Desfrutar: eu tentei, bem que tentei, por Mariana Nassif

Desfrutar: eu tentei, bem que tentei, por Mariana Nassif

Hoje eu parei para desfrutar.

Mediante toda a confusão prática e sensorial que acompanha o recolher para o santo – pergunte a quem fez: refariam dez mil vezes, ouvi dizer, mas não negam toda a exaustão de temas e mais temas inerentes ao período pré (roupas, paramentas, insumos e, importante, as limpezas psíquicas e emocionais), resolvi que hoje o dia seria meu.

Só meu, sem mais pensamentos ou afazeres que se correlacionassem a quaisquer outras temáticas, mesmo àquelas que dizem respeito a mim de forma terceirizada. Filha incluso. Se ela me ligasse com algum problema, ai, pensaria eu, “quem estaria a boicotar estes momentos raros, ó, céus?”. Não foi o caso. Ela escreveu dizendo ter dormido uma noite de sono reparadora, daquelas de perder o horário de acordar e abrir os olhos lentamente e sorrindo e, então, me dei o aval. Assisti alguns vídeos que estavam salvos no “para depois”. Escrevi sentimentos que desejo aniquilar e coloquei fogo junto às pétalas de rosa vermelha, pedindo que a pomba-gira belíssima e potente que me acompanha desse conta de toda essa bagagem porque quero e preciso descansar. Massageei os pés e os ombros no banho demorado, coloquei Bathânia pra cantar bem alto e abri o vinho rosé que me aguardava tinindo de gelado às duas da tarde e cozinhei um purê de batatas digno de repeteco: uma, duas, três vezes até a barriga se dar por satisfeita, sentada finalmente sozinha na varanda à beira mar.

Respirei profundamente, observei o passado pontuado no pergolado de amor que insiste em permanecer à vista todo santo dia, a recordar já nem sei bem o que, tanta coisa que me faz pensar: desde a alegria suprema do casamento do meu melhor amigo pautado por Oxum, a prosperidade em pessoa e marco na vida de quem decidiu se amar custe o que custar, passando por romances efêmeros e um último que, bem, ainda teima em permear a musicalidade que existe em mim. Penso em odiar Chico Buarque para todo o sempre por conta dele, vamos ver no que isso vai dar.

O gato, este que vive aqui e compartilha momentos de ilusão afetiva comigo – pensa que o amo, o pobre coitado, e vez ou outra até eu mesma acredito, tamanho pedido que aqueles olhos brilhantes de farol aceso imprimem – comeu metade do suculento bife que preparei, e eu ri. Escolhas são feitas, especialmente, de manutenção. Parece, mesmo, que quando escolhemos tirar o dia pra gente, o mundo todo descobre e os desdobramentos que vínhamos aguardando há tempos, enfim, eles se desdobram. Os bips do celular insistem em tilintar e os mortos ressurgem, parece truque: é só querer desligar que a faísca reconecta. Impressionante.

Lavar as roupas, dar conta do que já está limpo e pensar num enxoval completamente branco para os próximos meses, olhar fotos antigas e agradecer, colocar aquela vela para irradiar luz aos inimigos, pois bem, minha coleção certamente aumentou depois  da última passagem por São Paulo, louvar com saudade a criação que consegui dar para a cria, celebrar as clarezas e conversas, o diálogo que é a salvação para tudo e qualquer coisa, um pouco de choro, é claro, e um tanto mais de vinho cor de rosa. Não é simples se escolher num mundo desses. Desfrute, meu bem, o que será que é você?

Mariana A. Nassif

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