Meu pai também me chamava de garoto…, por Samuel Lourenço

Meu pai também me chamava de garoto…

por Samuel Lourenço

Eu tinha 20 anos de idade quando ingressei numa delegacia policial pela primeira – e última – vez. Na ocasião, estava ali, preso acusado por cometer um homicídio. Meu pai também fez seu ingresso inaugural, ele aos prantos, coisa que eu nunca vi, clamava pelo filho, baleado, ensanguentado, custodiado num cubículo 2×2, escuro e solitário. Quando meu pai, ex militar, de formação rígida, que com muito zelo e rigidez criara seus filhos na companhia da esposa, soube do acontecimento, correu para delegacia, e viu, o seu filho, algemado… Chorou copiosamente.

Essa cena jamais sai da minha cabeça, do meu pai chorando na delegacia, querendo me dar sua blusa, seu chinelo, dizendo que o filho dele não era nada daquilo, e que estava frio, e que eu precisava de um calçado pois o chão estava gelado. Meu pai, que semelhantemente pronunciava: “prefiro um filho preso do que viado”, viu na ocasião, que ver um filho algemado ou sendo exposto na imprensa como corrupto, é pior do que ver o filho feliz, apaixonado, amando outra pessoa. Eu, o “meu garoto”, o caçula, o Samuelzinho (meu pai se chama Samuel e eu também) estava preso.

As mães e pais que ficam nas filas das visitas dos presídios, também possuem um modo carinhoso de chamar seus filhos. As esposas também, e os filhos idem. A grande maioria dos visitantes, veem em seus familiares custodiados algo bom, e o apresentam aos outros com uma certa inocência: “era apenas um garoto”. Há quem assuma que o ente preso é bandido, sempre foi revoltado, que era uma pessoa ruim e tal, mas em geral, no íntimo, era um garoto legal, meu mozão, meu bebê, meu irmãozinho, e por aí vai.

Mas na esfera pública, dificilmente eles podem utilizar termos próprios de afeto, inocência ou pureza em relação aos seus entes presos. “Menino nada, isso é semente do mal!”; “Garoto coisa nenhuma, ele é bandido”, “adolescente coisa nenhuma, isso é verme, uma praga!”. Coisas que só um pai ou uma mãe pode sentir. Quem ama, fora dos laços familiares também sente. Conheço pessoas que trabalham com presos que os chamam de: “meus meninos”. Aqui, faço uma homenagem à Dona Tereza (Maria Tereza dos Santos, mulher que preside uma associação de amigos e familiares de pessoas presas em Belo Horizonte – MG) e Mariângela Pavão (Diretora de um Patronato – estabelecimento penal no Rio de Janeiro) pois são duas mulheres que sempre se referem aos presos como “meus meninos”, “meus filhos”. E constantemente sofrem com isso, por conta da estigmatização e feitos que recaem sobre os garotos e garotas que estão em prisão.

Quando vejo uma figura pública, em defesa de sua cria, chamar seu filho investigado, “de garoto” ou dizer quando o outro apronta que: “é só um garoto”, eu me lembro do meu pai, dos familiares na fila de visita na cadeia, me lembro dessas situações. Meu pai me chama de Samuelzinho até hoje, mas não passou a mão na minha cabeça, não desconversou sobre meu crime. Minha irmã também. Dos familiares dos presos, os quais eu tinha proximidade, eu via isso no pátio de visita: era garoto, era menino, meu molecão… Mas eram conscientes dos feitos que o conduziram Àquela situação vexatória.

O mundo gira, e a gente aprende um monte de coisa bacana, as vezes, aprendemos em meio as dores. Possa ser que neste momento, aquele que vê apenas um garoto num cara de mais de 30 anos, que é investigado por operações financeiras suspeitas, e tem seu nome relacionado com um monte de coisa ruim, passe a ver, também, como “garotos”, “meninos” e “adolescentes” aqueles que estão na prisão. E que em meio à tripudiação midiática e virtual, tenha a humildade, não só de reconhecer os erros cometidos, como também de ser sensível a todos aqueles que tem seus filhos investigados, indiciados ou condenados, sem acusá-los de bandidos, vermes, marginais ou coisas do termo.

