Gerações frente ao Golpe, por Matê da Luz

Gerações frente ao Golpe, por Matê da Luz

O diálogo acima não aconteceu realmente, mas na minha cabeça, pelo que venho acompanhando nos últimos dias entre as gerações dela – quase 19 – e a minha – algo entre 35 e 40 – para nós, os mais velhos, está mais difícil da ficha cair. Para meus tios, pai e mãe, que já vivenciaram fases da ditadura no passado, acho que existe uma sensação ainda difícil de descrever, mas sei do envolvimento político de cada um deles e, especialmente, da ala jornalística da família – que tenta aplacar o emocional para colocar em palavras a informação, esta que também anda contraditória e explosiva nos meios de comunicação, especialmente o online: se você ainda não tem uma conta no Twitter, este é o momento certo para se apaixonar pela rede.

Acredito que minha geração tenha enorme dificuldade em absorver o golpe por diversos motivos, dentre eles nosso desenvolvimento enquanto indivíduos ter se dado num momento mais estável da economia e, ainda, por ter acompanhado um momento histórico do País em desenvolvimento, justamente na era Lula. Parece improvável que tudo isso esteja realmente acontecendo e que, enfim, estejamos em negação, apesar de estarmos acompanhando com olhos atentos e coração na mão, quem sabe esperando uma salvação pro minuto final.
Para minha filha e seus amigos, a palhaçada já começou no “impeachment” e, de lá pra cá, ou ficaram ainda mais alienados politicamente ou se engajaram naquilo que entendem como possível e, em suas palavras, pelo que realmente vale a pena batalhar.

Entendo estas duas posturas – a espera por um milagre, que assim seja; e a opção de se envolver somente com o que pode dar resultado – como uma fusão de vivencias e experiências pessoais e não tenho critérios para opinar se um caminho invalida o outro. O que sabemos, ambas, e por conta do nosso entorno, é que nada vai melhorar assim, muito rápido ou quiçá em tempo de assistirmos. Contei pra ela que, quando pequena, acompanhei minha mãe na volta das eleições diretas e ela me negou o pedido de votar por ela, algo que me parecia comum, alegando o tamanho do momento, a volta da democracia, as eleições diretas. Será que viveremos isso? As interrogações deste momento me atormentam como mãe, como mulher, como candomblecista e como pessoa.

Me considero pouco engajada politicamente, mas meu entorno está abastecido de pessoas críticas e que têm sapiência necessária para me contextualizar e, aos meus olhos, o que está acontecendo, além de anti-constitucional, beira o espetáculo de queda de princípios morais e cívicos deste país. Uma tristeza tomou conta por aqui, o medo do que vai acontecer e, ainda, a preocupação sobre quais escolhas fazer sobre o futuro, este que já é amanhã.

O aperto no peito que está presente desde antes de ontem se parece muito, muito mesmo, com aquele que aparecia quando, nos passeios da escola, o professor apontava o salão do DOPS, ali de longe, e a gente sabia mas não tinha certeza, o que tinha acontecido ali.

Agora a gente sabe e, enfim, está cara a cara com este momento novo, de novo.

  • Oi, filha, tudo bem?
  • Tudo, e você?
  • Tô aqui assustada com o julgamento do Lula…
  • Mãe, o que você não entendeu sobre “o grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”?

 

Mariana A. Nassif

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