Era um MP muito engraçado, não tinha princípios não tinha nada, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Os agentes do mercado podem defender seus próprios interesses. Os interesses que o MP foi criado para defender são públicos e não se confundem com os do mercado.

Era um MP muito engraçado, não tinha princípios não tinha nada

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Em junho de 2016, o então Procurador Geral da República Rodrigo Janot compareceu ao Fórum Econômico Mundial Davos e proferiu um discurso dizendo que a Lava Jato era pró-mercado. Essa foi a primeira oportunidade em que o Ministério Público mostrou que havia se tornado uma instituição com ambições extra-constitucionais.

O art. 127, da CF/88 outorgou ao Ministério Público poder/dever para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. É evidente que o MP não pode defender o mercado. Afinal, o que a imprensa costuma chamar de “mercado” é um amalgama mal definido de interesses privados disponíveis conflitantes e que não raro entram em conflito com o próprio Estado.

Agentes do mercado financiam grupos antidemocráticos e custeiam campanhas publicitárias contra os direitos sociais dos trabalhadores brasileiros. O mercado tem feito tudo que para sabotar a ordem jurídica instituída em 1988. A liberdade de expressão e o direito de propriedade são garantidos pela constituição. Portanto, os agentes do mercado podem defender seus próprios interesses. Os interesses que o MP foi criado para defender são públicos e não se confundem com os do mercado.

O fato de Rodrigo Janot ter proferido aquele discurso num Fórum privado internacional deveria ter sido suficiente para que ele fosse removido do cargo. Não compete ao PGR interferir na política externa do Brasil. A formulação e a gestão dela é outorgada por Lei ao Itamaraty. Quem representa o país no exterior é o presidente da república ou quem ele designar para cumprir funções diplomáticas.

A anomalia ficou ainda mais evidente quando a Vaza Jato provou que as relações entre Deltan Dellagnol e agentes públicos dos EUA não foram travadas dentro dos limites da legislação brasileira e internacional. O procurador lavajateiro contornou o Ministério da Justiça e assumiu obrigações como se pudesse representar o Brasil no exterior.

Dellagnol não foi punido pelo CNMP. A violação da competência do MP e dos limites institucionais impostos aos procuradores se tornou o novo normal. Tanto que a Lei nº 13.869/2019 foi promulgada para tentar frear o ímpeto político dos promotores estaduais e procuradores federais.

Entretanto, já ficou evidente que a anomalia institucional está crescendo. Esta semana o MP gaucho anunciou que tomou providências contra um jornalista e em benefício dos policiais que ele supostamente teria ofendido.

O pedido do promotor que subscreveu a ação pode e deve ser rejeitado pelo Judiciário. Eis aqu alguns motivos:

1- a liberdade de imprensa é GARANTIDA pela Constituição Cidadã;

2- a atividade policial NÃO é imune à critica jornalística;

3- a repressão econômica da imprensa equivale à CENSURA proibida pela CF/88;

4- a promotoria tem o dever de fiscalizar a atividade policial e não pode defender os interesses patrimoniais dos policiais.

O abuso cometido pelo promotor pode e deve ser levado ao conhecimento do CNMP. A conduta dele também merece ser avaliada à luz da referida Lei nº 13.869/2019. Todavia, me parece evidente que  Voltaire de Freitas Michel  poderá se defender dizendo que é pró-policiais. Janot disse que era pró-mercado em Davos e não foi punido. A punição dele seria um exagero desnecessário. Blá, blá, blá…

Podemos supor o promotor que protagonizou esse episódio tem conhecimento dos limites impostos ao cargo que ocupa. Mesmo assim, ele preferiu testar a possibilidade de transformar o MP num órgão com poder político extra-constitucional. A ação comentada visa causar prejuízo econômico ao jornalista com o intuito de obrigá-lo a parar de criticar a atividade policial.  Voltaire de Freitas Michel também colocou em xeque a aplicação ou não Lei nº 13.869/2019.

As duas causas de pedir acima mencionadas, que foram obviamente ocultadas do processo ajuizado em benefício dos policiais, evidenciam um aumento assustador da politização no MP do Rio Grande do Sul. Além de se desviar de sua missão de controlar externamente a atividade da polícia (art. 129, VII, da CF/88), o promotor exibiu publicamente seu desdem pela obrigação lhe imposta pela Constituição Cidadã. Na versão dele da constituição os interesses privados mesquinhos dos policiais são mais valiosos do que as normas de direito público que devem orientar a atividade do MP.

O que mais devemos esperar? Promotores cobrando honorários de sucumbência caso suas acusações criminais resultem em condenações? A celebração de contratos de honorários com as pessoas ou instituições beneficiadas em virtude da censura jornalística obtida mediante chantagem judiciária?

Fábio de Oliveira Ribeiro

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