De Machado de Assis a Luiz Inácio, o absolutismo do mérito, por Alexandre Coslei

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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De Machado de Assis a Luiz Inácio, o absolutismo do mérito

por Alexandre Coslei

Tudo ou quase tudo já se falou e escreveu sobre Machado de Assis, ainda assim continua a impressionar a obra monumental que ele construiu em vida. Poesias, romances, crônicas, contos, críticas, ensaios, traduções, correspondências. É quase inacreditável testemunhar alguém, nas condições de Machado, ter produzido tanto e com qualidade. A impressão que se tem é que o afamado bruxo não fazia nada além de escrever, mas não foi assim. Para aumentar o nosso espanto, sabemos que ele foi um autodidata bem-sucedido, que aprendeu muito da arte a que se dedicou frequentando bibliotecas e fazendo anotações sobre o que lia. Muito mais do que um gênio, Machado foi uma espécie de super-homem. Beira a imagem de um ideal inatingível.

Talvez, o que o torne humano ou mais sobre-humano é o conhecimento que temos de sua gagueira, da epilepsia, da origem pobre que o impediu de acessar os recursos da educação formal. Olhando para a obra e para a biografia de Machado de Assis, a genialidade assemelha-se à obsessão. Locais como o Real Gabinete Português de Leitura foram incubadores que fertilizaram a mente do escritor. Autor do século 19, mulato, passando seu maior período sob a monarquia de Dom Pedro II, escrevendo para uma sociedade escravocrata, sem Word, máquina de datilografia ou liquid paper. Conseguiu entrar para o serviço público e conquistar cargos relevantes. Nascido na ralé, alcançou e misturou-se ao círculo fechado das elites da época.

Permitam-me dizer, me perdoando pela ousadia, Machado é o mesmo tipo de milagre brasileiro que gerou o Lula, guardada as devidas proporções. A diferença é que Machado foi aceito e abraçado como bibelô intelectual pela cadeia hereditária da nobreza do país, ele representa a meritocracia da exceção, que por desconstruir a classe dominante do seu tempo de forma sutil e refinadíssima, não fez com que ela se sentisse afrontada por sua presença. Há quase nenhum poder de mobilização política na escrita, desde que não consideremos o Manifesto Comunista. Lula, como outro autodidata de sucesso, personagem destacado na ditadura e da república atual, foi operário, nunca um intelectual, também galgou os degraus, também representa a meritocracia da exceção, também alcançou o andar das oligarquias contemporâneas, mas nunca foi aceito por elas. Lula tem uma obra vastíssima na política e, ao contrário de Machado, transformou a realidade em que vivemos muito além da ficção. Gênio como Machado, mas rotulado como maldito, afrontou as elites por democratizar o mérito.

Machado não foi um entusiasta da conspiração militar que proclamou a República, sabia que os verdadeiros maestros eram latifundiários de São Paulo, Minas Gerais e comerciantes abastados do Rio de Janeiro. Debochou, quando da mudança do regime, em livros como Esaú e Jacó. Por coincidência, hoje temos um derivado da mesma nata paulista mofada que patrocinou a troca de um governo eleito por um sistema autoritário e supostamente provisório que age contra o povo, não mais por ele, tudo na intenção de restaurar o status quo que havia sido abalado por 3 períodos de governos populares.

Há quem irá se arrepiar de repulsa por minha comparação. No entanto, é de uma beleza exótica compreender que os dois maiores nomes do Brasil, conhecidos pelo mundo afora, tenham em comum a origem humilde, a determinação obsessiva, a genialidade de compreender e interpretar de forma única o seu meio e terem atravessado conturbações históricas opressivas. Machado, por sua produção, um operário da palavra, que no seu ponto mais alto como artista iluminou o nosso obscurantismo social. Lula, o torneiro mecânico que quis dar forma a uma nova sociedade, moldá-la igualitária, humana, capaz de produzir muitos como Machado de Assis, não mais pela exceção, e sim pela inclusão do acesso justo ao conhecimento, à educação formal, à renda mínima que favorecesse à dignidade. Luiz Inácio vê em Machado de Assis um semelhante e é certo que Lula inspiraria Machado, quem sabe até o redimisse de sua desconfiança pelos republicanos.

Alexandre Coslei é jornalista
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

6 Comentários

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  1. De….

    Realmente Machado é a cara da Elite Brasileira. Elite que não se enxerga Elite. Nada na sua origem ou cor de pele impediu que alcançasse o que qualquer Brasileiro pode alcançar. Tendo méritos, é claro. Como tal Elite, não viveu deste mérito. Correu se ajeitar num servicinho público indicado e se encostou numa viúva abastada. Cariocão este Machadão !! Bem, a partir daí era só filosofar e escrever. Como Escritor foi um Gênio. Como Elite Tupiniquim, nunca precisou vender um livro para se sustentar. A Viúva e o Estado Brasileiro fizeram isto por ele. Malandramente e vagabundamente, realmente podemos comparar a outra figura citada que não era chegado ao trabalho. Dedinho providencial por uma Estabilidade. Quem conheceu ‘chão de fábrica’ sabe muito bem como funcionava. Botecos na região do Ipiranga e ABC, viviam lotados de desdedados (se existe tal palavra). Como disse o próprio Lula: “Ainda bem que cheguei ao Governo nas Vacas Gordas. Em época anterior teria sido outra Erundina. Medíocre da mesma forma.” “A Marina mandava falar contra Itaipu, eu falava. Que mudaria o eixo da Terra, que inundaria o sul do país. Estas asneiras de fundamentalistas finaciados por ongs e interesses internacionais. Quando o mesmo precisou inaugurar ponte inconclusa, devido ao estudo da perereca que morava embaixo da construção. (Está tudo na Imprensa). Realmente iguais no acaso. Um deixou obra literária fantástica. Outro, mais uma página no Caudilhismo Tupiniquim. O Brasil se explica.  

  2. Boa noite.
    É realmente uma
    Boa noite.
    É realmente uma lástima, tamanha ousadia, diria até apelação, comparar alguém como Machado de Assim com este Sr.
    De forma alguma cabe tal comparação.
    Temos sim, muitas pessoas humildes e batalhadoras.
    Trabalhadores, Professores, alunos, pais, que continuam a lutar dia a dia com dignidade e dedicação. A estes sim, admiração e respeito.
    Mas, de forma alguma a este Sr.
    A ele, total decepção e desagrado.
    Por favor, faça suas considerações, mas, não “misture” as coisas.
    A literatura, todo o respeito e apreço.

  3. Bom…

    Acho que os dois foram homens incríveis para a história de nosso Brasil, porém não sei se são comparáveis… 

    Gostei do artigo, achei bem interessante 😀

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