É tempo de reinventar a democracia, por Maria Luiza Quaresma Tonelli

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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É tempo de reinventar a democracia

por Maria Luiza Quaresma Tonelli

A direita pensante e culta (refiro-me à cultura política conservadora) tem mais clareza do que a esquerda. A primeira, por defender os interesses da classe exploradora a qualquer custo, não admite conciliação com a classe explorada (trabalhadores, desempregados, pobres, miseráveis, etc.) Dane-se o direito a ter direitos. O interesse (de forma geral) ganha status de valor moral. Daí que o neoliberalismo em sua fase atual é ultraliberal na economia (a promiscuidade da farra financista) e ultra conservador nos costumes (o moralismo barato que passa longe de qualquer parâmetro ético). Daí, também, o aumento das bancadas evangélicas neopentecostais nas Câmaras de vereadores, nas Assembléias legislativas e na Câmara federal. Essa “ética” neopentecostal e o espírito do neoliberalismo ainda não foi suficientemente estudada, como fez Marx Weber ao pensar sobre a ética protestante e o espírito do capitalismo em outros tempos. 

A direita pensante e culta não tem pudor algum em se aliar a essas seitas religiosas porque sabe que elas garantem votos, poder e dinheiro. Tais seitas fazem, junto às bases populares, um trabalho de base que a esquerda nem de longe até hoje foi capaz de fazer. Daí o sucesso de picaretas como Edir Macedo e congêneres. Vide o tamanho dos templos e a quantidade de gente que frequenta os cultos da tal teologia da prosperidade.

A direita tem mais clareza do que a esquerda. Não concilia com a classe trabalhadora, com os pobres, os desempregados e os miseráveis. Apenas faz uso “dessa gente” para tirar proveito quando convém a seus interesses.

A esquerda não tem a clareza da direita, porque não entendeu até hoje que partidos e governos de esquerda não podem admitir qualquer conciliação com a classe exploradora. Não entendeus até hoje a lógica hegeliana do senhor e do escravo, nem a do materialismo dialético marxista. 

Não se trata de uma miopia política, mas de uma cegueira que impede que a esquerda enxergue que o golpe de 2016 contra Dilma e a condenação do ex-presidente Lula à prisão, para tira-lo não apenas da corrida eleitoral, mas da vida pública (como fizeram com José Dirceu Dirceu e Genoino) não passa de uma estratégia para tirar qualquer chance de um partido de esquerda voltar a presidir o país. 

A esquerda parece ter esquecido que tudo isso tem um nome: luta de classes. Quando tivermos a clareza suficiente de que é disso que se trata, talvez possamos pensar sobre qual democracia queremos e qual tipo de democracia nos serve. Os gregos inventaram a democracia (direta). Cabe à esquerda reiventar isso que um dia acreditamos ingenuamente nas sociedades capitalistas ser mesmo alguma coisa que significasse “poder do povo”. 

Vamos iniciar os trabalhos, porque o tempo urge. Pensar é a primeira tarefa.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

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  1. A esquerda não consegue fazer

    A esquerda não consegue fazer trabalho semelhante ao das igrejas porque é preguiçosa, malandra, e sobretudo porque não quer compartilhar o poder, não quer “novas” lideranças de esquerda..

    .. o comentário abaixo foi feito em outro post, mas o assunto é semelhante:

    ————

    Simplesmente criar um novo partido sob as regras atuais é mais do mesmo, não significa “sair fora da caixinha”..

    Sair fora da caixinha é mudar a forma como exercitamos a política..

    .. e a nova forma, a única possível nestes estertores do capitalismo, é através do compartilhamento do poder político com o povo..

    Porque?

    Oras, o super poder econômico de um número cada vez menor de pessoas torna todas as lideranças populares no planeta alvos fáceis de serem abatidos.

    Mesmo que o povo vença as barreiras da comunicação e eleja seu representante (desafio razoável), esse é facilmente anulado.

