Crônica do discurso inútil, por Ítalo de Melo Ramalho

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Crônica do discurso inútil

por Ítalo de Melo Ramalho

A situação de insegurança emocional e institucional no Brasil é tão infame, que termino por desconhecer aquele/a amigo/a que me acompanha desde os meus primeiros momentos; como também aqueles/as que estão presentes nos meus mais recentes passos na vida. Quando observo o discurso político no universo virtual em contraste com o que é pregado nos corredores da cidade, não tenho outro questionamento a não ser: Como pode isso…? Vale salientar que a cada segundo em que o mundo caminha, fica mais difícil esticar uma conversa, por menor que seja, nos corredores, nas travessas, nos cafés, nas filas. Chego à conclusão de que provavelmente os botecos serão os únicos redutos de resistência para um simplório diálogo em brevíssimo futuro. Simplório sim! Já que um bom diálogo será impossível de se constituir fora da esfera retangular das telas.

Antes, eu ficava surpreso com as demonstrações da sensatez protoanalítica de alguns. Hoje, eu fico estarrecido com o altíssimo grau das análises do atual cenário político, que não vão além da esfera zodiacal. Para o bem de todos e a graça da torcida do Confiança. Impressionantemente, contribuem para apuração desse movimento de análise política do qual citei: professores/as, que não saem do topo do muro e que mansamente tentam se equilibrar entre o vazio da cerca elétrica e o abismo mambembe da intelectualidade inorgânica; advogados/as, com requintes de cientistas políticos, que seriam mais que premiados (como a classe gosta!) caso analisassem os fatos sem recorrer para o além das normas; médicos/as, que empunham o bisturi com uma mão e, com a outra, rasgam o código de ética da categoria, transformando em patologia o que não é doença; policiais, que repetem o mantra do “bandido bom é bandido morto”, e que, quando são contrariados, despem-se do ofício da segurança pública e fundem ideologia e chumbo no mesmo bico de cano. São esses mesmos profissionais que negociam com a indústria dos planos de saúde e farmacêutica; que recorrem ─ via recursos auriculares tão silenciosos quanto os liquidificadores ─ a inescrupulosos despachos e decisões fora dos autos, já que, nessa prática do pé do ouvido, a divisão social do capital é moralmente aceitável; os/as queridos/as mestres que, depois de estabilizados, esquecem (sobretudo os que estão com menos de 50 anos) que nos seus períodos de academia o enredo não foi como o que foi vivido na primeira década do século XXI; tendo alguns deles/delas como professores/as institucionalizados na rede pública de educação.

O Brasil, brasileiros/as, não sangra pelo excesso de Estado como reza o liberalismo tupiniquim; que quando é confrontado com a Meca do tal sistema, nosso Estado é burocraticamente minúsculo. O Brasil não sangra apenas por causa da corrupção na Petrobras. A empresa que, depois de toda a campanha contrária, é considerada a mais rentável do mundo quando se referem a qualidade e a quantidade de óleo existente em nossa costa; e que pode e deve ser o nosso passaporte para implantação do Estado de Democrático de Direito por meio da inclusão e da justiça social. O Brasil não sangra pelo fato de termos o pior conjunto ficcional de empresas midiáticas de todos os tempos. Como não é pelo complexo de vira-latas que sangramos; como não é pelo jeitinho brasileiro; como não é pela passividade, pois de passivo nada temos e isso se constata quando em matéria criminal a violência doméstica e o assassinato de jovens negros periféricos são apresentados em estatísticas.

O Brasil sangra aos borbotões quando nos sentimos inertes diante do quadro seletivo da política nacional estruturalmente institucionalizada para tutelar uns poucos e abandonar outros muito. Utilizarei, como exemplo, a política de cotas raciais nas universidades públicas que balançou as estruturas da sociedade brasileira em discursos favoráveis e contrários a implantação dessas ações afirmativas. Esse, para mim, é o mais substancial motivo para estarmos enfiados nesse instante histórico de mediocridade institucional. Pois a nossa estrutura, enquanto Estado-Nação, tem seus fundamentos principiológicos erguidos sob a ótica da racionalidade branca, como canta Jessé Souza.

Esse tipo de inércia é experienciada em outros campos da sociedade. As estruturas precisam ser sociabilizadas. E não há outra maneira que não seja com a presença do Estado atuando como mediador e ator em favor dos que chamamos de hipossuficientes. No entanto, não significa que a presença do Estado nessas questões, autoriza o ativismo judicial e a judicialização da política, para interferirem nas decisões de um poder republicano em outro. Longe disso!

Só ao fim desta análise (que pode parecer, mas que não é zodiacal) é que recordo que estava falando dos/das amigos/as que estão mergulhados neste mar de polaridade e aparente paridade partidárias; e que eles/elas discutiam sobre os votos em primeiro e segundo turnos e na utilidade dos mesmos nesse pleito eleitoral. E que toda a discussão é feita na virtualidade, o mais distante da praça. Visto que o ambiente público ou privado não confere segurança suficiente para os debatedores. Pois digo aos/as indecisos/as que, recortando o mais recente período da história brasileira e observando a conjuntura que por ora se apresenta, não penso em votar em outro partido que não seja o Partido dos Trabalhadores. Não é apenas pela ameaça fascista (inclusive o fascismo togado!) que lambe as botas ou sapatilhas da república, mas, sim, pelas políticas públicas que foram implementadas e que alcançaram, exitosamente, todos os tecidos da sociedade. 

Como dizia Castro Alves: A praça é do povo como o céu é do condor. Pois que então abandonemos o frio gélido das telas e das teias da moralidade; e passemos a habitar as praças e os céus da realidade inóspita e hostil ao sonho libertário.

E que seja já!

17.IX.2018
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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