Gilmar Mendes, um dos nossos improváveis Macunaíma, por Eduardo Ramos

Podemos especular vários motivos para que tenha sido tão cáustico, duro, irônico muitas vezes, e devastador contra os procuradores e o ex-juiz.

Gilmar Mendes, um dos nossos improváveis Macunaíma

por Eduardo Ramos

Gilmar Mendes é desde sempre na sua vida pública um homem de personalidade diferente e forte. Não a toa provoca admiração e ódio alternados em vários segmentos políticos e sociais – apesar de ter pautado seus discursos e ações sempre apoiando partidos e lideranças de direita, especialmente em relação ao PSDB e ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que o colocou no STF e a quem serve com lealdade há algumas décadas.

Mas o interessante em sua personalidade é que consegue em alguns momentos cruciais da História recente brasileira, “acomodar” essa lealdade à direita à lealdade mais importante de todas, na vida: a do homem consigo mesmo, suas crenças mais basilares, seus princípios de vida mais essenciais. E é isso que torna sua trajetória fascinante – enquanto os outros têm um padrão único de comportamento, o ministro consegue inovar, surpreender, a ponto de lamentarmos não ter escolhido uma vida mais ética, mais reta, pautada apenas nos valores democráticos e da busca, por exemplo ao que é justo.  Praticamente em todas as ocasiões em que teve que escolher a ética, a justiça, a verdade, ou destruir um adversário político enquanto blindava os amigos, sem pudor algum optava pela escolha ideológica ou pessoal – amizades – quando salvava a pela de corruptos contumazes – como fez com Aécio e Temer – e colaborava com a destruição dos adversários – como fez com Dilma e Lula.

Porque então elevá-lo à condição de um “Macunaíma contemporâneo”, o que parece ser desbragadamente exagerado para Gilmar Mendes, se pensamos em Macunaíma como um “malandro brasileiro inocente em grande parte”, uma inocência que chega a ser patética se tentamos associá-la ao ministro tão parcial? Explico: porque em raras ocasiões cruciais, emerge o ser humano e o magistrado que Gilmar Mendes poderia ter sido se sua frieza, cálculo e apego à ideologia da direita oligárquica brasileira, da qual ele sempre foi um entusiasta membro e defensor, não tivessem norteado toda a sua vida. O que é uma pena. Tivéssemos tido sua força de personalidade e inteligência brilhante a serviço do Brasil, o “lado de cá da força” talvez não tivesse sido tão ingênuo e desprovido de estratégias de sobrevivência política.

O discurso – sim, foi um discurso, para a mídia, para os militares, para os políticos, para os seus pares… – que proferiu no julgamento da suspeição de Moro, entrará para a História como o momento em que se fechou a tampa do caixão da Lava Jato e da imagem, já corroída, do desmoralizado Sérgio Moro.

Podemos especular vários motivos para que tenha sido tão cáustico, duro, irônico muitas vezes, e devastador contra os procuradores e o ex-juiz.

Particularmente, prefiro acreditar que Gilmar Mendes tenha ainda resquícios de “visão de país, de nação civilizada”, e tenha percebido com a clareza fácil dos homens inteligentes, que o fruto da Lava Jato é podre, a sociedade que dela emergiu, é podre, os políticos que vieram em seu rastro, é podre, o atual presidente que se elegeu graças ao “fora Dilma” e “Lula na cadeia”, é super podre… – Para um homem de direita, calculista, capaz de ações hediondas para proteger os interesses da direita e de seus amigos, certamente enxergou “lá atrás”, que a caixa de pandora uma vez aberta, expeliu o fim da democracia, o fim do Estado de Direito, o fim do diálogo social e político por conta do ódio e do fanatismo imbecilizantes, enfim, esse país, essa sociedade, são ingovernáveis “até pela direita” – a prova disso é que Bolsonaro foi o eleito (ora, só sociedades FALIDAS elegem um ser tão bestial…)

Uma das provas que tive de que nosso improvável Macunaíma talvez esteja querendo consertar um pouco o estrago que ajudou a construir, foi quando, veementemente, defendeu a existência da oposição – falando claramente de Lula e do PT – como algo essencial à democracia.

Os toscos ou os desprovidos de inteligência, as autoridades covardes que se curvam abjetamente ao poder e tentam apenas manter e aumentar lucros e status (Ministro Barroso, para citar o melhor exemplo…), JAMAIS teriam a coragem e a grandeza de agirem como Gilmar Mendes fez – e é essa qualidade – a coragem de ser ele mesmo, eventualmente contra a maré… – que o faz diferente dos demais.

Só daqui a alguns anos, teremos a dimensão de quanto foi importante, fundamental, o discurso do ministro nesse julgamento.

Não será absolvido, nosso improvável Macunaíma, pela História, ele mesmo sabe disso, e provavelmente não se importa, é pragmático demais na vida para se importar com algo tão “abstrato e distante como a História”… – Mas ele deve sorrir muito, irônico consigo mesmo, pensando: “Podem me execrar pelas perversidades que fiz…. Mas terão que botar uma vírgula e dizer assim: “teve um dia, em que o ministro…..” – e contar como eu ajudei a enterrar os procuradores, a Lava  Jato, Moro, e consertar um pouco a dignidade do nosso Judiciário destruído….”

E talvez seja verdade.

(eduardo ramos)

Redação

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