    Pode ser preso, ameaçado.. morto.. corrompido..

     

    Porém, no momento em que o poder político for compartilhado – de fato – com o povo, acaba a influência do capital..

    .. sai a figura do político astro e entra a rede de eleitores..

    .. as decisões políticas deixam de ser ato exclusivo de 1 pessoa..

    .. ainda que exista oficialmente a figura do político, suas posições são construídas junto com seu eleitorado..

    .. e não adianta vc matar o político Fulano de Tal se quem decide é a rede que o sustenta..

     

    Mas afinal, isso é ficção científica?

    Será que ando assistindo muito Black Mirror no Netflix?

     

    Nada disso. Vou lhe mostrar um exemplo concreto, atual, vivo: a rede setorial de militantes do PT

    Não sei se vc sabe, mas dentro do PT existem grupos de militantes organizados para discussão de assuntos específicos, geralmente com o objetivo principal de contribuir para programas de governo.

    São as chamadas setoriais.

    Existe uma setorial de tecnologia na cidade de São Paulo, e foi lá que eu propus a criação de uma rede “local”.

    É uma rede mista, formada por um staff (horizontal, que é a coordenação da setorial) sobre uma estrutura em árvore, hierarquizada geograficamente.

    Ideia básica.

    O segredinho é dar autonomia para que as lideranças dos nodos possam desenvolver e comandar suas próprias redes dentro de limites geográficos (e demais regras do partido, claro).

    O staff indica as lideranças de 1º nível, que indicam os de 2º nível e assim sucessivamente, abrangendo zonas, distritos, bairros, vilas, escolas, associações de bairro, empresas, etc..

    Consegue visualizar 2 dimensões?

    É como se fossem as raízes de uma árvore representadas na pintura: elas aprofundam na vertical e se espalham na horizontal, 2 dimensões, beleza?

    Tente imaginar agora outras setoriais (independentes) também organizadas dessa forma na cidade de São Paulo..

    Imagine o desenho gráfico dessas redes..

    .. imagine sobrepor os gráficos, um sobre o outro..

    .. perpendicular ao plano dos gráficos está o vetor geográfico que é a 3ª dimensão desse projeto..

    .. são os núcleos de base empoderados..

     

     

    Acho que vc já entendeu, né?

    A ideia é criar uma rede capilarizada, informatizar tudo, permitir o acesso online e criar comunidades capazes de sustentar uma candidatura e compartilhar o poder político, o cara vai estar em contato permanente com a base..

    .. vc não precisa marcar reunião com o vereador, ele já vai estar ali na rede junto contigo..

    .. e vai respeitar os direcionamentos que o coletivo impor..

    ——-

    Eu não sei se esse é o melhor projeto, se funciona em todos os casos, mas o que eu quero te dizer é que não adianta criar um partido segundo o modelo que estava aí agora há pouco..

    As pessoas querem participar da política.. de fato..

    .. esse é um projeto unificador, revolucionário..

    .. tá faltando coragem para implementá-lo..

    .. eu estou tentando com meus companheiros do PT, mas tá enrolado..

    .. talvez vc consiga levar a ideia..

    .. melhorar o projeto..

     

     

    @page { margin: 2cm }
    p { margin-bottom: 0.25cm; line-height: 120% }

    PS.: na minha proposta, as redes são auto sustentáveis, abuso de software livre e trabalho voluntário..

    1. mas a esquerda…

      não quer compartilhar isto, quer igual a direita ter o poder da política sobre o povo.

      Por isto depois de 13 anos do início do governo Lula não surgem novas lideranças de esquerda…ela estagnou nas mesmas lideranças e nas mesmas idéias.

      Quando o governo Lula surfava esqueceu da luta de classes…

  2. Liberdade é uma calça velha.

    Pensar é pouco. Precisa praticar.

