O caso Filipe Martins: sinais de supremacismo branco no governo sempre estiveram presentes, por Marcio Valley

O próprio presidente já enviou um sinal dessa natureza ao realizar transmissão pública na qual ele e outros dois integrantes do governo bebericavam vistosos copos cheios de leite, símbolo reconhecido de racismo ariano

O caso Filipe Martins: sinais de supremacismo branco no governo sempre estiveram presentes

por Marcio Valley

Muito revelador o episódio ocorrido com o assessor especial de Bolsonaro, Filipe Martins. Para quem não sabe, Martins, apesar de muito jovem e recém-formado, tornou-se assessor especial de Bolsonaro por indicação do guru bolsonarista Olavo de Carvalho, de quem é discípulo fiel, e de Eduardo Bolsonaro.

Antes de falar sobre o episódio em si, vale a pena uma breve exposição sobre Olavo de Carvalho, o guru de Bolsonaro e do bolsonarismo. Astrólogo, diz ser filósofo. Sem formação científica alguma, não acredita que os planetas giram em torno do Sol, discorda de cientistas consagrados como Galileu, Newton, Giordano Bruno, Einstein e acredita em coisas como terraplanismo, éter luminífero e que heterossexuais não pegam aids. Todavia, como todo conservador de extrema-direita, não acredita no aquecimento global, ou seja, entende que o planeta pode ser inteiramente explorado comercialmente, sem repercussão ecológica alguma. Absolutamente nenhum integrante respeitável da academia vislumbra valor positivo no pensamento olaviano, que basicamente obtém sua ressonância estritamente entre os leigos que frequentam as redes sociais. Sua única filha adjetiva o “amado” pai como louco, cruel, covarde, mentiroso e que odeia o Brasil e os brasileiros. Quanto a ser louco, ela possui prova: ele já esteve internado em hospital psiquiátrico. O astrológico é pródigo em ofender adversários com grosserias e palavras chulas. Uma pessoa com essa envergadura intelectual e psicológica foi o responsável pela nomeação para o ministério bolsonárico de pessoas como Ricardo Velez, Weintraub, Ernesto Araújo e, não esqueçamos, Filipe Martins, todos seus discípulos e fiéis à orientação olavista. Isso, por si só, já deveria ter sido suficiente, antes da eleição, para deixar claro para todos quem era Bolsonaro e do que seria capaz o bolsonarismo no poder. Infelizmente, não foi.

Quanto ao discípulo Martins, dizem ser uma das pessoas que mais influência exerce sobre o presidente, somente perdendo importância nesse círculo para os filhos 01 a 03. Aparentemente, é o principal responsável pelo chamado “gabinete do ódio”. Como o fruto não cai longe da árvore, possui perfil similar ao do astrólogo de Vírginia: ultraconservador de extrema-direita, contra todas as bandeiras humanitárias de esquerda, inclusive direitos humanos, politicamente correto, políticas identitárias, programas de transferência de renda e assim por diante. São as mesmas restrições pautadas pelo guru. Embora de hierarquia administrativa bastante inferior, afirmam ser ele quem manda no ministro das relações exteriores Ernesto Araújo, além de já ter passado “pito” em general; não um qualquer, mas o próprio vice-presidente, que, vejam só, abaixou a cabeça e silenciou.

É cada coisa inacreditável que sai desse movimento bolsonarista que será preciso um profundo estudo multidisciplinar, envolvendo o exame de psicologia de massas, antropologia de tribos urbanas e, por assim dizer, a enorme paralaxe opinativa sobre o real que permite o surgimento desse desvio no “corre” da humanidade; isso se quisermos entender exatamente que bicho escroto é esse, de onde vem, quem prefere parasitar e do que se alimenta.

Bom, o fato é que Martins, em plena reunião pública no Senado Federal, fez um gesto deliberado com as mãos que, segundo a visão de cada um, pode ser entendido como “ok”, “vai tomar no c…” ou “white power” (supremacia branca). Da forma como feito, a hipótese mais provável é de que seja o símbolo supremacista branco. A posição tomada pelas mãos não parece corresponder nem a “ok” nem ao palavrão. No primeiro, via de regra, a palma da mão é erguida na altura da cabeça e exposta para o interlocutor com um movimento de staccato, o que não ocorreu no caso. No xingamento, a palma da mão, em geral, permanece na altura do peito, sendo virada para cima, com os dedos permanecendo juntos de forma a que o círculo tome preponderância visual, como representação do ânus.

