Negacionismo histórico amesquinha a política, por João Carlos Juruna, Wagner Gomes e Álvaro Egea

Com todo o respeito ao ex-presidente Lula, é da ordem natural das coisas que um partido de massas necessite formar lideranças e evite lançar-se à um comportamento de seita e de adoração divina.

Negacionismo histórico amesquinha a política

por João Carlos Juruna, Wagner Gomes e Álvaro Egea

Na memória recente dos brasileiros o PT, considerado de forma justa, livre das maledicências e da perseguição que sofreu e sofre por setores da sociedade, é o partido que mais teve a oportunidade de promover o combate à desigualdade social, a ascensão dos mais pobres e o poder de consumo, com geração de empregos e valorização dos salários. E assim o fez.

Esse fato, e dentro dele, seus inúmeros desdobramentos, bastaria para afirmar a grandiosidade da agremiação construída no bojo da retomada do movimento sindical pós ditadura militar e que projetou não só para o país, como para o mundo, um grande e autêntico líder das massas, Luís Inácio Lula da Silva.

Negacionismos históricos não são necessários para enaltecer a importância do PT. Eles não só não são necessários como apequenam a história do partido. Por isso o artigo do ex-prefeito Fernando Haddad na Folha de São Paulo, em 04/12/2020, deixa no ar o gosto amargo das visões distorcidas e manipuladas.

Logo no início ele afirma que o Partido dos Trabalhadores nasceu como “uma nova esquerda, antiautoritária e não-dogmática, que permitiu aos desprovidos da Terra sonhar com um governo que os representasse” e que “Apesar de seus limites, não há precedente na nossa história de um partido similar eleitoralmente viável”.

Qual a esquerda autoritária e dogmática a que o ex-prefeito se contrapõe? Será o partido comunista, criado em 1922? É com este descaso que Haddad se refere aos comunistas e toda sua trajetória de formação de quadros, de acúmulo de conhecimento e lutas?

E o PTB de Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola? Em 24 anos, entre idas e vindas, Getúlio criou as bases para a industrialização brasileira, sem as quais o PT não existiria e, mais do que isso, não apenas permitiu “aos desprovidos da Terra” sonhar, como viabilizou a inserção dos trabalhadores na classe média, através de sua vasta política trabalhista e do rompimento com a República Velha. Não havia sombra de precedente em nossa história.

Haddad não está sendo dogmático e até sustentando uma visão autoritária sobre seu partido quando diz: “O erro de alguns progressistas não petistas é imaginar que o enfraquecimento do PT vai lhes favorecer. (…) O erro de alguns petistas, por sua vez, é imaginar que o PT possa se fortalecer sem Lula. Não se reproduz facilmente uma liderança da sua qualidade. Lula e PT são não apenas indissociáveis como são eventos únicos e mutuamente dependentes”?

Com todo o respeito ao ex-presidente Lula, é da ordem natural das coisas que um partido de massas necessite formar lideranças e evite lançar-se à um comportamento de seita e de adoração divina.

O ex-prefeito vai mais longe nesta linha das elocubrações, afirmando que “O lugar que o PT ocupa no espectro ideológico não é ideal, mas materialmente construído. Não é um espaço natural à espera de um hóspede, mas um espaço socialmente conquistado”.

Consideramos que é justamente por ter construído “materialmente” seu espaço na política que não é possível concluir, como a coluna na Folha nos leva a fazer, que o Partido dos Trabalhadores seja uma entidade divina que pairou sobre o Brasil, com seus semideuses para salvar o povo.

E o PT conquistou materialmente seu espaço porque surgiu em uma realidade material pavimentada por partidos e políticos de esquerda anteriores a ele. Desta forma suas raízes estão muito mais fincadas nos anos de Getúlio Vargas e na presença dos comunistas nas lutas que atravessaram o século do que Haddad gostaria de admitir.

Longe de querer fazer suposições infundadas, nos parece clara aqui a jogada, já manjada na política, de tentar anular o passado para impor sua própria agenda não só como a melhor, mas como a única possível. Isso é uma falácia.

Haddad passa ao largo do contexto histórico em que cada partido ou governo existiu para dizer que não existe nenhum líder como o Lula, nenhum partido como o PT e nenhum governo tão bom e tão socialmente comprometido quanto o de ambos. Quando, na verdade, Getúlio, Jango, o PTB e os comunistas estão muito mais no centro do debate sobre direitos trabalhistas e sobre como estão estruturadas as lutas dos trabalhadores do que os governos Lula e Dilma.

A bem da verdade, o grandioso PT, golpeado injustamente por nossa elite extrativista, não teria condições de existir se não houvesse uma base que passa pela greve geral de 1917, pela criação do Partido Comunista em 1922, pela Revolução de 30, pela criação do Ministério do Trabalho, pela criação da CLT, da Petrobras, pela greve geral de 1953, pelo fortalecimento dos sindicatos, pelo CGT, pela Constituição de 1988, etc.

A história operária do Brasil é muito anterior e independente do PT. Valorizá-la e reconhecer a grandeza alheia, não é diminuir-se. É ter hombridade.

João Carlos Juruna é secretário geral da Força Sindical

Wagner Gomes é secretário geral da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB)

Álvaro Egea é secretário geral da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB)

Redação

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