
Em defesa de Maria Antonieta
por Fábio de Oliveira Ribeiro
Nenhuma outra rainha foi tão odiada quanto Maria Antonieta. Ela se tornou o símbolo da opressão monarquista e foi decapitada após uma condenação juridicamente duvidosa. Os motivos pelos quais me proponho a fazer a defesa dela são vários.
Acredito firmemente que qualquer ser humano é dotado de dignidade e merece o direito de se defender. Este é um dos maiores legados da própria Revolução Francesa. Como todo advogado, eu também me sinto tentado a examinar processos famosos e a exercitar minha eloquência defendendo casos perdidos. Por fim, a defesa de Maria Antonieta me proporcionará a oportunidade de esquecer por algum tempo a situação lamentável em que todos nos encontramos.
Viúva de Luiz XVI – o rei havia sido condenado e executado em 21/01/1793 – a rainha francesas foi acusada de três crimes: “esgotamento do tesouro nacional”, “negociações e correspondências secretas” com o inimigo e “conspiração contra a segurança nacional e a política externa do Estado”. Não havia prova dos crimes, apenas a convicção de que ela era culpada.
Dos crimes atribuídos à Maria Antonieta, o primeiro é o mais absurdo. O erário público havia sido esgotado sim, mas em virtude da decisão do rei e dos ministros dele de gastar rios de dinheiro para ajudar os norte-americanos a se tornar independentes da Inglaterra.
A rainha não tinha qualquer participação na formulação da política externa e econômica da França. Além disso, segundo Jean Tulard (História da Revolução Francesa 1789-1799, Paz e Terra, São Paulo, p. 27) as despesas da corte, incluídas as que eram feitas pela rainha, totalizavam apenas 6% do orçamento.
Se compararmos o que ela realmente teria gasto (uma fração de 6% do orçamento) com o que foi desperdiçado por Luís XVI em virtude dos tratados de Aliança e de Amizade e Comércio assinados com os norte-americanos em fevereiro de 1778 e com a subsequente declaração de guerra à Inglaterra é evidente que a primeira acusação feita contra a rainha não se sustentava. Quem realmente arruinou as finanças da França foi o rei e não a rainha.
Nesse ponto, é inevitável fazer uma pergunta incômoda. Maria Antonieta havia se tornado odiada por causa do consumo de objetos de luxo ou porque despertou a inveja das mulheres parisienses pobres que participaram ativamente da revolução francesa?
Um detalhe importante é quase sempre esquecido quando os detratores de Maria Antonieta condenam seu comportamento. O gasto com luxo era um corolário da teoria econômica desde o século XVII.
“A defesa do consumo de luxo por numerosos autores dos séculos XVII e XVIII era uma resposta a períodos em que a demanda era considerada inadequada.” (História da Economia, Roger E. Backhouse, Estação Liberdade, São Paulo, 2007, p. 158)
Os faraós construíram pirâmides para manter o população ocupada durante a entressafra. Os reis do século XVIII aumentavam as despesas com objetos de luxo em períodos de contração econômica para estimular a atividade produtiva e para irrigar monetariamente a economia. Se o dinheiro ficasse entesourado as crises cíclicas dos séculos XVII e XVIII seriam solucionadas ou agravadas?
Maria Antonieta fez o que uma rainha deveria fazer. Ela foi condenada não por causa de sua conduta e sim em virtude do ódio que já havia começado a destruir todas as distinções e hierarquias sociais antes mesmo da tomada da Bastilha. No momento em que a igualdade passou a ser violentamente defendida não havia mais qualquer possibilidade da racionalidade econômica monárquica ser levada em conta.
As duas últimas acusações são risíveis. Quando foi formalmente acusada, Maria Antonieta estava presa. Mesmo que quisesse, ela não poderia negociar ou se corresponder com aliados sem a ajuda daqueles que a mantinham no cárcere. Sem acesso às rendas do tesouro francês desde a prisão em junho de 1791, a rainha deposta não estava em condições de colocar em risco a segurança nacional ou a política externa do Estado.
