Eleitores arrependidos sem motivo, por Thiago Antônio de Oliveira Sá

Uma pergunta fica: por que a desilusão com o candidato outrora apoiado se, eleito, ele faz justamente o que disse que faria e se porta como sempre se portou? 

Eleitores arrependidos sem motivo

por Thiago Antônio de Oliveira Sá

Embora tenha se estabilizado ultimamente, o número de eleitores do presidente arrependidos aumentou significativamente já nos primeiros meses de mandato. Inclusive alguns cabos eleitorais ilustres já manifestaram publicamente sua decepção. Nenhum presidente democraticamente eleito havia sofrido tamanha queda de popularidade em tão pouco tempo no posto. Uma pergunta fica: por que a desilusão com o candidato outrora apoiado se, eleito, ele faz justamente o que disse que faria e se porta como sempre se portou?

Na escolha do candidato ou candidata, os eleitores geralmente olham para trás e para frente. Examinam seu histórico político e suas promessas de campanha. Avaliam como vem atuado e quais são as perspectivas de sua atuação futura.

É duro reconhecer, mas se há uma coisa de que Bolsonaro não pode ser acusado é de traição, de estelionato eleitoral. Infelizmente, ele é homem de palavra. Ele fez e vem fazendo justamente o que disse que faria. Por mais duro que seja reconhecê-lo, é fato que o presidente se manteve coerente. Ele é o mesmo pré e pós-eleições. Finda a apuração de votos, na sua primeira declaração como presidente eleito o cenário já se delineava: bravatas, português capenga, pobreza argumentativa, reacionarismo, perseguição, invenção de inimigos, esquecimento da laicidade do Estado, incitação ao ódio e à violência e uma lista de retrocessos. Ele é o que sempre foi. E vem sendo o que disse que seria. Exatamente por isso (mas não só) ganhou as eleições. Ignorante, grosseiro, inculto, agressivo, puxa-saco, mentiroso, corrupto, chantagista, descontrolado, arrogante, inútil e autoritário, o fato é que assim convenceu os votantes de 2018. Um exemplo de coerência e linearidade em sua trajetória política. Neste sentido – que ironia – Bolsonaro foi, sim, uma escolha segura. Para quem o elegeu, claro.

Assim, temos um mistério: quais são as razões do arrependimento de tantos eleitores com o candidato eleito, se ele se mantém coerente com seu passado parlamentar e trabalha justamente nas pautas que prometera? Como se decepcionar com alguém que fez exatamente o que se esperava que ele fizesse? E sobretudo quando se votou nele justamente com esta esperança? Onde está a frustração na confirmação das expectativas? Quem se decepciona com a realização de um objetivo?

Ninguém se diga enganado. Foram entregues conforme o combinado sua vassalagem diplomática; sua aversão à cultura, à arte, à ciência e à tecnologia; seu empenho em destruir de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários; sua irresponsabilidade ambiental; seu desmanche da educação; sua ignorância convicta e ostensiva, sua recusa obtusa à perícia, à técnica, aos dados e evidências científicas; sua equipe medíocre, bestializada e lunática; seus palavrões, sua inépcia, sua mediocridade; suas fugas covardes perante jornalistas; suas piadas infames, seu pavor de mulheres, de negros, de nordestinos e de LGBTs; sua obsessão com a sexualidade alheia, com pênis de orientais, com cocôs, com golden showers e escatologias afins; sua cara nos jornais como chacota internacional ao redor do mundo; sua apologia a torturadores e a ditaduras.

O presidente é isso aí. Sempre foi. E fez disso sua plataforma política. E assim angariou eleitores suficientes para se eleger. Não era isso que queriam? Está aí.

A esta altura, pelo que parece, camisa da seleção, coreografia cafona, guerra de memes, fake news e arminha com as mãos não têm alcançado resultados positivos. Pelo menos segundo a Fiocruz, IBGE, INPE… Parece, enfim, que alguns dos que foram iludidos com os autointitulados “nova política” parecem ter descoberto que não há nada mais velho na política do que se declarar da nova política. Como certo partido, que se chama Novo mesmo sustentando agendas políticas do século XVIII. Nada mais antigo do que se vender como novidade.

