Carta aberta à minha mãe, por Mestre Yoda

Carta aberta à minha mãe, por Mestre Yoda

Escolhi escrever, ao invés de ligar, não por desapreço, mas para evitar desgastes emocionais desnecessários, já que a ruptura que anuncio nesta carta, se faz em caráter irrevogável, embora não necessariamente definitivo. Obviamente já sabes o motivo desta ruptura, mas vale lembrar que a atitude irresponsável que culminou com ela partiu de você, ao escolheres um presidente e, mais do que isso, um grupo político que colocará em risco a minha vida, a de seus netos e a de muitos amigos. Aliás, inclusive a sua própria.

Mais do que decepcionado, na segunda passada, tive muita raiva do eleitorado brasileiro que escolheu Bolsonaro. Soube que um amigo muito querido, um cristão de verdade, que só tem amor no coração – que não tem preconceitos e nem julga LGBTs, não faz “piadinhas” racistas, nem deseja a morte de ninguém, como o seu presidente – foi atacado por covardes bolsominions logo após a eleição, por ter, em seu violão, um adesivo do Haddad. Neste e em tantos outros casos de violência, você e todos os eleitores do Bolsonaro, tem as mãos sujas do sangue do rapaz, vocês, com seu voto, autorizaram a barbárie que se espalha pelo país e mata pessoas com as bênçãos de Deus.

Bem-aventurados os Defensores da Paz, porque serão chamados filhos de Deus! Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus! Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de Mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós.

Neste Brasil cão que, em grande medida, foram os cristãos que construíram, já que são maioria, é fundamental uma leitura adequada da Bíblia, leitura como a que faria o saudoso Pastor Caio Fábio, que deve estar se revirando no túmulo e morrendo de vergonha de você e destes novos e demoníacos pastores, que idolatram um homem que disse que o erro da ditadura foi torturar e não matar. Se ainda não sabe, Bolsonaro estava se referindo, por exemplo, ao pai biológico de nosso amigo Juca, morto pelos militares, também à apresentadora Miriam Leitão, da Rede Globo, torturada por eles, ao jornalista Vladimir Herzog, “suicidado” numa prisão militar e a outras milhares de pessoas, muitas das quais foram torturadas e mortas sem qualquer engajamento político, por engano de identificação dos facínoras. Para saber isso, basta pesquisar.

Pesquisar, aliás, é papel de professor que tenho cumprido com afinco. É um paradoxo que você expresse orgulho de minha profissão, da conquista do doutorado, etc. e, ao mesmo tempo, tenha apoiado nosso maior inimigo, aquele que quer fazer dos professores os vilões do Brasil, nos ofende, nos desqualifica e, apesar disso, é apoiado pela mãe de um professor. Qual a lógica disso?

E tem mais, quando Bolsonaro disse que iria “varrer os bandidos vermelhos”, você sabe muito bem que era a pessoas como eu que ele estava se referindo. Sabes bem que eu não sou bandido e que essa fala é preconceituosa, que trabalho desde os 18 anos de idade, que contribuo para o sustento de todos os meus dependentes, inclusive, com o seu sustento, aliás, há décadas, por um período de tempo que é inclusive, muito maior do que aquele em que precisei ser cuidado e sustentado por você e pelo meu pai.

Guardai-vos dos falsos profetas. Eles vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos arrebatadores. Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinhos e figos dos abrolhos? Toda árvore boa dá bons frutos; toda árvore má dá maus frutos. Uma árvore boa não pode dar maus frutos; nem uma árvore má, bons frutos. Toda árvore que não der bons frutos será cortada e lançada ao fogo. Pelos seus fruto os conhecereis.

Depois de décadas votando em Paulo Maluf, o candidato da ditadura militar, nas eleições indiretas de 1984 e, atualmente, um dos apoiadores do Bolsonaro, você se junta novamente a essa gente hipócrita que alardeia ser “contra a corrupção” e, por tudo isso te digo, com toda a sinceridade, estou decepcionado contigo como nunca estive em minha vida.

Então que cada um que fez sua escolha arque com as conseqüências dela. Gostaria, fraternalmente, de te dissuadir de me telefonar, mas de todo modo, não pretendo atender ligações suas. Acredite, estou medindo as palavras, para não te magoar. Estou transtornado e não quero falar com você, ao menos até que compreenda o tamanho da bobagem que fizeste e torço que isso não aconteça de modo trágico. Daqui em diante, cada um segue seu caminho, como orientou Jesus a seus discípulos, séculos atrás:

Quem é minha, e quem são meus irmãos? — E olhando para os que estavam sentados à roda de si: Eis aqui, lhes disse, minha mãe e  meus irmãos. Porque o que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, e minha irmã e minha mãe. (Marcos, III: 20-21 e 31-35 – Mateus, XII: 46-50).

Torço para que a viseira do fanatismo, a “trave” que, momentaneamente, tens nos olhos, seja substituída pelo verdadeiro amor, que dispensaste a nós em grande parte de nossa existência, que consigas compreender que a vida de seus filhos é mais importante do que o ódio que brota do púlpito de falsos profetas, dos R. R. Soares, Malafaias e Macedos da vida, é o que te desejo.

