Não haverá tempo para lágrimas, por Paulo Endo

do Psicanalistas pela Democracia

Não haverá tempo para lágrimas
 

por Paulo Endo

Para quem esteve nas últimas horas e dias em São Bernardo do Campo apoiando a democracia, o direito de Lula a ser candidato, a união das esquerdas, o fim do escárnio e do arbítrio do sistema judiciário, a certeza de uma agenda social pautada sobre lutas pela igualdade e justiça e a democracia, pôde sentir o ponto preciso ao qual o retrocesso, que a condenação de Lula representa, levou o país.

Esse ponto é remetido ao sonho de democracia que alcançou as vias institucionais apenas a partir do momento em que uma agenda de esquerda e, depois, de centro-esquerda foi possível no Brasil pós-golpe de 64. Isso está intimamente ligado à história e à conquista realizada pelo partido dos trabalhadores, desde o momento em que deputados, senadores e vereadores alcançaram, pelo voto, cadeiras no legislativo. Logo mais seria a vez da presidência da república.

Houve um tempo, ao menos desde a fundação do PT aos primeiros anos da eleição de Lula, em que o Brasil testemunhou uma aliança popular inédita entre movimentos de trabalhadores, de estudantes e de intelectuais jamais realizada no Brasil.

A chegada do partido dos trabalhadores ao poder, portanto, significou muito para muitos de nós que acreditávamos em eleições livres e diretas e numa institucionalidade capaz de proteger e assegurar, para todos, o respeito e a concretização dos direitos humanos e fundamentais. Tal chegada representava as aspirações de lavar o sangue da ditadura civil-militar, iniciada em 64, e construir um novo país, melhor, mais sincero, menos amedrontado e verdadeiro.

O PT tem muito a ver com essas esperanças e com essas conquistas. Como o poder é complexo e tem exigências inerentemente conservadoras, outros partidos e movimentos de esquerda surgiriam no Brasil, seja em franca oposição e dissenso, seja em diálogo e aliança com o PT.

A unificação entre a esquerda partidária que se concretiza, nesse dramático episódio em curso, obviamente é composto por vários atores que também votaram em Lula ou Dilma no passado; ou trabalharam nos governos petistas ou contribuíram com esses governos em diferentes ocasiões e gestões. Seja como participantes de movimentos sociais e universidades, seja como cidadãos envolvendo-se com as gestões municipais, estaduais e federais alcançadas pelo partido.

Uma aliança básica sobre princípios fundamentais sempre houve, e a experiência petista ensinou a muitos, com as sucessivas vitórias do partido, que as promessas da esquerda são suficientemente convincentes para levar os eleitores a eleger uma plataforma democrática e comprometida com os direitos humanos e fundamentais para todos os brasileiros, o que resultou em 4 eleições sucessivas do partido aos postos mais altos da república.

A liderança de Lula como presidente, e do PT como partido, em todas as pesquisas de opinião recentes, apesar do massacre cotidiano e sem tréguas de redes de TV, rádio e jornais da grande mídia indicam que algo foi profundamente enraizado, durante a curta democracia que experimentamos, e se tornou irreversível.

A experiência de um pais melhor veio não apenas da possibilidade de consumo atingida pelos  mais pobres, alcançada nos governos petistas, mas de um campo comum de diálogo onde havia concordância com o governo em pontos fundamentais que impediam retrocessos flagrantes.

Num governo presidido por um líder sindical e, depois, por uma ex-guerrilheira que combateram de frente a ditadura civil-militar de 64, havia pleno acordo quanto ao fim do encarceramento em massa aos pobres; ao fim da fome e da miséria; à criação de um sistema educacional inclusivo; ao fim das polícias militarizadas e de forças armadas sem controle e interessadas em voltar a comandar a vida política; a uma política habitacional e agrária que alcançasse a todos e à consolidação de um país pautado pelo respeito aos direitos humanos. Muitos passos foram dados nessas direção e muitos outros precisariam ser dados ainda. Esses exigiriam ruptura decisiva com as forças conservadoras que hoje comandam e aprofundam o golpe de 2016.

