O Brasil sob os horizontes bolsonarista e lulista, por Roberto Bitencourt da Silva

 

O Brasil sob os horizontes bolsonarista e lulista

por Roberto Bitencourt da Silva

Desde a movimentação golpista que levou à destituição da presidente Dilma Rousseff (PT), este modesto espaço de opinião tem manifestado avaliações classificadas por não poucos como “pessimistas” ou “depressivas”. Hoje, talvez, esse tipo de crítica tenha diminuído. Basicamente, tenho afirmado que o conglomerado burguês doméstico e multinacional do poder tem em vista rebaixar o perfil, já limitado, de inserção da economia nacional na divisão internacional do trabalho.

Ora, não se converte um país de dimensão continental em um mero objeto alienado para saciar vontades alheias, em abjeto território colonial, com custos baixos. Mesmo que enredados nos limites da dependência econômica e tecnológica, somos dotados de uma miríade de recursos potenciais de negociação e poder nas relações internacionais do mundo contemporâneo – amplo mercado consumidor, força de trabalho extensa, potencialmente criativa e bem formada, cultura conectada aos padrões civilizatórios predominantes, 20% da biodiversidade do planeta, controle autossuficiente sobre recursos energéticos e alimentícios etc.

Detemos, pois, recursos que pode(ria)m viabilizar maiores margens de autonomia política e de desenvolvimento autocentrado, reduzindo ônus em eventuais parcerias com o capital internacional que redundassem em transferência tecnológica, internalização da capacidade criativa e técnico-cientifica aplicada, constituição de joint ventures entre capitais nacional/estatal/multinacional, que permitissem uma recepção menos desfavorável às contas externas do País. Eventuais parcerias que pudessem igualmente servir de fatores indutores à educação básica e superior, por demanda de engenho criativo nacional.

Não é seguro que isso possa um dia vir a acontecer, como almejava o economista Celso Furtado, em sua obra Criatividade e dependência na civilização industrial. Algo que decerto vem ocorrendo na China, por decisão e iniciativa deliberada de suas autoridades, ciosas que são dos interesses nacionais do antigo Império do Centro.

Mas, entregando como nossas elites políticas e econômicas apátridas têm entregado para o capital internacional recursos parcos, mas valiosos de poder, nunca tentaremos nem saberemos. E o golpe de 2016 teve como sentido maior precisamente alienar o País do controle e gerenciamento decisório sobre recursos e instrumentos muito importantes para a sua soberania, como o petróleo, cartas à mão que permitam tentar reduzir as assimetrias forjadas pelo domínio tecnológico das potências capitalistas. Sem esses recursos à disposição, mergulhamos nas sombras de um repugnante colonialismo e servilismo internacional.

Nesse sentido, como há tempos tenho afirmado, não vejo com otimismo essa eleição presidencial. Se ocorrer, já com sérias limitações – dentre elas o afastamento arbitrário de um ex-presidente, ora preso, como candidato –, os seus resultados não trarão um mínimo de estabilidade social, política e econômica. A violação da soberania popular do voto, uma vez mais, poderá ocorrer, e os sinais não são poucos, em virtude da natureza rentista/neocolonial do projeto golpista de 2016, que aspira se perpetuar. Uma eleição não tem como recepcionar bem esse tipo nefasto de projeto, antinacional e antipopular.

Isso posto, sou muito cartesiano para acompanhar com alguma satisfação uma polarizada controvérsia política nacional entre bolsonaristas e lulistas, que está a se desenhar não apenas no curto intervalo de tempo dessa eleição. Deslocado o PSDB da posição de representante maior do polo antipetista e flagrantemente antinacional e elitista, o embate lulismo/bolsonarismo, tudo indica, irá prevalecer nos próximos dois anos. Permitam-me uma aposta: isso até a destituição do provável futuro presidente Fernando Haddad. Sem qualquer resistência, como ocorreu com Dilma, pois o petismo não oferece convicções, projetos nem possui bases sociais de mobilização. Bases eleitorais, as quais efetivamente as têm o lulopetismo, são fenômenos bem mais tímidos…

Como dizia, é difícil acompanhar com algum grau de racionalidade uma disputa centrada no pathos (na emoção das identidades e dos “umbigos”), destituída de qualquer proposta e visão racional de País, absolutamente desapossada de espírito republicano. O Brasil, suas vicissitudes, dilemas, desafios, é o que aí menos importa.