Aos que não queriam o PT de jeito nenhum, cabe perguntarem-se se o preço pago pela sustentação da rejeição foi justo. Os que buscavam alternativas à direita precisam lembrar que havia outros nomes. Os que fizeram de seu voto um voto útil, precisam agora avaliar sua real utilidade. Quem esperava o posterior ajuste do sujeito à liturgia do cargo, convém deixar de ser criança. A quem mantém o apoio apenas para justificar o voto, óleo de peroba. Aos ressentidos que viram na figura presidencial a oportunidade de uma vingança difusa por espaços e privilégios ameaçados, divã. Aos que queriam implosão, mesmo, parabéns. O fiasco é de vocês.

Se o arrependimento aparentemente não tem causas, pelo menos pode ter consequências, didáticas, quanto ao resgate da política. Neste sentido, compreender as razões dos arrependidos sem razão, as motivações dos decepcionados sem motivo é fundamental para o restabelecimento do jogo, do clima e do arranjo institucional democráticos. Os profissionais de Ciências Humanas têm uma enorme tarefa pela frente: desvendar, mais uma vez, por que “o fascismo é fascinante e deixa a gente ignorante e fascinada” (vamos tomar partido, senhor compositor?). Para que tracemos estratégias de combate de fake news e de formação de bolhas difamatórias, em favor de uma arena séria de debate público. Para que formemos, assim, cidadãos críticos, menos iludidos com discursos beligerantes que escondem a ausência de projetos consistentes de nação. E para que os incautos arrependidos sem motivo não caiam mais nas armadilhas retóricas e midiáticas, e finalmente possam voltar ao convívio social e familiar sem serem lembrados, diariamente, de que foram avisados pelos que avisaram.

Thiago Antônio de Oliveira Sá é sociólogo e professor da Universidade Federal de Alfenas-MG

Redação

12 Comentários

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  1. Essa coisa de político que cumpre aquilo que disse e-ou escreveu não é uma boa. O mais famoso que fez isso chamava-se Hitler (vi uma vez num texto do Paulo Francis que, obviamente, deve ter plagiado de alguém ). Sei que não serve de consolo, mas esse ato de escolher um político da laia de Bolsonaro não é coisa só de brasileiro. Os alemães escolheram Hitler nos anos 30 e recentemente os americanos elegeram Trump ( quer dizer, de forma indireta, pois no voto popular ele perdeu, mas cabe lembrar que esse palhaço laranja obteve 40 milhões de voto – se obtivesse 4 milhões já seria um absurdo ). Normalmente a chegada ao poder de tais figuras acontece porque a elite do país se esfarelou – como é o caso da elite brasileira. Hoje a quase totalidade dessa elite quer é transformar o país num banco que lhe dá rendimentos absurdos e que só sirva pra vender comoddities, enfim um grande fazendão escravocrata. Tornar 100 por cento realidade o trecho da música Haiti , de Gil e Caetano = O Haiti é aqui.

    1. Não se vá comparar Hitler com o bozo.
      O Hitler foi, para os alemães, num momento de crise brutal, um estadista visionário, que elevou a Alemanha de país derrotado na primeira guerra mundial e cheio de dívidas a uma potência autoconfiante, devolvendo a auto estima do povo que, por isso, o apoiou na sua empreitada de conquista.
      Já o bozo, deu aos estrangeiros tudo o que é nosso sem esquecer de fazer do país uma vergonha ao mundo pelo seu comportamento obsceno e suas ações de “governo”.

      1. Na verdade as coisas não são bem assim. A Alemanha só se tormou o que hoje conhecemos foi com injeção de dinheiro norte americano com medo de uma Alemanha “ocidental ” torna-se comunista…

  2. A raiva e seu irmão gêmeo, o medo são os dois piores conselheiros da vida de alguém. Sempre que decisões são baseadas nesta família, toda a chance é das coisas não andarem bem.
    Não fossem elas “fundamentais”, as campanhas em todo o mundo não as utilizavam tanto.

  3. “Ignorante, grosseiro, inculto, agressivo, puxa-saco, mentiroso, corrupto, chantagista, descontrolado, arrogante, inútil e autoritário, o fato é que assim convenceu os votantes de 2018”

    Sim, mas quem foram os meninos-modelo antes dele?

    Tente Aecio Neves e Jose Serra: todas todas todas TODAS as vezes que apareceu corrupcao deles com provas, TODAS AS VEZES sem excessao, o judiciario falhou. Todas.

    Nao eh exatamente o historico de Bolsonaro?