Com amor,

Welton

Redação

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  1. Carta aberta a todos que foram prevenidos

    Efetivamente, nada mais doloroso que ver as pessoas que amamos se mostrando pequenas, facilmente manipulaveis. Teremos muitos acertos de contas nos anos que virão e nos nunca mais seremos os mesmos. 

    1. Certamente. É uma decepção
      Certamente. É uma decepção que não passará. Daqui a pouco viveremos os desdobramentos disso, os acertos de contas

    1. Perfeito. Está totalmente em

      Perfeito. Está totalmente em sintonia com os últimos acontecimentos na EU, USA e Brasil. Não há o que se discutir. Gostaria só que tivesse sido abordada a contribuição do governo americano – do departamento de defesa – nas eleições brasileiras. Porque creio que o planejamento foi executado fora do Brasil e a parte do Bannon é só o final.

  2. Protejam quem puder ser protegido, mas não esqueçam as crianças

    Já faz algum tempo que um assunto tem me enrolado o estômago de modo que eu venho pensando e repensando sobre ele sem fim. Decidi escrever porque minha intuição, meu sexto sentido, meu dever de mãe me fazem dar minha contribuição em dois fatos: Primeiro, eu não acompanhava a Manuela do PC do B como fiz durante a campanha. Sabia do início jovem dela na política, mas não conhecia seu trajeto ao longo desses vinte e poucos anos. Foi com satisfação que eu constatei que ela tem sido muito efetiva na defesa das mulheres e dos direitos humanos dentre outras causas. À medida que ia acompanhando as redes sociais, ficou claro que a Manuela tem um contingente enorme de pessoas que a admiram e se identificam com as pautas que ela defende e entendem o seu valor como personalidade política. Isso gera um sentimento de acolhimento muito importante nesse momento turbulento e foi/é um porto seguro para aqueles que acreditam numa sociedade onde a justiça social não é somente letra constitucional, mas é um projeto maior da nação e do povo, mesmo que esse povo nunca tenha lido a constituição, nem saiba o que é justiça social. Também percebi um número de pessoas que se manifestam de forma agressiva, desafiadora, desrespeitosa e, muitas vezes, fora da ética e da moralidade a ponto de avançarem o sinal naquilo que chamamos de urbanidade. Mesmo que a pessoa não goste, não concorde, se oponha, ainda deve respeitar o limite até aonde ela pode ir, pois não somos detentores de poder absoluto, não somos autoritários na nossa conduta. Somos seres sociais, indivíduos dependentes uns dos outros num convívio de democracia pacífica. Se isso não estiver claro, devemos reforçar o tempo todo, pois a selvageria não pode se impor sobre nossos valores humanitários. E, é nesse ponto que meu desconforto me obrigou a escrever. Toda a vez que a Manuela posta coisas sobre sua vida, em especial sobre sua filha – a Laura – algumas pessoas se manifestam de maneira inadequada. Como alguém, detentor de valores humanitários, em uma foto de uma criança se manifesta de maneira odiosa, rancorosa, vil? Como alguém que tem ética, moral, civilidade, humanidade pode, diante de uma criança, destilar ódio? Se um ser humano não souber respeitar a uma criança, dele se pode esperar o quê? Como será ele sendo um profissional, um(a) pai/mãe, um(a) colega, um parceiro(a), um amigo(a)? Que tipo de pessoa, diante de uma criança, se comporta com tamanha violência? Somos uma sociedade desigual em muitos aspectos e temos um trabalho árduo pela frente para elevar a nação e o povo a uma condição de dignidade social e desenvolvimento que cremos que merecemos. Não há caminho fácil, não há partido salvador, não há super-herói, nem há povo idiota. Temos que acordar para o que nos entregam para aquilo que estão nos alimentando. Há uma história antiga sobre isso:

    “Uma noite, um velho índio falou ao seu neto sobre o combate que acontece dentro das pessoas.

    Ele disse:

    – A batalha é entre os dois lobos que vivem dentro de todos nós. Um é Mau. É a raiva, inveja, ciúme, tristeza, desgosto, cobiça, arrogância, pena de si mesmo, culpa, ressentimento, inferioridade, mentiras, orgulho falso, superioridade e ego.

    O outro é Bom. É alegria, fraternidade, paz, esperança, serenidade, humildade, benevolência, empatia, generosidade, verdade, compaixão e fé.

    O neto pensou nessa luta e perguntou ao avô:

    – Qual lobo vence?

    O velho índio respondeu:

    – Aquele que você alimenta!”