O símbolo do “white power”, por sua vez, embora bastante mais assemelhado ao de “ok” do que ao do palavrão, é gesticulado de forma levemente diferente, posicionando-se a palma da mão de forma lateralizada em relação ao corpo, com o círculo e os dedos tendo igual destaque, dada a necessidade de evidenciar o “p” (o círculo com as costas da palma) e o “w” (os dedos espaçados). Foi exatamente o que fez Filipe Martins. Diga-se que o próprio Martins nem tentou fingir que era um gesto obsceno ou de “ok”; apenas negou ser o símbolo supremacista e que tentava ajeitar o terno. A explicação, contudo, afigura-se muito improvável. Houve um claro perfeccionismo no gestual e a manobra, em si, não parece ter esse objetivo, inclusive pela dificuldade do movimento; seria mais fácil passar a mão totalmente espalmada, sem a formação de um desnecessário círculo. Alguém plantando bananeira poderia alegar estar apenas tentando levantar o paletó até o pescoço, isso, no entanto, não tornaria factível a alegação. Enfim, a investigação dirá. Todavia, o que torna esse episódio mais revelador não é a existência de um possível racista no governo Bolsonaro (alguém ainda se impressionaria com essa “revelação”?), mas a impressionante sucessão de episódios de posicionamentos pessoais de componentes importantes do governo que demonstram caráter, inclinações e qualificações extremamente duvidosos dos companheiros do presidente; antes e após ser eleito presidente da república.

O primeiro caso de personalidade duvidosa que ronda o presidente é mesmo Filipe Martins. A fim de levantar a própria credibilidade após o estrépito causado pelo gesto supremacista, anunciou ser judeu, embora evangélico, o que, segundo pensa, tornaria impossível ser um supremacista. A premissa não é verdadeira; existem pessoas que discriminam a própria etnia ou credo. Tem um presidente de uma fundação voltada para a proteção dos direitos dos negros aí que, não sei não… Não bastasse isso, a invocação da ancestralidade judaica, ao que parece, funda-se em declaração obtida pelo tio de Filipe junto a uma corte rabínica inexistente, como apurou reportagem do DCM, O estranho caso de Filipe Martins e seu tio “barão”. Segundo o DCM, o órgão judaico fraudulento foi criado pelo próprio tio de Filipe Martins, que não possui registro de ascendência judaica em sua árvore genealógica.

Em favor de Martins, diga-se não ter sido ele a produzir o primeiro sinal, e possivelmente não será o último, de que o governo Bolsonaro é permeado de elementos nazifascistas. O próprio presidente já enviou um sinal dessa natureza ao realizar transmissão pública na qual ele e outros dois integrantes do governo bebericavam vistosos copos cheios de leite, símbolo reconhecido de racismo ariano, sem nenhuma justificativa, no discurso, para a bizarrice, como proteção aos produtores de leite, por exemplo. Ou alguém já viu outros presidentes apresentando, em primeiro plano, não um, mas três copos cheios de leite em transmissão pública? Mal bebem água…

Além disso, tem-se o caso de Roberto Alvim, ex-secretário de Cultura, demitido após publicar discurso no qual utilizou quase literalmente um trecho de discurso proferido pelo nazista Goebbels. O comportamento parece ser um horroroso pré-requisito para um cargo que cuida da cultura do país. O mais recente secretário de cultura, Mário Frias, que, como representante da cultura, deveria ser melhor no português (escreve “assesso” em lugar de acesso), publicou no Twitter uma mensagem na qual minimizava o horror do holocausto ao compará-lo com os possíveis problemas decorrentes de um lockdown. Em maio de 2020, a Secom (secretaria especial de comunicação social da presidência da república), então dirigida por Fábio Wajngarten, publicou uma mensagem na qual utilizou uma frase inspirada no dístico que encimava o portão do campo de concentração de Auschwitz. Em sua defesa, disse ser judeu, como posteriormente faria Filipe Martins. Todas essas referências e comparações repulsivas foram repudiadas pelo Museu do Holocausto.

Na eleição de 2020, uma aliada estreita de Bolsonaro foi eleita como governadora de Santa Catarina. Seu pai, um professor de História, tem assumidamente Adolf Hitler como ídolo e, em sala de aula, ensinava o negacionismo do Holocausto aos alunos. Após o escândalo vir à tona, muito relutantemente, afirmou não ser nazista. Ah, bom, poxa que susto!