Esse esteio comum, esse acordo de princípios entre governo, movimentos sociais, estudantes, intelectuais e trabalhadores, com todas as divergências explicitadas, chega ao fim decisivo com a prisão inconstitucional de Lula.

O governo ilegítimo de Temer determinou que não há mais princípios unificadores, e a violação sem consequências da constituição federal lavrada no período democrático é a prova disso. Também não há acordo sobre direitos conquistados, nem sobre o papel da polícia e das forças armadas numa democracia que deveria comandá-las, e não o contrário. O país racha ao meio abrindo um fosso de retrocesso jamais visto.

Perdeu-se então um patamar comum de linguagem onde ocorrem os diálogos, as divergências, conversas e as grandes decisões importantes para o país; foi-se a possibilidade de assegurarmos, apesar do dissenso, os princípios mais elementares que permitem definir uma nação como democrática.

E sabemos que de onde a linguagem se ausenta, toma o seu lugar a violência e a força bruta.  Aumentam muitíssimo o risco de prisões em massa, prisões políticas, ataques letais das forças de segurança a cidadãos contra  todos que defenderem tais princípios, quando se opuserem a governos, tribunais, juízes de primeira instância, promotores e redes de rádio e TV. O governo hoje, sabemos, é um mero instrumento de corrosão da democracia e do entreguismo da soberania nacional.

Um racha profundo se estabeleceu e, ainda que Lula tenha decidido se entregar a fim de não confrontar uma decisão institucional amparada nos tribunais, sabemos que a forças que atolam direitos já começam a trabalhar antes mesmo de sua prisão porque, para eles, a prisão de Lula não é, de modo algum, suficiente diante de um projeto devastador que não encontra termo e, por isso não há tempo a perder.

Como a ótima análise de Pepe Escobar chamou a atenção, a intenção é quebrar o Brasil por dentro, no contexto de um guerra híbrida que se articula também internacionalmente para afastar o país das grandes articulações distantes dos EUA(BRICS) e abrir as portas para a espoliação internacional das reservas e riquezas naturais brasileiras diante da crises do petróleo, da água, etc. que serão severamente deflagradas nas próximas décadas. Essas articulações e passos realizados fora do país são muito difíceis muito difíceis de monitorar e nisso consiste, talvez, a principal dificuldade da resistência.

https://www.youtube.com/watch?v=6xyWouMbxMw

Bom exemplo  podemos extrair analisando  a versão on line da folha de São Paulo do dia (08/04/2018) momentos antes da prisão de Lula. Ali o jornal já aparece em sua versão on line provocando Moro para aplicar alguma punição adicional  ao ex-presidente a fim de humilhá-lo, aprofundando o ódio e a suspeita que hoje pairam sobre o judiciário; ou atuando para instabilizar, a já instável juíza Rosa Weber em seu futuro voto pela revogação da prisão em 2a. instância que, possivelmente beneficiaria o ex-presidente nas próximas sessões do STF; ou ainda estampando o sangue escorrendo de um cidadão que no auge da tensão gerada pela ordem de prisão do ex-presidente, e no meio da manifestação de massa pró-Lula com centenas de manifestantes na rua atordoados com a noticia, decide ir em direção à concentração de pessoas e xingar e ofender o Senador Lindbergh que, naquele momento concedia entrevista à imprensa. A imagem do homem desfalecido foi, como vimos,  também repetida dezenas de vezes nas televisões para conclamar o medo dos petistas, o perigo dos comunistas, a violência da esquerda.

Com isso, o jornal obviamente atiça, e pode alcançar, 3 objetivos perigosíssimos:

-Instigar o juiz de primeira instância Moro a sair por cima aplicando alguma nova punição ao ex-presidente, pelo fato de Lula não se entregar de modo submisso do modo e no horário que o juiz exigiu, reacendendo com isso o ódio dicotômico que grassa pelo país;

-Amedrontar a instável Rosa Weber e influenciar seu pendor para a revogação da prisão em segunda instância pelo supremo- o que seria, diga-se de passagem- a maior manifestação pública de pusilanimidade vinda de uma ministra do STF;

– incentivar grupos fascistas, protofascistas e neonazistas a aplicar mais violência nas ruas numa suposta vingança ao homem que provocava sua própria agressão.  

Tudo como temos assistido desde o impeachment.