    Somado a esse caso, ocorreu o caso da menina com Síndrome de Down no RS em cuja mochila a mãe encontrou um bilhete desrespeitoso, racista, homofóbico, cruel e desumano. A manifestação contra uma criança inocente, pura, indefesa não pode, sob nenhuma hipótese, avançar para o lado mal. Meu maior medo como mãe sempre foi a violência que meus filhos possam sofrer, visto que eu os criei para serem bons. Nenhuma justificativa política deve ser legitimada para alimentar as manifestações de ódio que temos visto ultimamente. Existe, por parte de muitas pessoas, uma falta de controle emocional que as está levando às ações e manifestações impensadas com riscos para os outros e para si. Assim, gostaria de propor que, em todos os casos que envolvam crianças, as pessoas não deixem comentários que fomentem o ódio, a intolerância, a violência sem a devida resposta, mas sempre atuando dentro da lei. Pois, a verdade é que: se nós não servimos para proteger uma criança, não servimos para outras coisas mais.

     

  3. Melhor não ter conhecido

    Grande Mestre Yoda. Sou feliz em te conhecer, conhecer tuas ideias, seus livros, seus escritos, entre eles sua belíssima tese de doutorado, feliz. Mas foi melhor não ter conhecido sua mãe e as ideias dela. Herdamos a genética, epigenética, a herança cultural e a herança da informação (linguagem e comunicação simbólica). Que bom que V. não herdou tudo isso dela. 

    1. Graaande Fernando! Também
      Graaande Fernando! Também tenho muito orgulho de ter te conhecido. O pior é que ambos, pai e mãe, são saudosistas da ditadura militar, superconservadores. Rompi com a tradição, felizmente, como o protagonista do “Abril despedaçado “. Tamo junto nessa resistência!

  4. Me perdoe, mas discordo Família é família, é diferente de amigos

    Tb a minha família é de direita. E acho — acho porque evitei saber — que devem ter votado em Bolsonaro no segundo turno. Mas acho que relaçoes de afeto valem mais do que a concordância política. Há uma “piada do Juquinha” que explica bem essa diferença de família para amigos de que falo. Ei-la: o presidente da Argentina vinha ao Brasil, e foi sorteada uma criança de escola pública para saudá-lo, e logo o Juquinha foi o sorteado; a professora ficou preocupada: Juquinha, Juquinha, o que vc vai dizer? — Nao se preocupe, professora, vou dizer que a Argentina é um país irmao; — Nao precisa de exagerar, basta dizer que é um país amigo; — De jeito nenhum, professora: amigo a gente escolhe… 

    1. Família janta junto todo dia mas quando o bebê fica doente…

      Família

      (Titãs)

       

      Família, família
      Papai, mamãe, titia,
      Família, família
      Almoça junto todo dia,
      Nunca perde essa mania
      Mas quando a filha quer fugir de casa
      Precisa descolar um ganha-pão
      Filha de família se não casa
      Papai, mamãe, não dão nenhum tostão Família,família
      Vovô, vovó, sobrinha
      Família, família
      Janta junto todo dia,
      Nunca perde essa mania
      Mas quando o nenê fica doente
      Procura uma farmácia de plantão
      O choro do nenê é estridente
      Assim não dá pra ver televisão
      Família êh!
      Família áh!

      Família,família
      Cachorro, gato, galinha
      Família, família,
      Vive junto todo dia,
      Nunca perde essa mania
      A mãe morre de medo de barata
      O pai vive com medo de ladrão
      Jogaram inseticida pela casa
      Botaram um cadeado no portão

      1. Amo essa música. É dessa
        Amo essa música. É dessa concepção de família que fujo há tempos. As eleições serviram pra mostrar que, de fato, por trás da ideia de família, escondem-se “os normais”.

  5. Na minha família creio termos
    Na minha família creio termos sido quatro pessoas que evitaram votar no Bolsonaro. Trabalho nos correios e muitos colegas de profissão tambem votaram nele ( entre estes que escolheram a direita nos correios, vários nó cegos, ruim de serviço, lentos, preguiçosos). Sem falar nos inúmeros clientes que chegam a agência comemorando que vamos ser mandados embora, finalmente vai privatizar e etc. Melhor mesmo recordar os ensinamentos de Jesus e nos pacificar pra enfrentar tudo que virá deste governo. Lamento, mas ainda que de tudo errado para o povo brasileiro, acho difícil que alguma lição fique, exemplo disso são os milhões que votaram no Aécio: hoje eles nem se mostram, se escondem, e se o fazem
    manifestam ódio, evitam toda e qualquer mea culpa. Pra finalizar gostaria de citar o nome de um monge budista: Bhante Dharmawara. Trabalhou com J.G.Bennett na Inglaterra. Este monge foi a inspiração para a criação da personagem Mestre Yoda. E tal como Jesus, são bons seus ensinamentos.

    1. Oi, Jeferson. A família da
      Oi, Jeferson. A família da minha mãe é evangélica, então suponho que outros consanguineos votaram no Coiso. Torço para que ele não consiga concretizar nem metade dos absurdos que propôs. De qualquer modo, a eleição dele serviu para mostrar a monstruosidade escondida debaixo dos sorrisinhos falsos de muitos brasileiros, o que tem seu lado vantajoso.

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