Coerência, por Wilson Ramos Filho (Xixo)

Parte da esquerda não perde oportunidade para falar mal de nós. Só consegue existir criticando o PT.

Coerência

por Wilson Ramos Filho (Xixo)

O PT não acerta nunca. Não tem como acertar.

Parte da esquerda não perde oportunidade para falar mal de nós. Só consegue existir criticando o PT. Nesse grupo (majoritário nas mesas de bar, nas cantinas das faculdades e nas redes sociais) não se encontram apenas os trotskistas (eternos críticos, até o limite da chatice em muitos casos). Há nele também os ciristas, os sequelados do PSTU, parte do PSOL, e mesmo os esquerdistas sem filiação partidária. Há um gozo perverso no prazer em criticar.

Parte desses críticos antipetistas oscilam das acusações ao hegemonismo (o PT é estreito, não faz alianças se não liderar, se isola) ao denuncismo de alianças feitas nos grotões pelas seções petistas locais, em pequenas cidades. Erra por não fazer alianças, erra por integrar coligações amplas. Erra até quando não é convidado a integrar alianças com o PSOL (que lançou candidatos em 23 capitais) ou com o PDT que não aceita ser contaminado pelos petistas. Erra em todas as circunstâncias.

Em 2016 o PT disputou em menos de mil cidades elegendo 256 prefeitos. Elegeu algo como 2800 vereadores. Este ano, por conta da legislação eleitoral que proíbe coligação nas proporcionais, o PT lançou candidatos a prefeito em 1600 municípios e terá candidatos a vereador em mais de 3000 cidades. Ou seja, em 1400 municípios não terá candidatos próprios a prefeito, integrando outras coligações.

Isso arrefecerá as críticas dos antipetistas? Óbvio que não! Seremos criticados por termos candidaturas próprias em 1600 cidades e seremos criticados por integrar coligações nos 1400 municípios onde não temos candidatos a prefeito. O PT sempre está errado!

Mesmo na esquerda que não é antipetista, e nos petistas não filiados, vemos os efeitos da ausência de prática partidária orgânica, nas reações indignadas pela constatação de que em Santa Terezinha de Deus Me Livre, a chapa de vereadores do PT integra coligação majoritária com outros partidos, alguns deles golpistas. Isso aconteceu em centenas de pequenos municípios onde o PT não tem candidato próprio à prefeitura agora em 2020. Esse é o mundo real nos municípios onde não há segundo turno e onde geralmente as cidadezinhas se dividem entre situação e oposição.

Nestas, sem candidato a prefeito, os partidos de esquerda não elegeriam vereadores, por não atingirem o quociente eleitoral mínimo. Em face dessa circunstância imposta pela teimosa realidade, e “para evitar o mal maior”, o PT e outros partidos de esquerda integram coligações amplas, inclusive com adversários ideológicos, tentando eleger, pelo menos, vereadores. O objetivo primordial do PT consiste em eleger vereadores em cada uma das mais de 3000 cidades onde logrou apresentar candidatos às câmaras municipais, pensando obviamente nas eleições de 2022, quando esse enraizamento e pulverização territoriais podem fazer a diferença na definição de quem enfrentará a extrema-direita no segundo turno.

Para quem vive sob o ar condicionado das grandes cidades resulta difícil compreender as razões políticas e a importância de eleger um vereador nas pequenas cidades do interior, engolindo sapos para integrar coligações com adversários históricos. Puristas, certamente preferimos a distância higiênica em relação aos partidos golpistas. Não moramos lá naqueles fins-de-mundo, não temos como avaliar cada realidade local e a pertinência de vincular a chapa proporcional (vereadores) à majoritária.

