Humanidade fatiada – a direita e a concupiscência, por Cristiane Alves

 
Humanidade fatiada – a direita e a concupiscência
 
por Cristiane Alves
 
Um dia o preguiçoso julgou descobrir a solução de seus problemas. Ciente que as células animais se regeneram viu nisso o caminho para o ócio. Não trabalharia mais, pensou. Saiu feliz, vendeu tudo que tinha e comprou uma vaca. Dali para frente a biologia se encarregaria de tudo. Pegou um facão, cortou um belo bife, tão ávido de sua esperteza sequer se importara com o sofrimento do animal. Comeu, fartou-se e descansou. Metabolizado o alimento sorvido, repetiu o feito, crente na infalibilidade da ciência. Em pouco tempo, o bovino martirizado e sem os devidos cuidados morreu.
 
O preguiçoso de uma só vez perdeu tudo. Toda a sua riqueza moto contínuo de eterna fartura e descanso tinha sido engolida. Por fim, por sua preguiça crônica e total desamparo, o homem também sucumbe e morre.

 
Vendo o brasileiro, hoje, penso na infeliz história. A elite desprovida de empatia assola o povo com sua ganância que não cessa. Dissocia do homem a humanidade. 
 
O pobre, sem quase nada, projeta e defende no outro o que um dia lhe pertencerá. Não quer que o rico perca nada pois quando também for rico quer ter tudo. É justo, seu esforço será compensado.
 
O rico não pode andar mais devagar que o ônibus, pensa o pobre. De que utilidade será poder alcançar a velocidade do som no Porsche que terá quando enriquecer, se a lei só favorece o pobre?
 
O pobre vive bem só com salário, mas se o salário for mínimo ainda será salário. O mínimo é muito, só comissão basta, incentiva o trabalho, é justo. Esforço pessoal é o que dignifica. Estabilidade fideliza, mas o medo subjuga. Vamos terceirizar. O trabalho mal remunerado estimula a hora extra, o trabalho será mais animado…
 
O trabalhador não rende, não come, não veste, não compra. O pobre não vive. Eis! Acabamos com a pobreza. E quem vai trabalhar? Quem vai alimentar o rico? Quem vai produzir? Quem comprará? Quem vai manter o privilégio de ser privilegiado?
 
O que ajuda é que o brasileiro manja de resiliência: tiram CLT, vira autônomo; tiram autonomia, vira informal; tira a banquinha, vai pra toalha; puxam a toalha, estica a mão; cortam as mãos, usa a voz; tiram a voz, olha suplicante; furam o olho, convulsiona; cortam os nervos, sonha com o paraíso, se projeta.
 
Cristiane Alves

3 Comentários

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  1. Variações sobre um mesmo tema

    Que bela parábola sobre algo demasiado humano! Parabéns!

    Sem a mesma poesia, gostaria de contribuir falando da esquizofrenia.

    Meu Jekyll and Hyde, são o trabalhador e o consumidor.

    Quando à serviço de alguém, trabalhador é aquele ingrato, interesseiro que somente à duras penas, produz o que seu proprietário, perdão, empregador, tem como meta.

    Improdutivo, mal formado, de pouca dedicação, grosso, tão logo cruza as portas e se dirige a uma loja, abandona seu lado Hyde e torna-se aquele que detém o poder de escolha, o bem informado, o desejado, o bem vindo, o rei.

    Mas diferente da história, não é o indivíduo-fenômeno que muda, mas o observador.

    Do alto do olimpo empresarial, o trabalhador é visto pejorativamente. Já o consumidor é brilhante.

    Cínicos, querem que haja consumidores, mas não trabalhadores. O problema é que não encontraram o meio do sujeito ser consumidor sem trabalho. 

    Talvez imaginem que queiram apenas atender ao tal “público pagante”, mas preferencialmente aqueles que nasceram ricos, às custas do trabalho dos pais, que exploraram muito bem os que trabalhavam para eles. Tanto que ficaram com a parte do leão.

    É deste consumidor que falam? porque se estenderem ao outros, serão flávios rocha, que querem vender a pobres, mas sem que os pobres trabalhem, ou apenas poucos pobres trabalhem. Os demais, bem, que encontrem uma oportunidade.

    Vejam que o crime é uma excelente oportunidade. Pena que já está ocupado por outros flávios rocha. Mais corajosos, pois ao menos, se dispoem a enfrentar as balas dos concorrentes e da polícia. Não ficam de mimimi reclamando dos fiscais e da concorrência.

  2. Perfeito

    É exatamente isto. O pobre se espelha no rico. Ele se vê num futuro que ninguém sabe quando chegará, nem mesmo ele, vivendo as benesses da riqueza assim como os ricos. Como poderá ele ir contra aquilo que ele mais almeja e um dia alcançará?
    Não é a toa que em muitos países nos chamam de ingênuos, caipiras…

  3. Refazendo comentário
     

    Como o GGN deu um apagão geral vou dar o meu entusiasmado palpite agora, esperando que a postagem se comporte como o usual.

    Essa menina!
    É o bicho!
    Mas, Cristianíssima mesmo que o rico mate a  vaca ou ela vá pro brejo, nem ele morre e nem a sua preguiça se acaba. Veja, a preguiça pode acabar  com o assalariado estável da classe média e com o trabalhador pobre quando e  se o rico não precisar mais dele.A preguiça da classe média privilegiada ou o desemprego do pobre os exterminarão.   É essa a esperança do riquíssimo, que orienta o pobre fabricar cada vez mais substitutos de seu trabalho e prescinde cada vez mais do assalariado e do sistema estatal desmantelando o próprio estado.O grande sonho dourado do riquíssimo é um mundo de privilégios sem nenhum  pobre pra atrapalhar. Ele quer a natureza e a tecnologia em seu favor para ” uma vida longa e feliz.” quiçá a imortalidade.
     

     

     

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