Durante o julgamento “…o deputado Jacques-René Hébert apresentou ao tribunal uma acusação de incesto contra Maria Antonieta que, à época, estava impedida de ver seu filho, de apenas oito anos. A ex-rainha permaneceu impassível, até que foi inquirida novamente. Visivelmente agitada, ela levantou-se e exclamou: ‘Se não respondo, é porque a própria natureza se recusa a responder a tal acusação feita contra uma mãe! Faço um apelo a todas as mães presentes.” Maria Antonieta teve o apoio dos cidadãos da audiência e o julgamento foi interrompido por dez minutos.” https://pt.wikipedia.org/wiki/
Essa modificação da denúncia não seria possível nos dias de hoje. Na verdade, desde meados do século XVIII juristas como Cesare Beccaria já haviam começado a questionar a prática medieval de atribuir ao réu durante o processo um crime do qual ele não havia sido formalmente acusado.
Ao defender sua honra, entretanto, Maria Antonieta apelou para o decoro das mães presentes e não para o art. 7.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. É difícil não considerar justa e adequada sua indignação manifesta de uma maneira tão eloquente.
Sem qualquer relevância política ou relação com os artigos da denúncia, a inovação da acusação feita por Jacques-René Hébert revela apenas uma coisa: que alguns revolucionários continuavam aferrados aos preconceitos jurídicos que a revolução francesa supostamente tinha abolido. Ironicamente, o deputado revolucionário havia esquecido que “Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas.” (art. 7.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789).
Todas as pessoas envolvidas no processo de Maria Antonieta odiavam a monarquia, algumas delas provavelmente também nutriam ódio pela pessoa da acusada. Naquele período turbulento da história francesa, qualquer um que demonstrasse simpatia pela família real corria o risco de se tornar suspeito de traição.
Quem fosse acusado desse crime estava apenas há alguns passos da guilhotina. O processo no Tribunal Revolucionário – que seria restabelecido em 29/10/1793, ou seja, 13 dias depois da execução da rainha – era sumário e não comportava apelação. Diante do Tribunal que a julgou e naquelas circunstâncias, Maria Antonieta não tinha qualquer chance. A condenação dela já havia sido decidida antes mesmo da acusação ser formalizada.
O processo que resultou na sentença de morte da rainha francesa deposta foi uma farsa desnecessária da Revolução Francesa. Maria Antonieta foi condenada porque era um símbolo da monarquia. No momento em que foi executada a viúva de Luís XVI era apenas uma mulher de meia idade doente, solitária e indefesa. Essa é a mulher que me propus a defender aqui, a defesa da monarquia e da desigualdade social não me interessa.
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Preciosismo besta. Reis mandavam cortar a cabeça de rainhas, príncipes e outros sem o mínimo julgamento, rainhas envenenavam os reis e filhos para se aproximar do poder, agora ficar de pruridos republicanos quando nem existia isso é uma piada, coisa de advogado mesmo.
Entendemos a gigantesca perda de tempo de alguns tentando defender Lula e Dilma. Ainda bem que não existem mais guilhotinas !!! Não é Lula quem está errado, muito menos o PT ou Maria Antonieta. É o Povo que nasceu na Complexo do Alemão, no Morro do Juramento, na Vila do Cruzeiro, na Favela de Heliópolis, de Paraisópolis ou na Paris miserável. Viu Filhos e Netos, Pais e Avôs nascerem e morrerem entre a miséria e falta de representatividade, liberdade e auto-determinação. Errado sim está o Povo, a História e a Guilhotina.
Se o justo é aquilo que o dominante diz ser justo, meu caro, você não tem motivo algum para discordar dos abusos cometidos contra Dilma, Lula e qualquer outro petista. Ainda bem que você não é advogado. Caso fosse, você provavelmente defenderia a presunção de culpa e a letigimidade de julgamentos proferidos por Tribunais parciais.
Fábio de Oliveira Ribeiro : “…Se o justo é aquilo que o dominante diz ser justo, meu caro, você…” está na Redemocracia Brasileira que surge com a Anistia de 1979 sob uma tal Constituição Cidadã entre 30 anos de Partidos Progressistas PSDB e PT? Sabemos. Alguns tentam condenar aos outros. Sempre os outros.
As considerações do Fábio de Oliveira procedem mas a conclusão não. A verdade é que não há justiça possível em circunstâncias como as de uma revolução. Robespierre que era genial e não o tiranete retratado por alguns historiadores, sabia perfeitamente disso. No julgamento do rei, disse aos seus colegas de assembleia: isso não é um julgamento, Luis não é réu, vocês não são juízes, não se trata de produzir uma sentença e sim uma medida de salvação pública.
