Candidato das minorias, por Cristiane Alves

Candidato das minorias

por Cristiane Alves

Quando analiso as conjunturas vejo o desespero dos emergentes. Esses que nas décadas de oitenta e noventa não tinham nada. Provavelmente filhos ou netos de imigrantes, esses que vieram analfabetos, ou semi analfabetos de seus países de origem, empurrados pelo desemprego estrutural. Lá a automação e as altas tecnologias aliadas ao liberalismo, nada afeito a afetos, não olhou se o homem tinha filhos e netos, se a mulher era só.

Então os descendentes de imigrantes recentes, não os que vieram no século XIX, mas esses também, nascem e crescem em solo outro. Seus pais se esforçam, a mãe é braçal, o pai também, mas tem vantagem de ser estrangeiro, aqui visto como pedigree. Se esmeram para que os filhos, sobretudo os mais jovens, estudem e quebrem o ciclo de pobreza.

Os tempos são difíceis, inflação, recessão, desemprego, mortandade e a lista de todas misérias coletivas e pessoais só aumenta.

A salvação é o estudo. O indivíduo se esforça, se forma engenheiro, advogado, médico. O orgulho da família. Mas a solução é ser lixeiro, aqui ou fora do pais.

Não tem preguiça, aprendeu com os pais, faz o que tiver que fazer.

Aprende a viver onde e como for preciso.

Lá de fora manda recursos para a família que, na crise compra barato o que os daqui não conseguem manter. Impostos sonegados, muitas vezes, prosperam em época de perdas.

Então muda-se a conjuntura, o governo passa a ter visão humanista. Quer aumentar a riqueza e distribuir. O engenheiro (gari) volta ao pais, agora tendo uma empresa de construção. Olha os empregados ascendendo numa velocidade maior que a sua. Pensa que logo não será melhor que ninguém. Acha tudo muito injusto. Todos prosperam, mas não é o que quer.

Vai para a rua exigir desigualdade. Quer cada um no seu lugar (lembra que é descendente de imigrantes), elite até no sobrenome. Não sabe que de onde ascendeu seu sobrenome complicado não é melhor que Silva aqui (aliás, até sabe, mas finge nobreza).

Com pompas e grandeza se expressa mal, sabe pouco da história do país (porque nunca se achou daqui), se identifica com a origem familiar mesmo nunca estando lá. Nem poderia, os pais têm dívidas por lá, a justiça lá não perdoa.

Protesta pelo fim das ações sociais. Não vê que com elas se beneficia, que seus negócios andam. Não vê que todos ganham. Não quer que todos ganhem. O engenheiro quer mostrar na tevê que fala inglês, que morou fora, que é empresário. Fala afetado sobre honestidade política que nunca praticou, sobre merecimento.

Na verdade ele só quer mesmo expor todo ódio por sua origem miserável, quer odiar o preto por necessitar de alguém pior, preto foi escravo é menos gente, esquece que lá na história seus descendentes foram escravos também.

Escravidão de branco é diferente, branco não merece (até chora), daí pensa que nem é verdade, que História é coisa de comunista, e comunista é o mesmo que nazista.

Ele odeia nazistas, só que se identifica com o candidato que odeia. O candidato não tem preconceito, odeia todos igualmente. Odeia pobres, odeia negros, odeia gays, odeia educação, odeia o desenho do território nacional, odeia mulheres, odeia direitos. Odeia a democracia mais que tudo. Quer a volta da tortura. Mas prega o ódio livre. Na boca do candidato todos devem ser livres para odiar, ama o ódio como a mãe ao seu filho.

O engenheiro morre de medo de pretos que parecem pretos, quer os mais clarinhos por perto. Os clarinhos querem ficar perto, então odeiam os muito pretos. O muito preto quer furar a bolha, apoia o candidato porque pretos são vitimistas. Ganha apreço do engenheiro, mas não pode cuidar do dinheiro, não pode ter cabelo duro, não pode levar a família nas festas da empresa.

O mesmo com a moça da recepção que divide o balcão com o rapaz que ganha mais. Não reclama, nasceu diferente, aceita. Aceita apanhar do namorado quando não entende o que ele quer, é ele que paga as contas, compra os sapatos bonitos que as primas feias não podem comprar. As primas são feministas. Onde já se viu?

O candidato fala em Cristo, no evangelho, ninguém ouve, interessante é o ódio. Ninguém quer ver que ele é horrível, ele é branco, é sulista, tem pedigree, é hétero e vai armar todo mundo.

Armados o engenheiro, o clarinho, o muito preto, a mocinha da recepção, o namorado todos rascunham suas desculpas para o tiro acidental no bandido violento cuja arma é a cor da sua pele e a marmita na bolsa.

O candidato das minorias quer garantir que minorias nunca sumam. Só porque é justo. Só porque Deus é amor.

 

Cristiane Alves

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