Coisa distinta é integrar coligação na chapa majoritária. Não engulo, por exemplo, o PT ser vice de um candidato do PSL ou do DEM, ou nossos candidatos a vereador pedindo votos para um candidato a prefeito desses partidos. Sou estreito. Se eu fosse eleitor no Rio nada me faria votar no Eduardo Paes, do DEM, para evitar uma eventual reeleição de Crivela. Todavia, constato que muitos que criticam as coligações eleitorais do PT em mais de 1400 pequenas cidades, onde não temos candidatos a prefeito, não titubeariam em votar no “menos pior” em suas próprias cidades, onde existe segundo turno. Eu anularia o voto.

O PT sempre está errado. Se integra coligações ou se apresenta chapa própria. O que importa é criticar. Como se o exercício da crítica nos elevasse a um patamar mais elevado de ascetismo e de pureza d’alma. Somos democráticos, respeitamos as distintas instâncias locais de deliberação, desde que a opinião da maioria local coincida com a nossa. Somos críticos do centralismo democrático (sofremos com ele na URSS) mas desejamos uma intervenção de cima para baixo lá nos grotões para proibir que lá em Santa Maria do Pau Torto petistas apoiem um candidato a prefeito que também seja apoiado por partidos golpistas.

Também por isso eu adoro o ar condicionado, as mesas de bar, as cantinas das faculdades e as redes sociais onde somos todos argutos analistas eleitorais, diligentes fiscais do cumprimento dos princípios e onde ostentamos, garbosos, nossas coerências ideológicas.

Wilson Ramos Filho (Xixo), doutor em direito, professor na UFPR, preside o Instituto Defesa da Classe Trabalhadora.

#ForaBolsonaro

Redação

2 Comentários

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  1. Eu adoro os puros na política. Acreditem: duas ex-amigas votaram Ciro na última eleição e me disseram que se não houvesse a possibilidade de anular o voto, a opção seria Bolsonaro. Por isso são ex-amigas. Me recuso a conviver com puristas que votam em cúmplice de torturador. Não sei o que aconteceu nesse país. As pessoas ainda não acordaram para as ruínas em que o estão transformando. O inimigo é um grupo político, não os grupos econômicos aliados a interesses próprios e internacionais. Judiciário, congresso, forças armadas e imprensa trabalham a soldo de bandidos travestidos de banqueiros e empresários. É uma grande maioria da população os apoia pq partilham as mesmas qualidades morais.

  2. Professor, enxurradas de críticas sempre vem quando as pessoas tem perguntas e não tem respostas, o profano que não se sente empoderado precisa criticar seu pastor. Arrisco fazer a única pergunta auto-critica realmente relevante e que portanto nunca é feita e que tenho certeza será ignorada. Como, quando, onde e por que todo mundo que apoia uma solucao política-financeira endorsa alguma forma de roubo? É um principio básico na humanidade, está na fundação do Estado de Direito assim como das religiões – a razão da nossa liberdade é diretamente proporcional a quanto entendemos moral. Não é possível criar ordem a partir de roubo. A reflexão é entre coagir vs consentir. Todo roubo se origina com uma forma de coação, de forma que coação é roubo e crime, rouba-se o livre arbitrio da outra pessoa em consentir. Ainda assim, todo o sistema político é baseado em ações coercitivas. Sendo assim, o roubo, a coação, é por design. Além do mais, é sabido por psicologia, neurosciencia, antropologia e historia que estruturas com base em autoridade e relativismo moral trazem o pior do ser humano, ainda assim é isso que devemos apoiar, estruturas hierarquizadas e compartimentalizadas? Jamais trará ordem. É um golpe de violência em uma população com ego enrijecido, conhecimento negativo (desinformado) e que tem medo de verdade plena, se apegam a autoridade do homem na terra segundo Romanos XIII. A politica que defendemos é só mais uma falsa religião. Esquerda e Direita participam de um exercício social burocratico de fachada para manter o status quo, mas que por dedução lógica jamais trará igualdade, liberdade e justiça. Somente com consentimento, voluntariado, com individuos soberanos se cria uma nação soberana. A única pergunta política relevante que deveríamos fazer é: Por que obedecemos governos?

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