A irresponsabilidade jornalística é total e o vetor das reportagens não deixa dúvidas sobre a intenção de jogar uns contra os outros e produzir mais notícias vendáveis regadas a sangue.

Trata-se de exemplo claro de uma imprensa fracassada que desistiu do jornalismo para defender seus próprios interesses e, concomitantemente, tornara-se incapaz de pensar no longo prazo e na  proteção das pessoas e no país. Imprensa afoita para garantir o atingimento e consolidação de seus objetivos nunca claramente confessados, e em cujo histórico figura a aliança com as ditaduras passadas.

Não se faz necessário citar  a participação de vários desses veículos na ditadura e no golpe de 64, já que eles mesmos fizeram mea culpa em seus jornais e editoriais, mas é evidente que, ao que tudo indica, já se aprontam para participar de novas ditaduras para, quem sabe, fazerem novas mea culpas adiante. Ou seja, verifica-se a esterilidade do pseudo arrependimento.

Em abril de 2016 o impeachment de Dilma; em abril de 2018 prisão de Lula.

Tudo ocorre como o planejado.

As forças antidemocráticas, ao que tudo indica de maneira inequívoca, não vão parar, pois buscam a terra arrasada, arregaçam as mangas mais do que nunca e embora o que assistimos hoje seja um capítulo dos mais nefandos pós 64, não haverá tempo para lágrimas, porque antes da primeira gota chegar ao chão já encontramos os grupos fascistas e seus apoiadores, nas mídias, nas forças armadas, no judiciário e entre as grandes empresas, atirando para matar como demonstrou a polícia  no acampamento e vigília pela liberdade de Lula em Curitiba.

Todavia, é preciso destacar, os acontecimentos desses últimos dias revelaram inúmeros momentos de esperança e alegria. Cenas inesquecíveis, emoções inefáveis que foram protagonizadas pela unidade dos partidos de esquerda; pela militância jovem e inquebrantável plantada dia e noite em frente ao sindicato dos metalúrgicos; por Lula carregado pelos trabalhadores horas antes de sua prisão; pelo discurso decisivo do ex-presidente, que converteu uma ordem de prisão emitida por um juiz de primeira instância em seu gabinete, num ato histórico de injustiça e esperança; pelo protagonismo da imprensa livre que, ao mesmo tempo em que cobria on time, com preocupação e zelo, os acontecimentos que se dinamizavam a cada minuto, produzia a prova documental e histórica da falsidade das grandes mídias e sua falência como projeto de falsificação da história nacional; por aqueles que, discordando da decisão de Lula, decidiram impedir sua saída evidenciando que protegiam, não apenas o ex-presidente, não a vítima de uma injustiça, mas um princípio, uma experiência, uma esperança a ser transmitida às gerações vindouras; por aqueles que ao mesmo tempo em que enxugavam as lágrimas levantavam os punhos bradando: Não tem arrego!!! Não tem arrego!!!

São esses momentos de beleza no seio do trágico que restituem a esperança no porvir e traçam as linhas mestras do que é preciso fazer, dizer e pensar.

Todos ali, e eram muitos, sabiam e sabem que não haverá tempo para as lágrimas.

 
Redação

5 Comentários

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  1. AJUDAR POBRES E IMIGRANTES

    AJUDAR POBRES E IMIGRANTES NÃO É COMUNISMO, diz Papa

    10/04/2018

    (destaque no texto meus)

    – Defender os mais frágeis, ajudar os pobres e acolher migrantes não é “comunismo”, mas sim uma maneira de conquistar a “santidade”. É o que defende o papa Francisco em sua nova exortação apostólica, a “Gaudete e exsultate”, tradução em latim de “alegrem-se e exultem”, divulgada nesta segunda-feira (9).

    O texto aborda a santidade no mundo contemporâneo e é o quarto grande documento do pontificado de Francisco, depois das exortações “Evangelii gaudium” (“Alegria do Evangelho”, de 2013) e “Amoris laetitia” (“Alegria do amor”, de 2016) e da encíclica “Laudato si” (“Louvado seja”, de 2015).

    “É nocivo e ideológico o erro das pessoas que vivem suspeitando do compromisso social dos outros, considerando-o algo de superficial, mundano, secularizado, comunista, imanentista, populista”, diz a nova exortação.

