Carta aberta a Antonio Barra Torres, por Aracy Balbani

Desejo com sinceridade que triunfe logo o lado luminoso das ciências da saúde no país. Um lado centrado na vida, em especial a humana.

Agência Brasil

Carta aberta a Antonio Barra Torres, por Aracy Balbani

Doutor Antonio Barra Torres
Diretor-Presidente da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)

Prezado Colega

Parabenizo Vossa Senhoria pelo currículo profissional na área médica, apresentado na página da Anvisa com informações da Diretoria de Saúde da Marinha. Desejo que todas as brasileiras e todos os brasileiros conheçam a trajetória do profissional Antonio Barra Torres [1].

No currículo de Vossa Senhoria constam ainda: a indicação ao Senado Federal para ser sabatinado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) através da Mensagem do Presidente da República n º 33 de 2019 para o Cargo de Diretor da Anvisa; a aprovação por unanimidade (19 x 0) na sabatina da CAS, e a aprovação por maioria (61 x 3) em Sessão Plenária do Senado Federal para o cargo em 10/07/2019.

Tenho acompanhado o noticiário de fatos envolvendo os governos e a Anvisa nessa questão.

Segundo o Portal G1, no depoimento à CPI da Pandemia no Senado Federal em 11 de maio de 2021 o colega externou arrependimento por ter participado de aglomeração sem máscara com o Presidente Jair Bolsonaro em Brasília em março de 2020 [2].

De acordo com a Agência Senado, nesse mesmo depoimento Vossa Senhoria confirmou a informação dada à CPI por outro colega, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, de que foi sugerida alteração da bula da cloroquina para indicá-la no tratamento da COVID-19 [3]

A Agência Brasil, assim como muitos órgãos de imprensa, acaba de divulgar nota de Vossa Senhoria rebatendo declaração recentíssima do Presidente Jair Bolsonaro, na qual o mandatário insinuou supostos interesses inconfessáveis da Anvisa na atividade regulatória da vacinação de crianças contra o novo coronavírus. Na nota, o colega exige ou a tomada das medidas cabíveis para apuração ou a retratação pública do mandatário.

Respeitosamente, sugiro ao colega e a todos os concidadãos analisar a repercussão desses e de outros fatos da pandemia de COVID-19 no Brasil à luz de ensinamentos do sociólogo Gabriel Cohn, Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e Pesquisador Emérito do CNPq. Uma amostra do pensamento do Professor Cohn pode ser encontrada na entrevista a Glenda Mezarobba, publicada na edição de dezembro de 2021 da Revista Pesquisa FAPESP (“Racionalidade e justiça como bússola”), disponível na Internet.

Cohn afirma: “É preciso considerar um lema fundamental: quanto mais bruta a sociedade, mais fina tem de ser a sua análise”; “O que me atormenta é como nosso lado sombrio e nosso lado luminoso estão tão associados, tão impregnados entre si”.

Refinar a compreensão do que se passa no Brasil requer ponderar por que militares de alta patente com boa formação acadêmica, a despeito do funcionamento dos serviços de inteligência das Forças Armadas, não lograram antecipar o desastre que o lado sombrio de Jair Bolsonaro poderia provocar na vida de 214 milhões de pessoas. Uma catástrofe sem precedentes, que ultrapassou 620.000 óbitos por COVID-19 e é capaz de fazer até a Anvisa naufragar no Lago Paranoá.

Fico indignada quando, na falta de argumentos racionais e justos, tentam distorcer os fatos, macular a imagem de pessoas íntegras e disseminar fofocas preconceituosas para desqualificar profissionais éticos.

Por mim, não se teriam passado nem duas horas entre alguém levantar qualquer suspeita sobre minha honestidade, ou a de meus subordinados técnicos, e eu cobrar com veemência ou a apresentação de provas ou a retratação imediata do acusador. Eu jamais esperaria dias para rebater, e não reagiria docilmente. Seria ágil, clara e contundente. Porém, toda reação reflete a personalidade da gente.

Desejo com sinceridade que triunfe logo o lado luminoso das ciências da saúde no país. Um lado centrado na vida, em especial a humana. Comprometido com a ciência, com “(…) servir os ricos e os pobres, os bons e os perversos, amigos e inimigos, e que jamais enxergue num paciente algo além de um irmão que sofre”. Um lado cuja política profissional não seja nenhuma outra que não a ética, e que tenha como partido apenas o Estado Democrático de Direito. Reconheço que é preciso muito destemor para marcar posição neste lado. Mas é o mínimo que a sociedade decente espera.

Aproveito a oportunidade e, por intermédio do colega, congratulo as equipes do Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo e da Escola Politécnica da USP pelo desenvolvimento, fabricação e distribuição de ventiladores mecânicos para pacientes com COVID-19 desde julho de 2020 [5]. Gratidão e admiração a esses profissionais.

Saudações respeitosas.

Aracy Pereira Silveira Balbani, médica otorrinolaringologista (CRM-SP 81725, RQE 20933), atuando sem interrupções desde o início da pandemia de COVID-19 como médica na área assistencial do SUS, moradora da Região Metropolitana de Sorocaba (SP), bem próximo ao Centro Experimental Aramar (Centro participante da execução do Programa Nuclear da Marinha do Brasil).

1. https://www.gov.br/anvisa/pt-br/composicao/diretor-presidente/antonio-barra-torres

2. ‘Se pensasse mais 5 minutos não teria feito’, diz Barra Torres sobre aparição em ato com Bolsonaro.

https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/05/11/se-pensasse-mais-5-minutos-nao-teria-feito-diz-barra-torres-sobre-aparicao-ao-lado-de-bolsonaro-em-manifestacao.ghtml.

3. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/05/11/barra-torres-confirma-ter-havido-sugestao-de-mudar-bula-da-cloroquina

4. Barra Torres rebate declarações de presidente sobre vacinação infantil.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2022-01/barra-torres-rebate-declaracoes-de-presidente-sobre-vacinacao-infantil

5. Respiradores fabricados pela Marinha e USP beneficiam pacientes de Manaus (AM).

https://www.gov.br/pt-br/noticias/saude-e-vigilancia-sanitaria/2021/02/respiradores-fabricados-pela-marinha-e-usp-beneficiam-pacientes-de-manaus-am

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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