Do veto ao Lula ao voto em Haddad, por Erick Kayser

Do veto ao Lula ao voto em Haddad

por Erick Kayser

Com as eleições marcadas para o dia 7 de outubro, setembro é momento decisivo para a definição da disputa eleitoral no Brasil. Em uma conjuntura de prolongada crise política, o que menos poderia se esperar eram eleições com ares de normalidade. Os prognósticos que indicavam para uma disputa fora de qualquer padrão dos anos anteriores e com toda sorte de turbulências vão se confirmando. Ao que tudo indica, até o final do primeiro turno, de tédio ninguém morrerá nestas eleições.

As marcas da anormalidade deste pleito começam pela inusitada situação do candidato presidencial líder em todas as pesquisas ser impedido de disputar a eleição. Na madrugada do 1º dia de setembro, após uma longa sessão, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) negou a Luiz Inácio Lula da Silva o direito de concorrer novamente à presidência da República. Desde abril preso em Curitiba, Lula teve vetada sua candidatura por 6 votos a um, — o ministro Edson Fachin fugiu do script e foi o único a dizer que o Brasil deveria seguir a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU a favor de Lula.

A partir do veto a candidatura de Lula, por determinação da mesma sentença do TSE, o PT e sua coligação teriam dez dias para substituir seu nome. Poucos dias depois desta decisão, o candidato da extrema-direita Jair Bolsonaro, do PSL – segundo colocado nas pesquisas e cujos altos índices por si já são outra marca de anormalidade desta eleição – durante um ato de sua campanha no centro de Belo Horizonte, no dia 6, sofre um atentado. Seu agressor, Adélio Bispo de Oliveira, aparentemente um fanático conspiracionista, esfaqueou na região do tórax o candidato, que sobreviveu ao ataque.

Mesmo não havendo uma comoção nacional em solidariedade ao candidato agredido, fruto de seu próprio discurso belicoso, o efeito eleitoral do atentado parece ter sido duplo: por um lado, freou o movimento de perda de eleitores que Bolsonaro vinha tendo, consolidando sua base eleitoral e mesmo o fazendo ganhar terreno sobre simpatizantes de outras candidaturas da direita. Outro efeito é que a facada parece ter atingido em cheio a campanha de Alckmin, do PSDB. Não conseguindo crescer nas pesquisas, após o atentado, a candidatura tucana tem oscilado negativamente, sendo remotas as chances de uma virada que posicione no segundo turno o ex-governador de São Paulo.

No 11 de setembro, data que nos remete as tragédias das Torres Gêmeas e ao golpe contra o presidente chileno Salvador Allende, o PT substituiu sua candidatura presidencial. Num ato em frente a carceragem da Política Federal onde o ex-presidente Lula está preso, foi anunciada a indicação de Fernando Haddad como candidato a presidente e Manuela D’Ávila, do PCdoB, como vice.

Este movimento de substituição do nome do Lula, frente ao seu já esperado impedimento pela justiça, colocando um novo nome petista no limite do prazo legal, se assenta na aposta (ou mesmo necessidade) de uma rápida transferência de votos de Lula para Haddad. Muitos analistas, observando este movimento sob as lentes de uma normalidade política, apontavam como excessivamente arriscada esta tática petista e quase que fada ao fracasso. No entanto, em uma eleição anormal, recorrer a velha normalidade política, seria uma escolha ainda mais insensata.

Ao longo dos meses, o nome de Lula manteve-se sempre no topo das pesquisas. Contrariando algumas expectativas, após sua prisão, a força eleitoral do lulismo não sofreu abalo, pelo contrário, nos últimos levantamentos antes da candidatura ser vetada pelo TSE, apresentava uma curva ascendente de apoios, permitindo mesmo projetar uma eventual vitória ainda em primeiro turno. O PT tendo a seu favor esta força eleitoral, algo que nenhuma outra candidatura dispõe, fez movimentos no sentido de manter coeso e fiel esta base de apoio popular. Os primeiros sinais indicam que está obtendo sucesso nesta tática.

As primeiras pesquisas divulgadas, poucos dias após a formalização de Haddad como candidato, apresentam um crescimento notável e acima da média de qualquer adversário. Partindo de 6 a 9% nas intenções de voto, em menos de uma semana, Haddad dobrou seu índices e já se distância dos outros adversários na segunda posição. Sendo a eleição em dois turnos, a força eleitoral de Lula deverá garantir a ida de Haddad, em 2º ou mesmo em 1º lugar, a depender da velocidade da transferência de votos. O fator partido aqui pesa. Comparando os partidos das candidaturas empatadas na terceira posição, o PT é mais um ponto favorável para a candidatura lulista, ainda que a força dos tucanos não possa ser desprezada.

Contudo, não podemos esquecer ou reduzir a importância e as implicações de vivermos em um país que teve sua democracia golpeada, com um ativismo judicial atuante e eivada por fatores de desestabilização institucional ainda latentes, como os recentes ensaios de reingresso na arena política do exército. Isto posto, se as eleições ocorrerem sem novos abalos profundos ou algum tipo de virada de mesa, caminhamos para um segundo turno entre Haddad e Bolsonaro, onde o apelo para uma disputa entre Civilização ou Barbárie deverá reconfigurar todo o cenário político. Numa perspectiva otimista, neste cenário e com uma vitória da esquerda, poderia ser um momento singular para uma reconstrução democrática e freio a fascistização de setores da sociedade. A disputa está aberta e os próximos dias serão decisivos.

 
Redação

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