Grossa parte dos bolsonaristas não resiste a um rápido teste de autopercepção de classe. Se viver de renda e títulos de dívida pública tem coerência. Frações medianas, altas dos trabalhadores assalariados, funcionários públicos, bem como segmentos da pequena burguesia proprietária de algum pequeno e médio negócio, esses têm no bolsonarismo uma resposta “irracional”. Ou melhor, totalmente incompatível com seus interesses de classe.

Segurança e ordem violenta contra a horda de escravos famintos na colônia que pretendem transformar o País. Esse é o horizonte do bolsonarismo, cujo projeto é simplesmente a radicalização do governo Temer. A sua promessa é um governo para ultrarricos e parasitas especuladores. Pau na moleira de quem não for e contestar qualquer coisa. Um privatismo cavalar, ao modo das ditaduras chilena e argentina dos anos 1970/80, e um entreguismo turbinado, ou seja, fenômenos até hoje desconhecidos do Brasil. Até entregar a Amazônia para os EUA Bolsonaro já insinuou. Um vende patrismo acintoso.

Quanto aos lulistas. Bem, história, sobretudo recente, balança comercial e balanço de pagamentos seriam necessários a uma circunstancial e improvável reflexão. Apassivamento do movimento sindical e social, intensa desindustrialização e desnacionalização dos setores de serviços e finanças, com inúmeras regalias ao capital internacional, que nos governos lulopetistas mais do que quintuplicou o seu controle patrimonial na economia nacional. Eis alguns traços que tipificaram os 13 anos de governos lulistas.

Hoje, o capital gringo controla diretamente cerca de 1/3 da economia brasileira. De modo que o lulismo também guarda sua grande cota de entreguismo. Mais light em comparação à maioria dos atores do sistema de poder e político, como os bolsonaristas. Mas, ainda assim entreguista, a marca maior de um sistema apodrecido, assentado na dependência tecnológica, na intensificação cada vez maior do neocolonialismo.

Defendi a pré-candidatura de Nildo Ouriques pelo PSOL. O partido preferiu, em seus próprios termos, fazer estreita interlocução com o petismo, escolhendo Guilherme Boulos. Entendo que para essa eleição um nome de nível e qualificado, atento a certas questões importantes da soberania política e do domínio técnico cientifico nacional, comumente esquecidas no debate público, é Ciro Gomes (PDT).

Sem perder de vista as suas limitações, típicas do conservadorismo esclarecido do desenvolvimentismo brasileiro, Ciro é muito estudioso e articulado, tem certo potencial conflitivo junto ao poder, o que é necessário nessa quadra da vida brasileira. Pode ainda permitir a circulação de questões e ideias decisivas para o País, contribuindo para a elevação do debate público brasileiro.

Ciro corresponde a uma solução momentânea e modesta, que tenderia a viabilizar outro patamar de discussão e ação política no País. Dar tempo para novas configurações políticas e organizacionais necessárias, sobretudo aos trabalhadores e à pequena burguesia. Contudo, considerando o horizonte em aberto, as sondagens eleitorais, as disputas partidárias de um sistema político e econômico moribundo, está difícil ver outro cenário que não a polarização PT/AntiPT (agora regido pelo bolsonarismo).

Um sistema que precisa ser superado por forças sociais e políticas ainda adormecidas e amorfas. Forças a serem necessariamente mobilizadas e galvanizadas, que precisarão articular as questões social/distributiva, democrática e nacional, com ênfase nessa última. Sem a questão nacional, em um País sem direito a ter destino e controle sobre seus próprios recursos, que em vez de cultura é concebido apenas como território, a mudança não ocorrerá. Tratarei desse assunto em próxima oportunidade.  

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.

 

Redação

4 Comentários

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  1. Falso Dilema

    Concordo com a análise feita por Roberto Bitencourt. É preciso reconhecer que o PT não tem mais a mesma força política que um dia teve, principalmente porque afastou-se das bases que o fundaram e “anestesiou” os sindicatos e organizações de base (exceto MST e MTST).

