveis numa encenação diplomática que não decidirá nada ou cujas decisões serão simplesmente ignoradas pelos próprios participantes.

Como o MultiVac o mundo também está cansado. O otimismo retórico de Bill Gates ou o irônico pessimismo literário de Isaac Asimov se tornaram irrelevantes. Nenhum programa de computador será capaz de fazer aquilo que já não pode ser feito pela própria humanidade.

O símbolo mais perfeito da situação em que nós nos encontramos é o cartaz que ilustra a presente. À medida que a última floresta brasileira vai sendo destruída e diminui de tamanho, o portal de compras norte-americano cresceu e se tornou um fenômeno planetário. Uma verdadeira revolução está sendo concluída e até mesmo os defensores da natureza já associam o nome Amazon mais ao portal de compras do que à própria floresta.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Fábio de Oliveira Ribeiro

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  1. “We can’t buy a new planet from Amazon”, diz a plaquinha.
    100% absolutamente certo.
    Desconfio eu, no entanto, que, em breve, somente será possível comprar alguma coisa na Amazon.
    Quem, é claro, ainda tiver um salário para receber.
    Real e Virtual já são praticamente indissociáveis, diz o Fábio.
    Sem dúvida. Eu diria que, em pouco tempo, o Virtual será o novo Real. Quem nele tiver trânsito, seguirá inserido na sociedade, de uma forma ou de outra. Quem não tiver…
    Alguém dirá: Mas, e o Ideal?
    Ora, o Ideal…certo perdeste o senso, e eu vos direi, no entanto: enquanto houver espaço, tempo, corpo e algum modo de dizer não…
    O espaço agora é virtual, o tempo também, e o corpo, diria o Asimov, agora também já terá suas necessidades satisfeitas virtualmente.
    E o modo de dizer não é não comprar, não fazer parte desse esgoto de indigência mental chamado Redes Sociais.
    Vai chegar o tempo em que não será necessário acordar para viver um dia feliz. O Universo Virtual nos proverá de todas as sensações necessárias para tanto, durante o sono. Uma anestesia permanente. Boa idéia para um filme distópico.
    Só as Amazon da vida existirão, e isso é tudo que haverá para vender, e isso é tudo que haverá para comprar.
    Fico me indagando o que o Jeff Bezos fará com o dinheiro que tem, e com o que ganhará, se todos estiverem dormindo e não houver mais o que fazer com dinheiro.
    Ah, claro! Estará viajando pelo espaço.
    E aproveitando para ser CEO de alguma Amazon interplanetária.

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