É duro e cruel, mas direto e honesto, como costumam ser as revoluções.
O julgamento da rainha deve ser visto no mesmo contexto.
Isso sem entrar no mérito de que ela sim, conspirou contra a França com seus parentes austríacos, conspiração esse que culminou com o insuportável ultimato de Brunswick contra o povo de Paris.
Dos três poderes, o último em que vim a perder a fé foi o judiciário.
O Executivo nunca me pareceu grande coisa, o legislativo menos ainda.
Mas o judiciário, por ser, supostamente, ocupado apenas por gente com formação superior e “notável saber jurídico”, sempre me mereceu um olhar mais atento e, admito minha ingenuidade, reverente.
É claro, nacionais luminares deste poder, ainda na ativa ou já retirados, foram minando essa visão, e eu perdi minha última ilusão.
Não é preciso mencionar nomes, claro.
Agora, se hoje, em audiências públicas transmitidas pela internet, ou tornadas públicas quase imediatamente após, vossas excelências perpetram os absurdos a que todos nos acostumamos ultimamente – e que também não é preciso mencionar aqui – por que se preocupariam com a repercussão dos mesmos, no século XVIII?
Maria Antonieta estava do lado perdedor da Revolução francesa. Para além de suas culpas, malfeitos, ou toda sorte de desatino que a ela se atribua, seu destino foi selado pela queda do Regime. Robespierre, mencionado em um comentário nesse post, sabia disso, mas não teve força para impedir a execução do Rei, e nem a sua própria, tempos depois. Afinal, o Terror é para todos, em primeiro lugar para os que perdem, e em segundo lugar para os que se compadecem – de si e dos outros – e, por via de consequência, perdem.
O que me deixa descrente de tudo é que, os vencedores – e, aqui, deixem-me citar alguns, Churchill, Truman, Johnson, Kissinger, os Bush – igualmente criminosos pelas consequências de seus atos, e, às vezes com crimes muito piores nas costas do que a Maria Antonieta, permanecem inalteradamente louvados, consagrados como benfeitores da humanidade, agraciados com prêmios e sinecuras.
E antes que me critiquem por não mencionar Stálin e Mao, esclareço que tenho perfeito conhecimento de que são considerados criminosos e, que de fato, capitanearam regimes violentos que se utilizaram do terror; mas a fonte dessas informações, que geram poderosas ‘convicções’, ao menos para o vulgo, é a grande mídia corporativa do Ocidente cristão, a mesma mídia que oculta ou passa pano para os crimes cometidos pelos políticos que mencionei.
Não quero criar polêmica, apenas sinalizar que essa grande mídia corporativa costuma dividir o mundo monoliticamente entre Bem e Mal, e quem adota essa postura, geralmente, se coloca ao lado do Bem.
Quem vive ou viveu sob esses regimes é que pode informar, ainda que de forma incompleta ou enviesada, o que de fato eram. Com prós e contras, mas aqui só se fala dos contras.
Quanto aos nossos regimes, aqui no Ocidente Cristão, a grande mídia só mostra os prós, quando a cadeira está ocupada por gente de seu agrado, e os contras, quando ocupada por gente desagradável. No primeiro caso, quando não há prós, inventa-se; no segundo caso, a mesma coisa.
Entre a realidade e a lenda, se a lenda é mais vantajosa, publique-se a lenda.
https://revistaforum.com.br/midia/petkovic-rebate-apresentador-por-afirmacao-sobre-stalin-sanguinario-pera-ai/
https://www.youtube.com/watch?v=rWYIZ6Xrlpo
https://www.youtube.com/watch?v=f3IUU59B6lw&t=449s
Concordo em número e grau com o Fábio. Perfeito. Toda a História tem que ser revisada. Porque a França resolveu se suicidar dando montanhas de dinheiro aos inimigos (os americanos conluiados com a pátria mãe)? Havia elementos infiltrados no Poder Francês. Luiz XVI era um imbecil?
Reis e rainhas nunca foram seres superiores, mas sim, seres comuns manipulados pelos espertalhões de sempre.
eu adorei a revoluçao fransesa