Decisão de Laurita Vaz sobre prisão de mãe desmonta avanço

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Foto: Divulgação/STJ

Decisão de Laurita Vaz que nega domiciliar a mãe é o desmonte de um avanço
 

Por Marina Dias e Daniella Meggiolaro

Do Conjur

Há momentos em que o Judiciário escancara sua incapacidade de dialogar com o mundo real e de calcular os efeitos nefastos que uma decisão pode ter na vida de milhões de pessoas, inclusive nas gerações futuras. São ocasiões em que construções sociais complexas e fundamentais para o avanço da Justiça e da democracia perdem lugar para julgamentos morais, circunstanciais e irresponsáveis.

Nesta semana, testemunhamos um desses episódios: em decisão liminar, a presidente do Superior Tribunal de Justiça, Laurita Vaz, primeira mulher a ocupar o cargo, negou a uma mãe presa o direito de responder ao processo em prisão domiciliar por supostamente guardar drogas em sua casa. A notícia com trechos do despacho, que ainda não foi publicado integralmente, foi dada pela assessoria de imprensa do STJ.

O pedido formulado pela defesa estava respaldado na histórica decisão prolatada pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal que concedeu Habeas Corpus coletivo para que todas as presas grávidas ou mães de crianças com até 12 anos respondam ao processo em prisão domiciliar, como garante o artigo 318 do Código de Processo Penal.

Menos de seis meses depois da determinação do STF, celebrada por justamente fazer cumprir o Marco Legal da Primeira Infância, a ministra lançou mão de argumentos morais e de gênero perversos para julgar a capacidade daquela mulher de exercer a maternidade. Ao afirmar, por exemplo, que a acusada não provou imprescindibilidade para o cuidado dos filhos, reforçando o argumento do desembargador Eugênio Achille Grandinetti, do TJ-PR, onde o caso tramita, ignorou por completo que uma mãe é sempre imprescindível para o desenvolvimento de seus filhos e que sua ausência tem impactos irreversíveis e incalculáveis na estrutura familiar.

Além de desrespeitar o acórdão do STF, que afirma que, “para apurar a situação de guardiã dos filhos da mulher presa, dever-se-á dar credibilidade à palavra da mãe”, a ministra perdeu de vista que o espírito do legislador, no caso do Marco Legal, era dar total prioridade ao convívio entre mães e filhos.

A ministra também apagou de sua decisão o reconhecimento, por parte do STF, de que a situação do encarceramento feminino no Brasil é gravíssima e demanda uma atuação responsável e comprometida do Judiciário. Segundo dados do Ministério da Justiça de junho de 2016, 62% das mulheres presas no Brasil respondem por crimes relacionados ao tráfico de drogas.

Nos últimos seis meses, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) fez um mutirão carcerário no presídio feminino de Pirajuí, em São Paulo, para dar efetividade ao Marco Legal da Primeira Infância. Foram atendidas cerca de 200 mulheres, a grande maioria em situação de extrema vulnerabilidade, cujas vidas foram marcadas por histórias de violência de gênero. Muitas delas respondem sozinhas pelo sustento do lar — fator que não pode ser negligenciado. A realidade que os papéis não mostram é que grande parte dessas mulheres busca no pequeno tráfico uma fonte de renda para alimentar seus dependentes. E tantas outras são presas no lugar de seus companheiros por estarem em casa cuidando de seus filhos.

A decisão do STJ nesse caso não importa apenas por tudo o que ignora, mas também pela mensagem que passa. O acompanhamento que está sendo feito pelo IDDD sobre o cumprimento do HC coletivo mostra que a exceção excepcionalíssima prevista no acórdão do STF[1], que a ministra evoca ao indeferir o pedido de liminar, corre sério risco de virar a regra em instâncias inferiores, e a sentença do desembargador do TJ-PR é apenas um exemplo. Com sua decisão, Laurita Vaz respaldou e reforçou a inversão de valores nas pontas do sistema.

É preciso romper com a perpetuação da violência, e os fatos mostram que o encarceramento massivo de mulheres, particularmente as que são mães, é absolutamente incompatível com esse objetivo, com consequências desastrosas para toda a sociedade. Não é alarmista dizer que a prática do Judiciário, dessa maneira, está jogando por terra um dos avanços mais substanciais em matéria de política penal e de atenção à primeira infância que o Brasil já fez.


[1] “Excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes” ou situações excepcionalíssimas devidamente fundamentadas.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

25 Comentários

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  1. Lá no meio do artigo

    Lá no meio do artigo encontrei uma informaçãozinha que passei a considerar não de somenos : O caso é oriundo do Paraná, com a Sra. Presidenta do TSJ reforçando o argumento de um desembargador. Não consigo crer que os bravos pioneiros que o colonizaram, italianos, polacos, alemães e outros em menor quantidade sejam responáveis pelo grau de indigência moral e política que esse  Estado atravessa. O que acontece com os governantes e os cúmplices seria doença ou coisa do demônio ?

  2. vc quer se informar e tirar

    vc quer se informar e tirar suas conclusões ? Então lea**no minimo, dois blogs antagônicos.

    O caso do desmbagador mandou soltar Lula é típico.

    Blogs de esquerda requisitaram 1 211 juristas dizendo que ele tinha razão.

    Blogs de direira apresentaram 1 211 juristas dizendo que estava errado.

      E assim, a sociedade fica contaminada.

       Julgando de antemão, com suas preferências pré estabelicidas.

             E a verdade ?

               Ora a verdade. Que se dane.

    **leia.

    1. Qual a sequencia logica de um pre-julgamento?

      Quem julga com imparcialidade enxerga numa denuncia indícios suficientes de autoria e materialidade ou indícios suficientes de materialidade e autoria?