    Sem desencorajar os fiéis com modelos inalcançáveis, Francisco os convida a olharem para a “santidade da porta ao lado”, a do marido ou da esposa que cuida do próprio cônjuge, do trabalhador que faz bem sua função, dos avós que ajudam os netos, das autoridades que pensam no bem comum e não no próprio bolso.

    O Papa adverte logo no início do documento que não se deve esperar um “tratado sobre a santidade”, mas sim um “objetivo humilde” de “encarná-la no contexto atual, com seus riscos, desafios e oportunidades”.

    “Muitas vezes ouve-se dizer que, face ao relativismo e aos limites do mundo atual, seria um tema marginal, por exemplo, a situação dos migrantes. Que fale assim um político preocupado com os seus sucessos, talvez se possa chegar a compreender; mas não um cristão, cuja única atitude condigna é colocar-se na pele do irmão que arrisca a vida para dar um futuro aos seus filhos”, afirma.

    Segundo Jorge Bergoglio, a preocupação com os mais carentes não é a “invenção de um Papa nem um delírio passageiro”, mas sim o que diz o próprio Evangelho. “A defesa do inocente nascituro, por exemplo, deve ser clara, firme e apaixonada, porque neste caso está em jogo a dignidade da vida humana, sempre sagrada, e exige-o o amor por toda a pessoa, independentemente do seu desenvolvimento. Mas igualmente sagrada é a vida dos pobres que já nasceram e se debatem na miséria, no abandono, na exclusão, no tráfico de pessoas, na eutanásia encoberta de doentes e idosos privados de cuidados, nas novas formas de escravatura, e em todas as formas de descarte”, diz a exortação.

    “Não podemos propor-nos um ideal de santidade que ignore a injustiça deste mundo, onde alguns festejam, gastam folgadamente e reduzem a sua vida às novidades do consumo, ao mesmo tempo que outros se limitam a olhar de fora enquanto a sua vida passa e termina miseravelmente”, salienta. (ANSA)

    Todos los Derechos Reservados. © Copyright ANSA

    http://ansabrasil.com.br/brasil/noticias/vaticano/noticias/2018/04/10/ajudar-pobres-e-migrantes-nao-e-comunismo-diz-papa_f8143d46-3160-4d1f-95cc-e087198f78dd.html

     

    1. O papa tem toda razão. Comunista come criancinhas

      Ajudar pobres e imigrantes não é coisa de comunistas. Comunistas fazem é comer criancinhas. Esse Papa é um jênio.

  2. A fóto do avião que levou Lula me fez pensar

    que a PF quis rebaixar Lula, já que outros presos foram levados para Curitiba de jatinho (Eduardo Cunha com certeza), mas de fato ajudou a construir um pouco mais o mito.

    A gestapinha tupiniquim tem a força, que não precisaria ser boçal já que é uma função de Estado, mas defato é muito cretina.

    1. Achei que apenas eu havia

      Achei que apenas eu havia reparado nisso.

      Colocaram o avião mais antigão e feio para levar o Lula.

      Aliás, de tão pequena que é a aeronave, creio que Lula ouviu aquele boçal falando no rádio pedindo que jogassem o lixo Lula do alto.

      Mas os golpistas são muito burros.

      Se fossem sóbrios e discretos, creio que o mito Lula não seria criado.

  3. A história ensina
    O golpe nos trouxe profundas lições de história :
    – no Brasil a luta de classes ERA camuflado por um sentimento de modernidade. A escravatura tinha sido abolida e que não éramos racistas.
    – não temos elite na verdadeira acepção da palavra. Nossa pretensa elite ainda é formada de coronéis e governadores de captains hereditárias.
    – a política agora começa a ganhar seu verdadeiro significado: a resolução PARTILHADA dos conflitos na sociedade. Antes a resolução era imposta por um falso sentimento de ordem e cidadania.
    – as esquerdas estão percebendo seu papel REVOLUCIONÁRIO de mudança. A esquerda faz parte da solução é não parte do problema como até então pressopunha se.
    – não tem como dissociar nossa luta do cenário global. Sem soberania não há vitória.

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