Que não te falte afeto e coragem para amar teu filho investigado, e chamá-lo como desejar. Contudo, que não te prives da empatia necessária e o respeito devido para tratar os presidiários e os que estão relacionados com a Justiça Criminal, como cidadãos. Pode ser esse um bom começo, e deixe os mimos para quem está próximo, pois o “bandido” que sempre foi desenhado por ti no dia de ontem, sem querer, hoje está parecido com teu filho, e a imagem de garoto não pode ser deteriorada, nem a dele, nem as dos demais. Eu te entendo, depois de um crime cometido, meu pai também me chamava de garoto… Mais amor e respeito, por favor.

Samuel Lourenço Filho – Cronista, palestrante, egresso do Sistema Prisional, aluno de Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social -UFRJ
Samuel Lourenço Filho

9 Comentários

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  1. Acho que são duas coisas

    Acho que são duas coisas distintas, Samuel Lourenço. Uma é o sentimento legitimo de um pai ou mãe face um filho que comete um crime. Outro é Bolsonaro querer passar a impressão de que seu filho “Flavio não sabe o que faz”. Não so sabe o que faz, como teve o beneplatico do proprio pai. 

      1. Nao, nao foi, e eu detestei o

        Nao, nao foi, e eu detestei o item por tudo que ele NAO disse a respeito de “our boys”, por exemplo.

        Feliz por ele, evidentemente.  Mas ele AINDA nao entendeu merda nenhuma, sorry.

  2. Sejamos realistas!
    Samuel,
    Louvo a Deus pela restauração da sua vida. Mas uma maioria esmagadora volta a cometer crimes após sair da prisão ou ainda dentro dela. O que explica a perda de credibilidade e amor por parte da sociedade. Felizmente não foi o seu caso. Mas por que lembrar que Flávio foi chamado de garoto pelo pai, e não citar que esse mesmo pai também disse que: “se o garoto errou, terá que pagar”?

  3. Mas chamar de “ronaldinho” ,
    Mas chamar de “ronaldinho” , pode! Lembro-me de CHE “tem q ser duro sem jamais perder a doçura!. Já está passando dos limites a perseguição.Os brasileiros merecem paz e respeito.

  4. Sem comparação
    Com 20 anos qualquer um pode ser considerado um garoto, mas com 37 anos e sendo Senador da República o Flávio Bolsonaro não tem esse direito.

  5. Acho válido o ponto de vista.
    Acho válido o ponto de vista. É uma realidade tudo isso, mas o autor fala de pessoas que estão na cadeia. O filho do presidente não está na cadeia. Os garotos das prisões geralmente são pobres. Sim. Eles não tiveram chance de pai com dinheiro pra pagar advogado. E deve ser essa culpa que pesa sobre pais que não tiveram condições nem pra defender a própria prole. No caso de Flávio Bolsonaro a revolta não é ele ser um garoto para o pai. O problema é que ele não está sendo punido pelos erros porque ele tem condições que outros garotos não têm.
    Fora isso, o texto está mal elaborado. Não ficou claro. Poderia ter falado mais sobre a própria história. Uso de linguagem extremamente trivial.
    Só pra constar. Eu não sou esquerdo/direitopata (quack!) É só uma questão de bom senso de interpretação de texto e do contexto. Abraço!

  6. Parabéns! A mais pura verdade
    Parabéns! A mais pura verdade estão nesse texto. Todo mundo tem telhado de vidro, mas continua a “ver” e criticar as pessoas como se pudesse colocar os seus familiares numa redoma de vidro. Acorda Sr. Presidente! E cuida melhor do nosso país e dos cidadãos…

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