Em busca da sociabilidade e da esperança perdidas, por Maria José Trindade

Em busca da sociabilidade e da esperança perdidas

por Maria José Trindade

“O país real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco.”
Machado de Assis, “Diário do Rio de Janeiro”, 29/12/1861

Escrita a quase 156 anos, quando o Brasil não havia abolido a escravidão e ainda não éramos República, a frase do Bruxo do Cosme Velho retrata um país dividido e pouco evoluído na sua prática política.

De lá pra cá não avançamos muito. Continuam a sobreviver dois brasis. Um, verdadeiro, feito de um povo bom e trabalhador. Outro, de grandes contradições, no qual a classe política nos envergonha e a elite insiste em jogar nas contas da previdência e das relações de trabalho o rombo que seria tapado algumas vezes, com sobra, com os números inacreditáveis da corrupção.

O Brasil desaba ante nossos olhos. Temos uma elite atrasada, um governo ilegítimo, congressistas prostituídos e juízes corrompidos. Estes devem constituir os 5%, segmento que, segundo pesquisas recentes, aprovam o atual governo. Reflexo da desordem institucional, a vida social, no andar de baixo, desgastou-se com polarizações e radicalizações. Para nos protegermos, isolamo-nos num mundinho particular. Qual drogados políticos, zanzamos feito zumbis, numa pasmaceira geral. Perdemos a sociabilidade e, em alguns casos, abdicamos até da convivência familiar.

O país se liquefaz. Enquanto isso, recusamo-nos a levantar a bunda da cadeira para manifestar indignação. Estive presente em todas as manifestações de insatisfação contra o rompimento da ordem institucional. Vi minguar, pouco a pouco, a participação das pessoas. Cansaço? Desesperança? Desilusão? Desânimo? Pode ser um mix disso tudo. Mas há algo que deve prevalecer. Para que o Brasil “dos melhores instintos” prevaleça sobre o Brasil oficial “caricato e burlesco” é indispensável que nós, cidadãos, façamos um pacto politico-civilizatório, a despeito das diferenças ideológicas que nos separam. Isto significa escolher entre dois brasis, conforme definido pelo Bruxo do Cosme Velho. Precisamos estabelecer uma pauta mínima capaz de nos unir e nos fazer sair do buraco em que estamos metidos. Não sou tatu pra gostar de buraco e estou convencida de que escolher sempre custa alguma coisa. Se não for questão de princípio, topo negociar.

 

Redação

2 Comentários

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  1. Olá debatedora,
    eu também

    Olá debatedora,

    eu também topo negociar.

    Mas, em que condições?

    Vejamos algumas s perguntas:  

    Como se daria essa negociação? 

    Qual é o tipo de “contrato” que vai sair  dessa negociação?

    Quais as partes que estarão presentes nessa  negociação? Serão as próprias partes interessadas ou seus “representantes”? 

    Etc.

     

    As dúvidas são importantes porquanto , já se sabe que no Brasil,  a “negociação” sempre é do tipo “contrato de adesão”. Sabe? Conhece?

    Mais ou menos assim:

    O contrato já foi feito por uma das partes. Tipo contrato de plano de telefonia móvel.

    Aí , você, mero consumidor, chega na loja, recebe uma senha, é chamado, assenta  e começa a conversar com o “atendente” ( uma espécie de representante daquele que já fez o contrato) .

    Conversa vai, convesa vem, fala, fala, fala e ao final, assina o contrato de adesão.

    Pronto! Negociação feita.

    Esse é o tipo de “negociação” no Brasil.

    Logo, para esse tipo,  vai o meu : não obrigado.

     

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