  4. Faço minha as palavras de Nelson Rodrigues: “Os imbecis vão dominar o mundo, não pela qualidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”.
    No caso do Brasil o amor irrestrito a imbecilidade generalizada já faz parte da cultura nacional.

  5. Parece certo que com a evolução da civilidade vêm as conquistas tecnológicas mas evolução tecnológica não significa conquistas civilizatórias. Assim, desmontando a mentira de que tecnologia significa civilidade, parece que toda vez que um grupo de pessoas menos civilizadas assalta outro, mais civilizado, o primeiro vence. Armas são tecnologia. O uso de armas pode ou não ser acréscimo civilizatório.

    Foi assim, por exemplo, que os impérios romano e inglês fizeram, é assim que as pessoas dos EUA, tendo a turma que traz Bolsonaro como garoto-propaganda à frente, estão tentando fazer conosco. Talvez a adesão do vulgo a Bolsonaro, Trump e outros vândalos que-tais esteja relacionada ao fato de que o vulgo sente civilização como prisão e não como conquista.

    – “Ah, a ‘esquerda’ errou quando não fez com o estado como a ‘direita’ faz: destruir o outro lado.”

    É que a ‘esquerda’, tendente ao coletivismo, depende de conquista civilizatória enquanto a ‘direita’, que se apoia no individualismo, apela à barbárie. Quem já ouviu falar em “política agressiva de vendas”? Quem já ouviu comparação entre empresário e feras selvagens? Vai ver é por isso que a ‘direita’ precisa usar calça mais bem vincadas, né? Para disfarçar a barbárie…

    Talvez tenhamos capacidade igual tanto para a barbárie e o isolamento egóico quanto para a civilidade e a coletividade. Se for assim, o que determinaria a opção por uma ou outra seria apenas a educação que recebemos. Será?

  6. Uma conclusão possível é que esses arrependidos são hipócritas e oportunistas. O grande vilão dessa história, penso eu, é o senso comum.

  7. Ante à pergunta “quais as razões para o arrependimento dos que votaram nisso aí…”, a resposta mais óbvia: IDIOTAS ÁS VEZES TAMBÉM DESCONFIAM QUE FIZERAM CAGADA. Por exemplo, uma ex-colega de trabalho passou por mim e eu pedi que votasse em Haddad, ao que ela respondeu: “eu não vou votar em marxista…voto no Bolsonaro” Só que ela não tem a mínima idéia do que é ser marxista, não sabe quem foi Marx, o que escreveu, etc. Ela só sabe o que o idiota de um pastor da igreja dela diz. Ela nunca se preocupou em aprender um pouquinho de história, de economia, de sociologia, etc…. Ela é daquela tontas que xinga políticos, que detesta política…..enfim, é uma besta mesmo. Mas tem nas mãos um tablet onde troca papos furados o dia inteiro, troca-troca de imbecilidades entre imbecís….Mas agora ela pode ter ouvido alguma coisa que o boçal só fala merda mesmo, ela pode ter ouvido falar que a reforma da previdência vai ferrá-la (apesar de já estar aposentada), pode ter ouvido falar que o Moro é um bandido criminoso que ajudou a enganá-la com a lava jato…..pode, enfim, ter ouvido muita coisa que não cabe na cabeça cheia de merda que ela tem……..e daí, arrependimento pra ela é passageiro, amanhã um Dória se candidata a presidente e ela vota……bom mesmo seria se esses estrumes começassem a ser degolados………se um câncer matasse, com muita dor, cada tonto e tonta que votou nesses lixos……..e se existisse mesmo esse tal de deus, que ele mostrasse justiça matando essas merdas todas……porque nós, brasileiros de merda, não servimos nem pra isso: pra pisar nas baratas….

  8. Não é bem assim. É bom lembrar que o colunista mesmo escreveu que ele é MENTIROSO. Ele mentiu sobre diversos temas, sendo o mais sensível o que diz respeito a REFORMA DA PREVIDÊNCIA. Outros tantos votaram nele sob pressão dos patrões. Incrível mas é verdade. O povo também estava hipnotizado pela “santidade da Lava Jato” que satanizou o PT e os demais políticos. O Bolsonaro foi o que restou para opção a polarização. E outro ponto importante é que o povo percebeu agora com clareza que Bolsonaro é MAIS DO MESMO.

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