    Enquanto isso vamos fazendo o que a PGR Dodge disse: protestemos. Batamos o pezinho impacientes e peçamos a quem está no poder que nos deixe, pelo menos, protestar. Para isso é que servem os fóruns de protesto. Que, a propósito, já estão recuperados pelo neoliberalismo. Assim como podemos comprar calças de brim índigo, para sentirmo-nos… livres. E não só livres mas donos de uma liberdade selvagem. Tanto que a calça de brim já se compra rasgada.

    Protestos já estão incorporados no sistema. Violência, então… violência é, por excelência, a arma do sistema, é tudo o que o neoliberalismo deseja para acabar de vez com a liberdade. A única arma realmente efetiva que temos é algo parecida com a resistência pacífica que o Gandhi pregou. Não é lutar contra o sistema, é desprezá-lo, encontrar e praticar alternativas a ele. Encontramos um nova forma de relacionarmo-nos entre nós, com nossos pais, filhos, amigos, “clientes e fornecedores” e praticá-la.

    É como venceremos, por exemplo, o imperialismo dos EUA: desprezando aquele país. Disso ele não tem como se defender. Pode até tentar fazer com que o admiremos, com que o odiemos, com que o temamos. Mas ele tentar fazer com que nos convençamos, até aí ele pode fazer. Mas convencermo-nos, ah não… isso só nós, cada um de nós, por nós mesmos, podemos fazer conosco.

  3. O caminho a seguir

    A velocidade com que o TRF4 fez o seu julgamento, assim como outros indícios relativos a isso (o aumento esperto da pena do Lula e o desconto amigável aos delatores), mostram que o sistema golpista tentou recuperar o “timing”. Ou seja, manter a balança do sistema em favor do lado golpista, desmotivando delatores contra tucanos e barganhando prêmios melhores para os anti-Lula. Ainda, tirando Lula das eleições.

    Antes desta jogada do TRF4 – que correu no tempo para antecipar, a popularidade do Lula aumentava e os podres tucanos estavam aparecendo. O “timing” estava matando a lava-Jato; o Moro não conseguiu partir para os EUA em 2017 e, o pior de tudo, a máquina de poder golpista que mantinha em suspense – quando não em silencio – as malas de dinheiro, os quartos cheios de malas, a corrupção do Serra, do Aécio, as delações de outras empreiteiras que acusavam tucanos, as delações premiadas do “outro lado”, com Rocha Loures, Geddel, Cunha e outros a ponto de abrir o bico, e etc.

    Estava mudando o vento e, em breve, os delatores veriam que o premio melhor da delação estaria pelo outro lado da história (o lado certo), a pesar dos golpistas terem feito de tudo em favor dos delatores anti-Lula. Nesse momento o TRF4 recolocou o “timing” em favor do golpe e silenciou os delatores do outro lado; Serra foi liberado imediatamente pela justiça antes de sequer investigar; até o Eike se ofereceu para delatar Lula depois de cheirar o sabor do premio que tinha ganhado o Leo Pinheiro; cai no esquecimento rapidamente o conjunto de fatos que fazia a balança mudar de lado. O “timing” foi recuperado.

    O caminho a seguir:

    Ações mais radicais da população ou ações mais inteligentes da mesma? Eu acredito mais na segunda opção. Sugiro uma candidatura popular forte, articulada, com Lula, Requião e outro (Haddad?) como plano B. Esta chapa popular, com apoio de todos os partidos da esquerda, teria como propósito não apenas ganhar a eleição (que acredito seja a parte mais fácil), mas, ganhar a maioria no congresso, em ambas as casas. Deste modo, um novo governo forte poderia gerar um indulto a Lula e, ainda, chamar a assembleia constituinte para fazer uma ampla reforma política e de Estado (com supremo com tudo….), alterando a constituição, desfazendo as armas do golpe, corrigindo o desequilíbrio entre os poderes, colocando os meritocrátios no seu lugar e etc.