Ainda em Santa Catarina, Wandercy Pugliesi, o “professor Wander”, ex-militar, foi candidato a vereador em 2020 apoiando Bolsonaro e toda a pauta bolsonarista, como armamento, golpes militares e etc. O professor possui uma casa suntuosa na qual uma piscina de águas cristalinas exibe um fundo decorado primorosamente com o símbolo da suástica nazista. Tornada pública a foto de sua piscina, desistiu da candidatura e acabou expulso do partido (PL).

Manifestações bolsonaristas costumam ostentar símbolos nazistas, como a bandeira em duas cores com um tridente centralizado. A manifestação promovida pela bolsonarista Sara Winter utilizou uma vestimenta bastante similar ao usado pelos membros da Ku Klux Khan, além de tochas acesas, como as usadas pelos que perseguiam negros para linchá-los ou enforcá-los na primeira árvore.

Os exemplos de demonstrações nazifascistas do governo Bolsonaro são muitos. Não bastasse isso, vemos que o atual presidente ainda tem, antes da presidência, ligações muito estranhas e próximas com a criminalidade comum, com criminosos de colarinho branco, milicianos, suspeitos de assassinatos e coisas desse tipo.

Antes da candidatura presidencial, o então deputado Bolsonaro colecionava amigos como o ex-PM Fabrício Queiroz, envolvido no caso de corrupção que chamam de “rachadinhas”, no qual parte dos valores obtidos, segundo investigação, seriam utilizados para a milícia chefiada pelo também ex-PM Adriano Nascimento. Queiroz e Adriano são envolvidos em vários autos de resistência, que é o nome legal das mortes de suspeitos por policiais; em geral, embora não sempre, policiais que utilizam muitos autos de resistência são executores, justiceiros ou, como são conhecidos atualmente, “milicianos”. No que concerne a Adriano, essa condição está praticamente comprovada, tanto que acabou morto em confronto com policiais na Bahia, suspeito de participar na morte da vereadora Marielle.

No caso de Adriano, a proximidade com o presidente e seus familiares é assustadora. A mãe e a mulher do miliciano morto foram lotadas no gabinete de Flávio Bolsonaro que, em 2004, encaminhou proposta de “menção de louvor e congratulações” na Assembleia Legislativa do Rio em favor do ex-PM. Fechando o círculo de aproximações, digamos, “sociais” do presidente, a mãe de Adriano realizava depósitos na conta do Queiroz. Como sabemos hoje, há suspeita de que a esposa do presidente tenha recebido depósitos em sua conta realizados por Queiroz que, como dito, recebia valores da família de Adriano. Então, somando dois mais dois…

Adriano, considerado chefe do Escritório do Crime, conhecia Ronnie Lessa, tendo ambos trabalhado no Batalhão de Operações Especiais (Bope). Além disso, uma pessoa de confiança de Ronnie era frequentador assíduo da concessionária de carros de propriedade de Adriano, localizada na Barra da Tijuca. Essa mesma pessoa, ponte entre Adriano e Ronnie, é suspeita de ter sido quem se desfez das armas utilizadas no assassinato de Marielle. Ronnie Lessa, sargento reformado da PM, como todos agora sabem, mora no mesmo condomínio de Bolsonaro e com ele mantinha relação social, demonstrada por diversas fotos juntos e pelo fato de que o filho 04, Renan (agora também suspeito de corrupção), namorou a filha do ex-PM. Bolsonaro, Adriano, Flávio, Ronnie Lessa, Renan, todos se conheciam; como o mundo é pequeno, não é mesmo!?

Na campanha, teve a imprescindível assessoria de Steve Bannon, o inventor das “fake news” como o principal mecanismo publicitário para passar ao público a imagem de lobos como carneiros. Pessoa inescrupulosa dedicada a fazer vencer a política desumana praticada pela extrema-direita, Bannon foi preso nos EUA por fraude fiscal; o último ato de Trump foi indultá-lo, para desespero dos ingênuos que acreditam na pureza moral da extrema-direita. Aliás, as dezenas de imóveis adquiridos por Bolsonaro e seu familiares nesses trinta anos em que foram apenas servidores públicos já deveria ter acendido todos os sinais de alerta num país que, recentemente, se preocupou com um apartamento de classe média que nunca esteve no nome do acusado e de um sítio do compadre que era por ele frequentado. A mansão adquirida recentemente pelo filho de Bolsonaro, subavaliada em seis milhões de reais, é um tapa na cara de todos os brasileiros. Somente com o valor pago por esse imóvel, mesmo considerando a aparentemente falsa avaliação, uma meia dúzia de triplex ou de sítios que, mesmo após a anulação dos julgamentos, ainda causam frisson nos hipócritas.