    Os dirigentes do PT apresentam ao eleitorado um falso dilema: ou votam no Haddad ou votam no fascista. Ainda estamos no primeiro turno e esse falso dilema é uma manipulação consciente, uma chantagem reles dos dirigentes do PT.

    Existe uma terceira via, com o candidato melhor preparado para esse momento histórico: Ciro Gomes.

  2. pessimismo

    Também tendo ao pessimismo. Os facis tas que botaram as asinhas de fora não vão guardá-las só por causa de derrota nas urnas. Essa gentalha gosta de judiar do povo…

  3. Ciro é o cara!

    Deve ser verdade mesmo. Ciro tem ampla inserção nas camadas populares, nos diversos segmentos sociais, um partido que tem ampla preferência do eleitorado, do qual ele foi sempre fiel e um discurso de esquerda claro e coerente. Ou será que eu estou enganado?

  4. TEMOS QUE PARTICIPAR ATIVAMENTE DO BRICS

    Concordo com Bitencourt de que o momento é difícil; mas discordo da visão dele de que não há caminho, precisamos nos afastar um pouco dos nossos umbigos, parafraseando o autor do texto, temos que entender o que está ocorrendo no mundo neste instante. Lula quando chegou ao poder pegou um mundo unipolar, com domínio completo e absoluto dos Americanos, com a Rússia falida por aquele cachaceiro chamado Boris Yeltsin e a China ainda nos seus primeiros passos para se tornar uma nação desenvolvida, não teve como fugir, mas mesmo dentro disto conseguiu realizar o Projeto do Pré Sal e iniciar a inserção do Brasil no “BRICS” nestes dois pontos estava a saída do Brasil do “Colonialismo Americano”,  a Dilma tentou radicalizar ainda mais estes dois aspectos, o problema é que no Brasil os 5ª Coluna Americanos são muito fortes.

    Aí o Obama( o pior presidente americano de todos os tempos, tanto para o povo americano quanto para o mundo), que já tinha iniciado em 2011 a “Primavera Árabe”, armando terroristas e bandidos em países do norte da África, do Levante e do Golfo Pérsico para destruir governos legítimos e instalar o caos e assim poder controlar o preço e a comercialização do Petróleo no Mundo, em 2014, junto com a Arábia Saudita, iniciou a derrubada do preço do Barril de Petróleo, para falir a Rússia, o Irã, a Venezuela e destruir o Pré Sal Brasileiro, unido a isto começou a se utilizar pesadamente do “Método da Guerra Híbrida” para desestabilizar países onde não poderia levar a Guerra com Armas como no caso da Primavera Árabe, foi o caso do Brasil, da Ucrânia, etc. A burrice do Obama foi a sua falta de visão estratégica, tanto com relação a Rússia quanto com a China. Com a Rússia foi uma falta de visão monumental, tentar falir o pais pela desvalorização do petróleo foi idiota, apenas levou a Rússia ao “Estado da Arte”, ou seja, levou eles para o caminho onde são os “reis”, produzir cada vez mais armas com muitíssima maior qualidade que as americanas e mais baratas. Hoje a venda de armas dos Russos crescem em média 10% anuais e as americanas decrescem em média 5% anuais. Os russos também deram fim a vagabundagem americana chamada “Primavera Árabe”, no 30/09/2015 o congresso russo autorizou a operação de “ajuda” ao Governo Legitimo da Síria no dia 31 começou os bombardeios a partir do Mar Mediterrâneo, por “cuidado” os Americanos saíram do Golfo Pérsico do outro lado, no dia 07/10/2015 encerrou a “Primavera”. Com a China a burrice não foi menor, com petróleo barato e a Rússia “puta da vida”, facilitou o jogo chinês, a união entre a Rússia e a China é hoje inquebrável e tem claramente o objetivo de enfraquecer o poder americano, a China tem a 2ª maior economia do planeta e dinheiro a rodo para gastar no seu projeto da “Nova Rota da Seda”.

    Por isto digo e repito o caminho do Brasil é se aproximar fortemente da China e da Rússia através do “BRICS”, aí vai dar para evitar os “Golpes de Estado” arquitetado pelos americanos. È claro que o PT deve se aproximar, cada vez mais, dos mais pobres através do Bolsa Família, Bolsa Emprego, Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos, Enen, Prouni, etc.

     

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