Chamas de ideologia, por Maria Lucia Werneck Vianna

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Chamas de ideologia
 
“Uma sequência improvisada de causas e efeitos do incêndio dificilmente permite uma aproximação dos reais problemas da UFRJ” 
 
por Maria Lucia Werneck Vianna
 
O incêndio do Museu Nacional desencadeou inúmeras consequências. Raros e preciosos acervos e coleções foram perdidos, e suas possíveis causas imediatas estão em debate. A vítima foi a culpada? Como o acidente poderia ter sido evitado? Motivos remotos também têm sido apresentados ao escrutínio público, entre os quais um alegado elevado custo para o país com uma universidade com declarados problemas estruturais. Argumenta-se que os gastos realizados pela UFRJ são excessivos e mal direcionados. Com base nesse diagnóstico, determinados analistas de políticas públicas sugerem que o direito à educação limite-se ao ensino fundamental. Acesso às universidades ocorrerá ou não dependendo da capacidade de pagamento das famílias dos estudantes.

 
Críticas à gestão, especialmente relativas à falta de transparência, e informações confusas sobre despesas da UFRJ foram mobilizadas para confirmar a acepção de ineficiência, desperdício. Recentemente, chegou-se a atribuir a faísca inicial do incêndio ao suposto desequilíbrio entre despesas com pessoal e investimentos. Como se o pagamento de professores e técnicos que trabalham na UFRJ estivesse impedindo a conservação de seu patrimônio. Uma sequência improvisada de causas e efeitos dificilmente permite uma aproximação dos reais problemas da UFRJ e outras universidades públicas. O que não está nem um pouco visível e, pior, sob a fumaça de uma tragédia, são as razões para transformar a solução em problema. Quem está interessado em afirmar que a UFRJ é insustentável, falida?
 
Tal pergunta deve ser qualificada: a raiva contra a UFRJ não é de hoje. De onde ela vem? Vem da tentativa de compensar subjetivamente a incapacidade do setor privado do ensino superior de desenvolver ensino e pesquisa de qualidade, com a exceção de uma ou outra instituição, assim mesmo em pequena escala e em diminuta amplitude. Essa tentativa é inútil, os estudantes e os pesquisadores, nacionais e estrangeiros, sabem onde está a qualidade. Seria muito melhor para o avanço do conhecimento se o capital acumulado no setor privado pudesse ser aplicado na produção de conhecimento ao invés de apenas buscar mais e mais lucros pela venda de diplomas a baixo custo.
 
Aliás, a tão recomendada busca no setor privado de recursos financeiros para a manutenção das universidades públicas apareceu de novo por ocasião do incêndio do Museu Nacional. Junto com essa receita, vem a suposição de que instituições privadas são boas gestoras, jamais deixariam que um prédio e acervos tão preciosos pegassem fogo. No entanto, desconhecem (ou escondem dos leitores) que o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, e o Museu de Arte Moderna, do Rio de Janeiro, incendiaram e foram destruídos. Desconhecem (ou escondem) que dos seis projetos de captação de recursos pela Lei Rouanet que a Associação de Amigos do Museu Nacional apresentou ao empresariado, um era justamente para a instalação de um moderno sistema de prevenção e combate a incêndio. Nenhum empresário se interessou por algo que não daria visibilidade ao mecenato. Se parte do imposto devido aplicado no combate ao incêndio não rende publicidade, as chamas que consumiram o Museu Nacional estão rendendo no mercado ideológico.
 
Maria Lucia Werneck Vianna – Presidente da ADUFRJ 
 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. Maturidade no debate

    É preciso agir com maturidade nessa questão. Bens que fazem parte da conformação de nossa identidade nacional deveriam ser alvo de cuidados contínuos cujo objetivo prioritário deveria ser a sua “eternização”. Foram destruídos registros em papel que não foram digitalizados! Algo barato e óbvio! Não deveria um patrimônio da importância do Museu Nacional estar submetido às questões circunstanciais de qualquer universidade e aos humores de seus dirigentes. Isso deveria ser uma questão de Estado e não de governos e, muito menos, de administrações universitárias.

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