Finados e a densidade desse dia particular, por Mariana Nassif

Finados e a densidade desse dia particular, por Mariana Nassif

Oyá ganha de Obaluaê o reino dos mortos

Certa vez houve uma festa com todas a divindades presentes.
Omulu-Obaluaê chegou vestindo seu capucho de palha.
Ninguém o podia reconhecer sob o disfarce
e nenhuma mulher quis dançar com ele.
Só Oyá, corajosa, atirou-se na dança com o Senhor da Terra.
Tanto girava Oyá na sua dança que provocava o vento.
E o vento de Oyá levantou suas palhas e descobriu o corpo de Obaluaê.
Para surpresa geral, um belo homem. 
O povo o aclamou por sua beleza.
Obaluaê ficou mais que contente com a festa, ficou grato. 
E, em recompensa, dividiu com ela o seu reino.Fez de Oyá a rainha dos espíritos mortos,
Rainha que é Oyá Igbelé, a condutora de eguns.
Oyá então dançou e dnaçou de alegria.
Para mostrar a todos seu poder sobre os mortos,
quando ela dança agora, agita no ar o iruquerê,
o espanta-mosca com que afasta os eguns para outro mundo.
Rainha Oyá Igbalé, a condutora dos espíritos.
Rainha de foi sempre a grande paixâo de Omulu.

*** Reinaldo Prandi, A Mitologia dos Orixás

Tem algo sobre os mortos que sempre pesou em mim.

Não. Sobre os mortos não: sobre a densidade das energias. Mortos também são só catiços, as entidades que inclusive me acompanham e abrilhantam a existência por aqui e, então, seria má observadora se simplificasse a análise. Portanto, há em mim algo sobre a densidade das energias. 

Sou dessas que num incêndio salvam o fogo, para quem as intensidades da vida são latentes, pulsantes, sensoriais. Amo ser assim, cultivo e cultuo minha essência com particular preferência pelo que me faz sentir e, então, algum exerício é preciso paea lidar com o outro lado da coisa – quando é bom, é muito bom, mas quando é ruim…

O dia de finados é, desde sempre, um feriado que mexe por aqui. Insônia, choros, sensações descabidas sobre o que se passa. Alguma tormenta acaba acontecendo e, quando percebo, ops, é a data. Absorção, desligamento, muita reza. Nenhuma vela será acendida hoje, entretanto, porque para uma filha de Oyá isso pode ser como se chamasse os eguns pra brincar. Recém iniciada que sou, demando e conclamo cautela. 

Alguns rituais, entretanto, estão sendo desvendados: como na dança de Oyá com Obaluaê, belezas surgem de onde se espera dor e ferida. Busco manias e trajetos e os quero cuidar, não mais esquecer. Ressignificar deve ter um tanto disso: pegar uma tradição e dar outra cara, outro jeito, outro tom, outra cor. No embalo dos ventos de minha mãe, aprendo novos passos e deixo de me sentir assustada com aquilo que não vejo, meus próprios fantasmas e sim, entendo que sou eu quem os conduzo, rainha de mim. 

 

Mariana A. Nassif

4 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. não só beleza……………………………………………

    há quem diga que as palhas são para proteger de um brilho intenso

     

    há segredos no sol

  2. Sabedoria é sempre bem vinda!

    Que curioso! Sou completamente leigo em religião africana, por isto não deixo de me encantar. Então, acender vela atrai eguns (espíritos, é isto?). Como cristão, pensei que os alcamasse. Certa vez estava tão atormentado em um período de profunda tristeza. Fui à Igreja das almas e acendi uma vela. Rezei muito e pedi paz, não pra mim, mas para aqueles que me induziam um sentimento angustiante. Deu certo. Deu muito certo! Saí dali com a impressão de que estava centrado novamente. O peso doloroso nos ombros desapareceu. Me senti com a idade que tinha. Não o velho que por muitas vezes sinto ser. Parece loucura, mas é como se certos sentimentos que me atormentam não fossem meus de fato.

    Enfim, quando estou mal, acendo velas. Pra mim funciona. Rezo e peço por aqueles que vejo, percebo, ouço. Já me acostumei e não me sinto tão autocrítico comigo mesmo, buscando ajuda médica, com medo de enlouquecer. Já não escondo. Não tenho medo nem de contar e nem do que me passa. Os que estão em minha volta já aceitam como natural. Culturalmente, não me identifico com a matriz africana, embora respeite muito e tenha consciência de que toda sabedoria sincera é bem vinda. Me ajuda muito, embora sinta estar desrespeitando um espaço que não é meu quando visito um centro. Não me senti bem. Me senti culpado por estar lá, tentando analisar tudo. Pra ir num lugar destes, temos que ir com fé, não com curiosidade. Isto não é legal.

    Vou relfetir sobre este aprendizado que você me apresentou. Tenho certeza de que tem fundamento. Vai ser bom. Obrigado.

  3. sou de acreditar que não atrai nem espanta…

    só concentra a atenção…………………………………………………………………..

     

    luz de vela é um pontinho de amor no outro lado, fora do alcance da solidão que nos pesa e inclina

     

    uma flor também é um pontinho de amor

  4. Amei seu texto.

    Obaluaiye é um orisá tão temido pelas pessoas mas o que acontece de fato é a falta de compreensão. E Oya por suas vez, em vários itans, mostram a nós como a nossa falta de empatia deixa o pré-conceito falar mais alto. Motumbá ase!

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador