Não precisamos de cheerleaders. Precisamos de reflexão e de organização, por Luís Felipe Miguel

Não precisamos de cheerleaders. Precisamos de reflexão e de organização

por Luís Felipe Miguel

Por ressaltar que não há saída fácil à vista para nos retirar do abismo em que estamos metido, tenho sido acusado de dar mais ênfase ao pessimismo da razão do que ao otimismo da vontade – para citar a célebre fórmula que Gramsci emprestou de Romain Rolland. Disseram que sou “baixo astral” e não estou “jogando a favor”.

Com as instituições funcionando a pleno vapor, mas sempre a serviço do aprofundamento do golpe, e os muitos anos de desmobilização popular deliberada cobrando alto seu preço, não sei qual é a margem para manter ilusões. Li com cuidado o texto recente do Antonio Martins, jornalista competente, que diz que o cenário é muito mais positivo do que parece e julga que estamos, todos nós que diagnosticamos um agravamento do retrocesso, cometendo um “erro banal: confundir o desejo do adversário com o exame concreto da correlação de forças existente”.

Eu julgo que Martins comete o equívoco contrário, mais banal ainda, que é tomar seus próprios desejos pela correlação real de forças. Parece aquelas organizações de esquerda que, mesmo nos piores cenários, começavam suas análises de conjuntura sempre com a frase: “O socialismo avança em todo mundo”.

É claro que as políticas impostas pelos golpistas no poder não têm apoio popular. Mas essa insatisfação tem se expressado politicamente de forma muito débil e o fato de que a direita se mostra disposta a abrir mão da legitimidade eleitoral torna a situação mais dramática. É claro que algumas – não todas – medidas propostas pelos donos do poder têm avançado com menos celeridade do que eles gostariam. Mas não conseguimos freá-las de vez, muito menos reverter o estrago que já foi feito.

O ponto central, para mim, é que não tem deus ex machina no horizonte. Não é o judiciário, que já mostrou muitas vezes de que lado está, nem a eleição, a cujos resultados o respeito, no Brasil, se tornou facultativo. O que é necessário é, sim, alterar a correlação de forças existente e isso não ocorre sem a ampliação da capacidade de mobilização do campo popular, começando pelo movimento sindical.

Voltando a Gramsci, ele dizia que o político “é um criador, um suscitador, mas não cria a partir do nada nem se move na vazia agitação de seus desejos e sonhos. Toma como base a realidade efetiva”. Olhar para a realidade efetiva, da maneira mais honesta possível, é a base para qualquer ação política.

E o “otimismo da vontade”? A meu ver, ele não se confunde com mantras de pensamento positivo. É a consciência de que as contradições presentes na sociedade não estão anuladas e de que o resultado dos processos históricos não está predeterminado. Por pior que seja o cenário a partir do golpe, ele pode ser revertido com a luta da classe trabalhadora, das mulheres, da população negra e LGBT, de estudantes, artistas e intelectuais.

Não precisamos de cheerleaders. Precisamos de reflexão e de organização.

 

Luis Felipe Miguel

11 Comentários

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  1. Bom resumo
    Mas este diagnóstico foi apresentado em inúmeros comentários neste fórum.
    Existe um divórcio com as bases ( salta aos olhos) em função do verdadeiro assalto que oportunistas e pelegos, com discurso de esquerda, promoveram para controlarem sindicatos e partidos socialistas.
    O que fazer?
    Primeiro, identificar e expurgar essa gente.

  2. Concordo

    Concordo integralmente com Luís Felipe Miguel.

    A situação é sim dramática, e realmente não há nenhuma saída fácil à vista.

    Os golpistas não estão nem aí para a correlação de forças na sociedade. Eles estão com controle absoluto das principais instituições, e dane-se o resto.

    Não é ser pessimista. É ser realista.

  3. O único problema filosoficamente sério é o suicídio…

    Luis Felipe, o ponderado…

    “Otimismo da vontade”, mas há vontade (revolucionária) sem otimismo?

    Lênin revolucionou e abriu mão da propaganda antes?

    Será que Lênin antes de 1917 (e foi até preso por aquilo que escrevia) estaria na categoria animador de torcida?

    Ou Fidel, ou Che?

    Pois é, como disputar a hegemonia da realidade (que antes de ser “realidade” se percebe na narrativa dela), sem “sonhar” com aquilo que se pretende realizar?

    Como se debate, partindo do pressuposto que há “loucos” que só querem agitar bandeiras e pompons?

    É assim que fazemos o debate, dizendo antes os pensadores “puros” e responsáveis e/ou realistas e os “loucos”?

    É isso que está em disputa?

    É esse pessoal que antes chamava Lula de vendido ao pmdb, que fez aliança com o diabo, que queria a revolução tudo-ao-mesmo-tempo-agora no governo Lula e Dilma, e agora, no meio da cipoada ardendo no lombo, querem que sejamos “realistas”, uai, mas com que realidade?

    Naquele tempo, éramos chamados de cínicos, no máximo pragmáticos, porque dizíamos que governo Lula não tinha como  fazer aquilo que era dos movimentos sociais a tarefa…Lula oferecia algum conforto, e só…

    Naquele tempo, os cuidadosos de hoje eram a “esquerda pura”…

    É flórida!!!!

    A realidade deixou de fazer sentido, e então, tome “realistas”…

    Uai, lá com Lula e Dilma tínhamos que chutar o pau da barraca, romper os limites da realidade e da institucionalidade e  agora?

    Dizer que agora é pior que antes não funciona, nem explica o dilema: Nossa situação é uma merda desde 1500…

    Vivemos sob estado de sítio a maior parte de nossa vida republicana…

    Judiciário cúmplice e artífice de ditadura nem é algo novo, embora agora a embalagem “nova” sugira “novidade”…

    Criminalização de adversário político do estamento também não…

    Eu acho que Lula deveria tentar a via Vargas…

    Salve Albert Camus…Salve!

     

  4. Concordo com a necessidade de

    Concordo com a necessidade de reflexão e organização, e me considero um otimista-realista.
    Mas para entender e combater esse golpe, é preciso ter em mente que ele não foi gerado aqui, e sim nos Estados Unidos,
    mas como sempre, com a cooptação das elites traidoras do país, de sua gente e de seu território.
    Os EUA mantém rígida vigilância sobre nossos movimentos e pensamentos, não duvidem.
    Há muito mais nessa jogada do que apenas política e economia, há um projeto de dominação a longo prazo vindo de fora do país, que envolve o controle da educação, ciência e tecnologia.
    E é exatamente isso que nós precisamos, de um projeto a longo prazo “lucidamente elaborado” como disse Darcy Ribeiro.
    Tenho sérias dúvidas de que Lula e o PT consigam reverter esse quadro, e peço a Deus que o Lula tenha saúde para resistir a mais uma campanha.
    O que vcs acham que o Michel Temer quis dizer quando falou em 15 de novembro que “a nossa tendência é sempre caminhar para o autoritarismo”?
    O que tiver que ser feito não deve nem ser discutido pela internet.

  5. Concordo!

    Tenho pensado muito sobre o assunto que você introduziu neste artigo, e concordo com o seu diagnóstico. Só queria reforçar alguns pontos.

    Em primeiro lugar, o que está em jogo não é a realização ou não das eleições de 2018. Estas, sem Lula, equivalem a uma não realização. Principalmente porque as pessoas mais afetadas pelas mudanças que estão sendo implementadas por este regime, a banda mais pobre da população, são os principais eleitores de Lula. Sem Lula candidato este povo perde a sua chance de influência no jogo de poder. E porquê? Porque estas pessoas não têm em seu dia a dia a chance de discutir organizadamente para compreender a realidade e partir para a ação. Creio que mesmo os chamados “movimentos sociais”, que são essenciais, não tem condições, de organizar esta massa. Se tivessem, não teria havido golpe. Os movimentos sociais são meio os “cheer leaders” a que o autor do artigo se refere. Sabem fazer barulho, mas não têm o objetivo de organizar estes setores em todos os aspectos de seu dia-a-dia político, desde as suas reivindicações como trabalhadores, até as suas aspirações ao poder, passando pela reflexão diária em torno de sua realidae. Um trabalho de formiga, não só nestes setores, mas em toda a sociedade, uma espécie de partido revolucionário. Mas esta expressão, partido revolucionário, só é entendida, até nas chamadas esquerdas, como assalto ao poder. E não o é. O partido revolucionário não seria voltado para o “assalto ao Poder”, mas para a “organização e reflexão”.

    Em segundo lugar, porque a ideia de que ainda não fomos derrotados não corresponde à realidade. O novo regime tem o controle quase completo da situação. Em primeiro lugar porque este domina a comunicação social. Não há na mídia contraponto crítico nenhum ao que ocorre no Legislativo, Executivo ou Judiciário. Não preciso nem comentar que atos grotescos, como o Presidente golpista alardeando a recuperação da economia, ou juizes alegando que “se ele está sendo julgado é porque fez algo errado”, ou outras alegações dignas de “O processo” de Kafka, não são expressamente condenados por nenhum órgão de comunicação. Adicione-se a isso, o medo dos operadores da justiça (juizes, advogados. procuradores) em condenar atos condenáveis (medo ou conivência). Eo medo se espalha. mesmo na bolha esquerdista de que participo, no Facebook, raramente há curtidas em posts que denunciam os descalabros do judiciário. Vivemos uma mistura de 1984 com Matrix, e outros filmes sobre realidades distópicas. Quando se alega que em 2017 houve a greve geral, se esquece de mencionar a violenta repressão policial às manifestações no Rio de Janeiro à essa época. A situação vivida por seus servidores seria palha para o fogo da revolta. Mas o novo regime foi cirúrgico, e desceu o cacete por aqui, para impedir maiores repercussões. Eles têm coordenação central, e muito bem urdida.

    Finalmente há um grande obstáculo: a classe média, os operadores do estado. Trata-se, a grosso modo, de uma casta escravocrata, que vê com pavor a Ascenção social, e a circulação nos ambientes em que circulava com exclusividade, como aeroportos, shoppings e universidades, por “pretos e de quase brancos pobres como pretos”. No que se refere à universidade, é importante constatar que a nossa formação universitária, seja em escolas públicas ou particulares, é excessivamente técnica, axiomática e ideológica, ao invés de formar pessoas que pensam de forma autônoma. Seria de se supor que nesse meio, de ampla formação universitária, haveria mais chances de conversão a teses mais distributivas, de recursos e direitos, em relação ao povo referido no início do texto. Pelo contrário, é onde se encontra a maior resistência. Eles preferem o risco de reduzir sua “riqueza”, a ver os seus escravos ascenderem.    

    Deveria também referir-me  à destruição do Brasil promovida pelo novo regime. Mas não vou entrar no assunto, para não desanimar. Em minha opinião levaremos muito tempo a superar o novo regime. E esta superação passa por duas tarefas muito importantes. (i) Construir mecanismos permanentes de organização popular, baseados em reflexão sobre a realidade objetiva vivida pelos organizados. (ii) Mudança de eixo em nossa Educação, visando a formação, em qualquer nível,de pessoas com pensamento autônomo, uma espécie de Iluminismo, ao contrário da ridícula memorização de respostas-padrão.
     

    1. Classe média

      Creio que há um problema conceitual quando nos referimos à classe média no Brasil.
      Vc a chama de operadores do Estado, confesso que não entendi. Precisamos diagnosticar a classe média, antes de tudo.
      Mas vc também tocou no ponto-chave para reverter o golpe: a educação.
      A educação que temos não serve à transformação do país, e agora ela caiu de novo nas garras do neoliberalismo
      Só que pela educação, levará vinte anos no mínimo, isso se conseguirmos alterar esse quadro, mas se pensarmos bem,
      não é tanto tempo assim.
      Como diz o velho sábio, é muito tempo que a árvore leva para crescer, mas se vc não plantar, o tempo vai passar do mesmo jeito

      1. Classe média e educação

        Se fui impreciso, você deveria me mostrar qual é a correta definição de classe média. Eu tenho uma visão, talvez errônea no seu ponto de vista. Para mim é muito evidente. Você anda por uma cidade e sabe o que é um bairro de classe média e um bairro popular. Quanto à ocupação, não são nem os proprietários de grandes negócios (grandes indústrias, bancos, agronegócio, acho que dá pare entender) , nem os convencionalmente chamados trabalhadores, nem os que nem trabalhadores são. Os limites são meio fluidos, mas muito frequentemente  têm empregadas domésticas (cozinheiras, babás, faxineiras) trabalhando em sua casa, seus filhos estudam em escolas particulares (e têm professores particulares para ajudar no decoreba quando vão mal nos estudos), e depois em universidades públicas (apesar disso ter ficado mais difícil recentemente). Quando falo operadores do estado, falo dos que seguem carreiras do serviço público que exigem formação universitária, um exemplo muito em voga, os advogados (juízes, promotores). Os médicos de instiutições públicas outro exemplo. 

