Flores para Dória, por Vinícius Canhoto

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Flores para Dória

por Vinícius Canhoto

O fato do prefeito de São Paulo João Dória ter dedicado as “flores do mal” à presidente eleita Dilma Rousseff e ao ex-presidente Lula após ter atirado as flores que recebera como um belo e criativo protesto de uma ciclo-ativista não deixa de ter grande caráter simbólico que o alcaide paulistano infelizmente não tem cultura para compreender. O primeiro aspecto simbólico foi a grosseria pouco civilizada de atirar as flores na rua. Incapaz de suportar a ironia do gesto político da ativista de “dar flores, inclusive ao adversário”, o prefeito, tão preocupado com a própria imagem, transmitiu ao vivo e a cores a imagem de um ser intolerante e de um indivíduo que não respeita um princípio básico para qualquer cidadão: não jogar objetos na rua, mesmo que sejam flores.

Não satisfeito com a reação infeliz, Dória tentou politizar a questão ao dedicar as “flores do mal” a Lula e Dilma. Nesta fala, o inculto alcaide inconsciente e indiretamente se remete a Baudelaire. Caso tivesse uma cultura que transcendesse as páginas da revista Caviar Lifestyle, Dória conheceria o contexto em que a obra de Baudelaire foi criada, a modernização de Paris empreendida pelo prefeito Haussmann. O projeto de modernização de Paris, chamada por Walter Benjamin de “embelezamento estratégico”, que implicava em uma reforma urbana, transformou a antiga cidade medieval, cheia de ruas tortuosas e moradias insalubres, na metrópole moderna que hoje atrai turistas do mundo inteiro. Não vamos nos aprofundar aqui nas contradições desta reforma, que expulsou as camadas pobres da população para a periferia, tampouco vamos anacronicamente imaginar o quanto uma operação como a Lava-jato teria a descobrir nas obras e empreitadas da reforma urbana haussmanniana. O importante aqui mencionar é o fato de que o processo de modernização de Paris provocou tamanho mal-estar em Baudelaire, que o poeta construiu a monumental obra Le Fleurs du Mal e cunhou a expressão modernidade. Portanto, Dória simbólica e ignorantemente presenteia, sem perceber, seus adversários com poesia. O tiro saiu pela culatra.

O inculto alcaide tem feito jus à criatividade de seus críticos quando se veste de varredor de rua e é chamado de cosplay de gari. Interessante pensarmos no conceito cosplay porque este reúne em si a idéia de brincadeira e interpretação à idéia de fantasia, portanto, trata-se apenas da imagem e do imaginário que esta fantasia transmite, ou seja, nada é real. O mesmo vale quando Dória é chamado de prefake, termo bastante adequado a um prefeito virtual, que gosta de se utilizar das redes sociais para demitir secretário de governo e admoestar funcionário público (em público) diante das câmeras. Nada mais fake, nada mais falso, para alguém que se propagou e se vendeu como administrador. No entanto, a realpolitik já começa a cobrar a sua fatura. No interior do cotidiano e suas contradições não há como editar imagem, não há media training, não há equipe de marketing. No debate político real é impossível manter o slogan de “João trabalhador” e relacionar este factóide com o mero hábito de acordar cedo. João Dória não é e nunca foi trabalhador. Isso é uma premissa histórica e sociológica básica. Como um verdadeiro trabalhador pode ser proprietário de uma revista chamada Caviar Lifestyle? Nada mais fake, nada mais falso. Tão fake quanto a vã tentativa do “João trabalhador” em transformar o 1º de Maio (Dia do Trabalhador) em Airton Senna Day. Cada vez mais Dória se transforma em Dorian Gray. Como desconfio que o inculto alcaide não tenha lido Oscar Wilde, explico o exemplo. Cada vez mais o Dória real se distancia da imagem do Dória pintado pela publicidade. Com o passar do tempo, o cabelo bem cortado, os dentes clareados, o pulôver, serão incapazes de esconder uma deterioração, não apenas política, sobretudo, cultural.

Diante desta wave (onda) de criatividade na web, que se apropria do inglês da mesma forma que o latim foi apropriado pelos povos “bárbaros”, o que resultou na criação das línguas neolatinas, quero cunhar aqui mais um termo colorido como as flores para compor o figurino cosplay do prefake Dória junto ao seu indefectível pulôver: new-Collor. 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. Presentar Dória com flores é como lanaçar pérolas aos porcos

    Receba as flores que eu lhe dou

    Meta sua grandeza
    no banco da esquina,
    vá tomar no verbo
    seu filho da letra
    meta sua usura
    na multinacional
    vá tomar na virgem
    seu filho da cruz.

    Meta sua moral,
    regras e regulamentos
    escritórios e gravatas
    sua sessão solene.

    Pegue e junte tudo
    passe vaselina
    enfie, soque, meta
    no tanque de gasolina.

  2. Os Amores na mente, as Flores no chão

    Os amores na mente, as flores no chão
    A certeza na frente, a história na mão
    Caminhando e cantando e seguindo a canção
    Aprendendo e ensinando uma nova lição

    Pelos campos há fome em grandes plantações
    Pelas ruas marchando indecisos cordões
    Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
    E acreditam nas flores vencendo o canhão

    Geraldo Vandré

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