Contra a barbárie: ainda há tempo! O país do futuro a gente constrói hoje, por Edmundo de Moraes

Grauna desconfiada

Contra a barbárie: ainda há tempo! O país do futuro a gente constrói hoje

por Edmundo de Moraes

Ao se levantar, erguer a cabeça e se impor, o Brasil sofreu um golpe na sua espinha dorsal: um golpe contra o seu patrimônio nacional. Isso representou um enorme retrocesso no caminho do nosso país, mas hoje nos deparamos com uma ameaça que vai muito além do conservadorismo econômico e político. Uma ameaça que investe contra princípios básicos do processo civilizatório.

Na minha infância, isso já há algum tempo, eu ouvia muitas vezes que o Brasil era o país do futuro. No grupo escolar diziam que nós éramos a esperança do nosso país. Cantávamos o Hino Nacional que projetava a grandeza do Brasil para o futuro.

Eu estava saindo do ginásio e o nosso país entrava no período de trevas do regime autoritário instituído a partir do golpe de 1964. O país do futuro parecia distante e se tornou mais distante ainda quando cursei a Universidade sob a vigência do Ato Institucional nº 5.

Um vento de esperança soprou com o movimento pelas Diretas Já. Até ali, eu nunca havia me sentido tão perto do tão aguardado futuro. Entretanto, o movimento reacionário prevaleceu nos levando de volta para o presente de então: a população mobilizada foi traída pelo conchavo que impediu a eleição direta. Uma visão otimista: pelo menos várias reivindicações surgidas no movimento pelas Diretas foram incorporadas na Constituição de 1988. Uma visão realista: muitas delas ficaram para ser regulamentadas e não foram. Também ficaram para o futuro…

A partir daí eu vi o nosso país percorrer uma trajetória que mantinha distante o futuro promissor, que não me parecia tão promissor. Eu vi o desastre econômico que levou o Brasil a se curvar diante do Fundo Monetário Internacional por três vezes e a se submeter às condições impostas, que aprofundaram as desigualdades sociais e econômicas na nossa população. Eu vi o sucateamento dos serviços públicos na educação e na saúde. Eu vi a democracia ser manipulada nas negociatas das privatizações e da reeleição do presidente da República. Eu vi o nosso país submisso às forças políticas e econômicas do capital internacional em detrimento dos interesses da nossa população.

A eleição do presidente Lula em 2002 acenava com a possibilidade de um novo caminho em direção ao tão almejado futuro. De fato, um movimento diferente começava a acontecer. Eu vi o Brasil se levantar, erguer a cabeça e se colocar como protagonista no cenário mundial. Eu vi o nosso país afirmar a sua soberania, recusando-se ao alinhamento submisso que sempre havia adotado. Eu vi a inclusão econômica, social e política de significativa parcela da sua população, historicamente excluída do desenvolvimento do nosso país. Eu vi a autoconfiança ir aos poucos superando o sentimento de inferioridade estimulado historicamente em boa parcela da nossa população.

Do ponto de vista interno, eu vi que a inclusão de um contingente expressivo de pessoas que passaram a ter acesso a bens e serviços, anteriormente restritos à uma minoria, gerou o descontentamento daqueles que se sentiram incomodados com a nova situação. Do mesmo modo, eu vi que as parcerias com os países emergentes, com a América Latina e com a África, o crescimento de empresas brasileiras que passaram a atuar de modo significativo no cenário internacional, geraram descontentamento daqueles que se beneficiavam com a situação e as posições brasileiras anteriores.

Então veio o golpe. O golpe não foi o impeachment da presidente Dilma Rousseff, como muitos pensam. O impeachment foi um dos instrumentos do golpe. Ao se levantar, erguer a cabeça e se impor, o nosso país sofreu um golpe na sua espinha dorsal: um golpe contra o seu patrimônio nacional. Sem cair na simplificação de querer personificar os agentes do golpe, eu vejo que ele envolveu setores sociais, econômicos e políticos, internos e externos, que se sentiram ameaçados com a nova situação alcançada pelo nosso país. Aqueles que se beneficiam com um Brasil submisso aos interesses do capital internacional e que, portanto, tinham interesse na delapidação do patrimônio nacional brasileiro. Lembro que o patrimônio de uma nação não se restringe aos seus bens materiais, suas riquezas minerais e biológicas. As pessoas, as suas características culturais, as suas conquistas e construções sociais também constituem o patrimônio de uma nação.

A partir da deposição da presidente Dilma Rousseff, a ofensiva contra o patrimônio nacional brasileiro começa a ocorrer mediante um conjunto de ações concatenadas ou independentes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, sustentadas pela grande mídia. A limitação dos gastos públicos por 20 anos. O desmantelamento da legislação trabalhista. O favorecimento e estímulo da venda de companhias brasileiras para empresas internacionais. O esfacelamento da Petrobrás, com a entrega das reservas do pré-sal e a venda dos seus ativos, comprometendo em cascata outras empresas brasileiras como a indústria naval e empresas fornecedoras de bens e serviços. O favorecimento do mercado financeiro e do capital improdutivo, mediante uma política fiscal injusta e a priorização do pagamento da dívida pública em detrimento dos investimentos sociais. As ações irresponsáveis do Judiciário que, sob a justificativa de combate à corrupção, criminaliza a Política e compromete seriamente as atividades de empresas nacionais com participação significativa no cenário mundial. Em continuidade à essa política de destruição do patrimônio brasileiro, acena-se com a reforma da previdência, a entrega da indústria aeronáutica nacional e a nossa matriz energética ao capital internacional. O ataque explícito às universidades públicas acompanhado pela reforma do ensino básico, ações que favorecem claramente a privatização do ensino público. Investidas contra instituições públicas do setor financeiro como o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES. A tentativa de enfraquecer e estimular a privatização de empresas ligadas aos serviços públicos como os correios, companhias de saneamento e fornecimento de água.

 Não se trata meramente de um programa de privatizações, o que já seria um atentado contra um bem patrimonial incalculável em um regime democrático: a vontade da maioria da população, que nas últimas eleições presidenciais disse não a esse tipo de medidas. Trata-se de entregar ao capital internacional o domínio de setores estratégicos da soberania nacional.

Eu vejo em tudo isso um grande retrocesso no caminho do nosso país. Refazer esse caminho vai requerer tempo, muito trabalho e a participação efetiva da população. Entretanto, a campanha de criminalização e desmoralização da Política levou à descrença de boa parte da população na ação política, criando um terreno fértil para a aventura reacionária e autoritária. É o que podemos constatar no atual momento, com o surgimento de uma candidatura que defende medidas que vão além do conservadorismo econômico e político e investe contra princípios básicos do processo civilizatório.

Se em termos de direitos conquistados pela humanidade retrocedemos alguns séculos com as medidas implementadas após a deposição da presidente Dilma, o nosso país encontra-se diante de uma possibilidade de um retrocesso ainda maior. Um só exemplo basta: combater a violência com mais violência nos leva muito próximos à barbárie, ao nível pré-racional do desenvolvimento humano.

Eu vejo que a resposta a essa ameaça exige a superação das divergências táticas e estratégicas das forças políticas comprometidas com o objetivo de construção de uma nação mais justa, mais democrática e mais soberana. Com a impossibilidade da candidatura do presidente Lula, mais uma evidência do golpe desferido contra o nosso patrimônio, é inegável que Fernando Haddad, com o apoio de Lula, se transforma no polo aglutinador dessa campanha.

Levar a eleição para o segundo turno é alimentar as forças reacionárias e autoritárias que ameaçam o nosso país. As pesquisas eleitorais com a inclusão do presidente Lula mostravam a possibilidade da sua vitória no primeiro turno. Eu vejo que é possível a vitória de Haddad no primeiro turno, desde que o apoio de Lula seja seguido pelo apoio de todos os comprometidos em barrar a barbárie. Todos os comprometidos na construção de um Brasil mais justo, mais democrático, mais soberano. Ainda há tempo.

O que está em jogo não é somente o resultado eleitoral. O que está em jogo é o futuro do nosso país. Durante a minha vida eu aprendi uma coisa que não me disseram na minha infância. Uma coisa que muda tudo: o país do futuro a gente constrói hoje.

 

Redação

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