      Ao aceitar a denuncia contra Lula, $ergio Moro viu primeiramente indícios de materialidade ou indícios de autoria?

  3. Senão bastasse ter soltado o

    Senão bastasse ter soltado o médico estuprador de 50 mulheres. Daí da uma idéia da qualidade de seu voto em relação ao HC de Lula, acompanhado de um “pito” em um desembargador em pleno poder de seus atos, e bajulação a um que esculachou o ordenamento jurídico.

    Diante de figuras como essa do nosso judiciário, eu sugiro fazer o seguinte. Respire fundo, xinga de tudo quanto é palavrão sozinho, “gritando para dentro”.

    Depois do alívio faça seus comentários. Tipo essa senhora meretíssima (cuidado nessa parte!) representa o pior da nossa elite consevadora moralista ainda escravocrata encravada na máquina do estado. 

    Com certeza é daí para pior, mas não convém baixar o nível 

    1. Laurita: juíza ordinária

      Você está certo, Juliano. Não devemos descer os nossos comentários ao nível das sentenças de Laurita Vaz.

      Minha vontade primeira era chamá-la de filhadaputa. Mas, seguindo sua ponderação, fico com minha qualificação anterior: Laurita Vaz é uma juíza ordinária.

  4. A ministra dos argumentos

    A ministra dos argumentos perversos. Não será esquecida, embora prefira lembrar dos argumentos justos que deveria ser a norma de qualquer juiz. Isso aparenta pouca importância da lei e dos seus reais avanços.

  5. Tambem soltou

    um assassino condenado a 30 anos

     

    Deve fazer como aquele tal de DD da Quadrilha de CUritiba, vende sentenças e/ou HC

  6. saída à francesa

    Cada dia que passa estou mais convencido que a saída para o Brasil e à francesa. E não me refiro a sair de fininho. Falo daquele aparelho de lâmina mesmo. Se é que vocês me entendem.

  7. Ministra Laurita Vaz sofre
    Ministra Laurita Vaz sofre críticas por condenar o des Favreto, que ordenou soltura de Lula qdo era plantonista, e num domingo. Em 2017, ela revogou decisão que ordenava a volta de Roger Abdelmassih à prisão _ quando era plantonista, e num domingo.

    Presidente do STJ autoriza Abdelmassih a voltar a cumprir prisão domiciliar
    g1.globo.com.

  8. Ministra Laurita Vaz sofre
    Ministra Laurita Vaz sofre críticas por condenar o des Favreto, que ordenou soltura de Lula qdo era plantonista, e num domingo. Em 2017, ela revogou decisão que ordenava a volta de Roger Abdelmassih à prisão _ quando era plantonista, e num domingo.

    Presidente do STJ autoriza Abdelmassih a voltar a cumprir prisão domiciliar
    g1.globo.com

  9. Prejuizo

    Quando conheço alguma manifestação desta pessoa representante do stj meu humor se deteriora. Acho nojentas, estúpidas, imorais. 

  10. diante da decisão esvaiu-se a minha dúvida…

    ainda há sim adeptos das opressões seculares que não se privam de destruir as bases fundamentais de qualquer manifestação de justiça social e humana

  11. Neste blog, ou vc  escreve a

    Neste blog, ou vc  escreve a favor do Pt ou toma cachuleta–Nem neutro serve.

    Esse é o PT.

    Sem tirar ou por.

     Prefiro EI ( eatado islâmico) Pelo menos tem uma causa.

           A única causa do PT é ”causar’ encrenca.

                  Até quando? Foi severamente abatido nas eleições em 2016.

                      Espero que agora, desapareça do mapa.

                   A chance é grande. Imensa.

    1. Uma coisa é torcida

      Uma coisa é torcida (você).

      Outra coisa é a realidade (mundo de verdade).

      2016 foi o momento de maior êxito do golpe: finalização do impeachment e tudo de mal atribuído ao PT.

      Dois anos depois de experimentar os efeitos da saída do PT do poder (aumento da miséria, volta do mapa da fome, desemprego em massa, crise econômica incontrolável, aumento da violência, doenças erradicadas como sarampo e poliomelite voltando) a chance do PT desaparecer do mapa é zero. Vai crescer, isso sim. Péssimo analista político você. Há vários anos diga-se de passagem. Suas análises (torcidas) aqui divulgadas nunca se concretizaram. E jamais se concretizarão.  

       

  12. Um poço de incoerências
     

    Como plantonista, Laurita Vaz solta preso condenado por assassinato

     

     Fábio Pisoni, de 36 anos, foi condenado por juri popular em Gurupi (TO) a 30 anos pelo homicídio do estudante Vinicius Duarte e tentativa de homicídio de Leonardo Melo, além de porte ilegal de arma de fogo. Ele vai poder responder ao processo em liberdade graças a liminar concedida pela presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Laurita Vaz, em regime de plantão.

    Reprodução   Laurita é a mesma que negou habeas corpus impetrado em favor de Lula, contra a decisão do presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que indeferiu a solicitação de liberdade ao ex-presidente da República. As informações são do site do STJ.

    Desta vez, no entanto, o homicida condenado foi solto nesta sexta-feira (13), pela manhã, e poderá aguardar julgamento de recursos em liberdade, graças ao pedido de Habeas Corpus solicitado em regime de urgência pela defesa no STF e concedido por Laurita Vaz em regime de plantão.

    A ministra acolheu o argumento da defesa de que o cumprimento da pena foi antecipado e que o réu não poderia ter sido preso até o fim do recurso na segunda instância.Matéria completa: http://www.vermelho.org.br/noticia/313054-1

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