    Lula poderia ser Ministro, por exemplo, e o seu programa colocado integralmente para funcionar, coordenando, na paralela, o assunto da Constituinte, que faria as reformas estruturantes no Brasil.

    A saída que eu vejo é do convencimento, dos comitês populares em cada comunidade, com a esquerda unida, com a conquista real (efetiva) da maioria dos eleitores, ou seja, com maioria também no legislativo. 

  4. Quando entro num onibus de
    Quando entro num onibus de volta do trabalho olho para o povo escravizado e de rosto cansado e me pergunto quantos ali sabem o que eh luta de classes…..nenhum….temos uma elite q tem pavor de povo esclarecido e por isso o primeiro ato da Direita no poder via golpe foi procurar calar Lula.
    Calar a voz do povo.
    Sob a liderança de Lula e do PT, muitos trabalhadores se esclareceram, surgiu o MST et…. por isso o sonho de consumo da Globo era calar Lula, ūnico contraponto ao PUM o Partido Unico da Midia. Contra isso cabe ao PT e forças populares instalar Comitęs de Resistencia pelo Retorno da Democracia com Lula. Sem a liderança de Lula, o golpe passa a falar sozinho no terreiro para fazer o que bem entende contra o interesse nacional. Que os Comitês levem esclarecimento.

  5. Governos esquerdistas e direitistas. Progresso e conservadorismo

    Além da clareza a esquerda é cheia de pudores e se submete aos refrões do conservadorismo liderado pela mídia.

    Os governos Lula/Dilma perderam a batalha da comunicação, vital na política.

    Não só deram recursos como, quando muito, deram respostas tímidas aos movimentos conservadores.

    A aceitação de apoiadores do lado conservador, sempre dispostos à adesão interesseira, não foi acompanhada de, no lado legislativo, de firme e constante apoio ao governo, e administrativamente a liberdade de atuação nos entes executivos.

    Pode se ter um cachorro comedor de ovelhas que preste seus serviços de guarda mas tem que mantido longe do rebanho.

    A direita exerce sem pudor algum o poder executivo em toda sua extensão, claro que com o  apoio vibrante dos favorecidos de sempre.

    O bando que nos governo é o exemplo atual do uso extensivo uso do poder.

    O poder existe para ser exercido dentro do limite do marco legal.

    Fora isso é ingenuidade.

     

     

  6. O pior equívoco da esquerda…

    Se acredita que a esquerda precisa se reinventar, é porque implicitamente reconhece que a esquerda “meteu os pés pelas mãos”, cometeu muitos equívocos.

    De fato os cometeu. Mas o pior equívoco da esquerda é confundir ela própria com o povo. Mas vocês não são o povo. Vocês são intelectuais pequeno-burgueses convencidos de que são os porta-vozes dos anseios populares. Daí que fiquem totalmente perplexos quando percebem que o povo pensa bem diferente, e para explicar esse fenômeno, refugiraram-se na crença de que o povo é manipulado pela mídia. Como se o povo lesse editorial de jornal.

    Fazendo uma análise isenta, não há dificuldade alguma em entender o que aconteceu no país desde a primeira eleição de Lula. A mídia fez campanha contra ele desde o início, mas enquanto a economia andou bem e as condições de vida da população melhoraram, essa campanha não adiantou nada, pelas razões que expus acima: o povo não lê editorial de jornal. Mas depois que a economia começou a ratear no primeiro governo de Dilma, o povo começou a ficar impaciente, e o sinal foi dado em 2013. Ainda assim, um último crédito foi dado ao governo em 2014, mas quando ficou evidente o estelionato eleitoral no ano seguinte, o povo abandonou Dilma. E agora está em compasso de espera. Acossado pela violência e pela imoralidade, vendo seus valores enxovalhados pelo espúrio “marxismo cultural”, vendo a esquerda defender bandidos e se opor ao endurecimento da legislação criminal, o povo corre para a religião, e cai no colo dos pastores neopentecostais. Vocês precisam entender que o povo não pensa como vocês.

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