        Você tem razão, eu acho 20 anos um tempo até pequeno para começarmos a sair deste buraco em que estamos. Mas é muito difícil mudar a educação, pois os estudantes, antes de entrarem na universidade, são treinados à exaustão para responder nas provas o que o professor quer que responda. Ou então, nas carreiras chamadas das chamadas exatas, memorizam problemas-padrão, para repetir algoritmicamente às perguntas da prova. Quando chegam à universidade, tentam ao máximo repetir este procedimento. Por outro lado, se formarmos pessoas que pensam por si só, pode ser desencadeada uma revolução. O iluminismo não foi causa da revolução francesa, mas que ajudou, ajudou. Por falar em iluminismo, a solução para a educação está em um bem simples e pequeno texto de Kant: Ensinar a Pensar: https://criticanarede.com/fil_ensinarpensar.html

        1. Caro Dante, não estou te

          Caro Dante, não estou te criticando nem te atacando, longe disso.
          Ao contrário, minha esperança é que consigamos dar mais consistência a esse debate sobre educação.

          O que quis dizer é que precisamos com urgência saber o perfil e o tamanho da classe média brasileira, não sei se existem estudos a esse respeito. Isso porque estou convencido, a partir de umas leituras sobre Anísio Teixeira, http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/index.html que apenas a classe média pode liderar um movimento contra as castas existentes no Brasil. Se seguirmos apenas o que esse homem pensou e escreveu sobre a educação no Brasil, daremos um rumo diferente às coisas.

          Devíamos começar exigindo que educação fosse assunto de educadores e não de políticos. Muitas vezes me pergunto qual é o nível médio de escolaridade dos deputados que decidem os rumos da educação no Brasil
          Vc tem toda a razão, a revolução francesa foi impulsionada pela grande difusão de livretos (libelles) entre as populações urbanas da França, com conteúdos críticos à nobreza da época. Havia muita gente insatisfeita e desempregada, entre advogados e outras profissões das classes médias
          Obrigado pelo Kant, muito bom.

          1. Perdoe…

            Prezado Calota (não se assuste, eu sou irmão da Flávia, lembra dela?),

            Eu sou assim mesmo, muito aguerrido na hora de discutir, e me excedo nas réplicas. Quanto à classe média, tem um cientista social muito bom, Jessé Souza, inovador no estudo de nosso país, que está estudando a classe média, em trabalho ainda inconcluso. Mas há alguns textos e vídeos dele sobre o assunto espalhados pela internet.

            Um grande abraço!

  6. Não precisamos de cheerleaders. Precisamos de reflexão e de orga

    já que precisamos de reflexão:

    – quem nos atirou no abismo em que estamos foram: Lula, o Lulismo e o PT;

    – e não serão Lula, o Lulismo e o PT quem terão capacidade de se erguer pelos próprios cabelos para nos arrancar a todos do abismo em que estamos;

     – Lula precisa urgentemente de um plano de contingência para asilo político. Lula corre inclusive risco de vida;

    – já estamos numa Ditadura desde o impeachment. ainda assim, Lula, o Lulismo e o PT passaram todo o tempo desde então apostando nas Eleições de 2018, com Lula candidato e virtualmente eleito;

    – o regime segue uma lógica incontornável de fechamento. a Direita não tem, e não tem vai ter candidato viável eleitoralmente;

    – mas nem mesmo uma Ditadura aberta terá capacidade de retomar algum crescimento da economia, viabilizando minimamente alguma estabilidade social. o Brasil marcha para uma inexorável explosão, nem que seja por implosão, por necrose do tecido social;

    – contudo, a lumpenburguesia brasileira está pouco se lixando prá isto. banqueiros, rentistas, exportadores de commodities continuam piamente acreditando em si mesmos e que tudo vai dar certo. e se não der, pouco importa, sempre há um bunker na Dinamarca onde se refugiarem…

    as máscaras caíram. tudo se mostra como é, como sempre foi.

    nunca como antes neste país, a Democracia Liberal Representativa esteve tão a nu quanto agora. todas as instituições estão em pleno funcionamento, completamente destituídas de qualquer laço com a soberania popular.

    estamos no grau zero da representação.

    todos sabemos O Que Fazer. o debate é sobre Como Fazer. é o próprio paradigma da organização que precisa ser transformado.

    .

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