Eleito, o primeiro ministro da educação de Bolsonaro foi Ricardo Vélez, colombiano de nascimento e brasileiro por naturalização. Velez sustentou publicamente que os brasileiros são canibais que, em viagens, roubam objetos dos hotéis, assentos salva-vidas de avião e acham que podem carregar tudo que veem. Nunca ficou claro se ele também pensa assim dos colombianos. Era ardente defensor da ditadura militar, que descrevia como “uma democracia de força”, seja lá o que entende por isso, pois ditadura e democracia são antíteses, segundo a ciência política. Desgastado por polêmicas, inclusive junto aos militares que defendia, foi excluído do governo, sendo substituído pelo inacreditável Weintraub, provavelmente o ministro da educação mais ignorante da língua portuguesa na história nacional.

De cara, Weintraub nem tentou corrigir Bolsonaro que o chamou de “doutor”; ele não possui essa titulação acadêmica. Considero bastante duvidosa a retidão moral de pessoas que aceitam títulos que não possuem, como doutor, coronel ou qualquer outro. Via de regra, revelam um apreço maior à bajulação ou egolatria do que à verdade. Um ministro da educação trocar Kafka por “Kafta”, asseclas por “acepipes” e impressionante por “imprecionante”, para ficar nesses exemplos, já seria péssimo. Isso, porém, nem é o pior de sua personalidade. Seguindo a cartilha bolsonarista, produziu ataques de natureza xenofóbicas à China, zombando do sotaque, e apologia à teoria conspiratória de dominação mundial chinesa. Na famosa reunião ministerial que foi gravada e tornada pública, sem respeito algum pela liturgia, disse que por ele botaria os ministros vagabundos do Supremo na cadeia. Era contumaz em atacar os povos indígenas e tentou mesmo lhes retirar direitos, somente não conseguindo por forças alheias à sua vontade. Embora na condição de ministro da educação, que deveria ser defensor e aprimorador dos estabelecimentos públicos de ensino, não hesitou em reduzir as universidades federais, algumas com nível de excelência atestado por organismos internacionais, ao papel de produtoras de entorpecentes. Após tanta barbaridade, Bolsonaro viu-se na obrigação de defenestrá-lo do governo, não sem antes conseguir-lhe uma promoção para um cargo de salário muitas vezes maior do que o de ministro. Aliás, comportamento usual do presidente em relação aos seus simpatizantes quando é obrigado a afastá-los, como se vê agora com Pazuello.

Existe um sem-número de exemplos como os mencionados, mas acho que já fixei o meu ponto. Contudo, mesmo ante tantos elementos definidores da natureza de Bolsonaro e do bolsonarismo, incrivelmente ainda há quem minimize tudo isso, enxergando somente exageros pontuais ou fanfarronices. Trata-se de uma condescendência absolutamente perigosa. Muitos dos que minimizaram a covid morreram da doença; os que sobreviveram tiveram que passar por uma experiência de quase morte para entender a gravidade da epidemia. Infelizmente, ao que parece, tem pessoas que somente são capazes de aprender com a dor, não conseguem ter previsão mínima nem mesmo sobre o que acontecerá um segundo após o último pensamento.

É incrível a quantidade de pessoas que ainda passam pano para as inúmeras demonstrações de que esse governo abriga uma grande quantidade de racistas, machistas, teóricos da conspiração comunista, terraplanistas, anticientificistas, adeptos da desigualdade natural como justificadora da miséria, enfim de todos os pensamentos humanos aprovadores de uma desumanidade que pensávamos extintos há dois séculos. Independentemente do que efetivamente pensa o próprio Bolsonaro (se é que pensa, acho que somente reage), o fato é que a exposição de suas ideias atrai esse tipo de gente, as piores possíveis.

A atração que a monstruosidade sente por Bolsonaro é facilmente explicável: ele é, não somente um porto seguro para os monstros, mas um farol que os guia corretamente pelos caminhos do abominável.

Filipe Martins é somente o último exemplo disso, nada mais. O horror está no poder e enquanto lá permanecer muitos outros virão e não serão somente supremacistas brancos. Os que alimentam o monstro serão devorados por ele.

Redação

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