O desespero analítico dos derrotados morais, por Aldo Fornazieri

O desespero analítico dos derrotados morais

por Aldo Fornazieri

O fracasso moral do golpe se assemelha a um grande depósito de lodo e lixo acumulado ali por uma imensa enxurrada que devastou as praças, ruas e avenidas de uma grande cidade. Neste depósito não estão apenas os líderes do golpe, hoje os políticos mais rejeitados do país, mas também os seus escudeiros intelectuais, dentre eles jornalistas, economistas e cientistas sociais, que aberta ou envergonhadamente apoiaram um impeachment sem crime de responsabilidade. Junto com a Constituição, políticos e analistas, rasgaram os preceitos da democracia e produziram o governo mais corrupto e mais impopular da história do país, com um presidente denunciado duas vezes.

A certeza de que não houve crime de responsabilidade e o resultado monstruoso que foi produzido pelo movimento da moralidade, que se traduziu num governo ilegítimo, corrupto e rejeitado, são os dois pontos cardeais da derrota moral do ajuntamento inescrupuloso que se formou e que agora se estilhaça, desorientado e dividido. Mas, como resultado, o golpe produziu também uma devastação institucional, social, material, cultural, nacional e econômica. Tivesse a Dilma permanecido no governo, a economia teria, provavelmente, se recuperado de forma mais rápida, pois o ciclo recessivo e a redução da inflação já se anunciavam no horizonte. O seu retardo ocorreu por conta da exasperação artificial e criminosa da crise política.  

O desespero dos derrotados morais começou a se acentuar na medida em que foi ficando evidente o afundamento do governo e dos políticos do seu entorno tendo como contraface a paulatina, constante e firme recuperação de Lula – um dos alvos principais do Putsch parlamentar-judicial e da ação persecutória movida pela Lava Jato e pelo juiz Sérgio Moro. No mesmo passo em que a perseguição vai sendo desnudada, a própria popularidade do juiz toma o caminho da ladeira abaixo.

O nó angustiante que se formou na cabeça dos derrotados morais se atou em definitivo quando perceberam que eles mesmos produziram uma hidra: a candidatura de Bolsonaro, hoje consolidada em segundo lugar. Dessa angústia surgiu a ânsia da busca da novidade salvadora, primeiramente encarnada em Dória e depois em Luciano Huck. Dória,  pelo seu charlatanismo, por ser um vendedor do Monumento dos Bandeirantes, tal como um famoso charlatão vendeu a Torre Eiffel, teve o mérito de se auto-inviabilizar.

As esperanças dos angustiados foi depositada, então, no aventureirismo irresponsável, representado por Luciano Huck. Viram um inovador político, um salvador, em alguém que nunca foi político como se fosse possível fabricar um líder pelo artificialismo da vontade desesperada de moralistas sem moral. Penduraram um manto de diplomas em seus ombros, inteligência estelar em sua cabeça, sem que ele tenha liderado qualquer coisa a não ser um programa medíocre de entretenimento, destinado a iludir um povo desesperado, vitima da sonegação da educação e da cultura.

Confundiram inteligência pessoal com virtudes políticas e éticas, experiência e competência para o agir político. Pensam que é  possível transformar uma celebridade em um líder autêntico, algo que só é possível a alguém que tem uma história social e política de lutas, enraizada em segmentos sociais significativos. Agora, a imbecilidade analítica julga que Dória e Huck soçobraram por um problema de timing. Insatisfeitos com a candidatura Alckmin que, aceite-se ou não, tem uma história política, os derrotados morais continuam caçando ilusões para vender engodos. Impacientes, sequer cogitam que, no contexto da campanha, Bolsonaro possa se esvaziar e que se produzirá um segundo turno com os protagonistas do PT e do PSDB, que é a hipótese mais provável.

No artigo publicado na Folha de S. Paulo em que anuncia a desistência de sua candidatura, Huck mostrou-se mestre em tecer comentários do nada sobre o nada, exercendo o pleno direito à frivolidade. Sem rubor, foi doutor no exercício da vaidade e da arrogância dos bem viventes da zona sul do Rio, ao comparar-se a Odisseu envergonhando a todos os leitores circunspetos de Homero. Qual foi a grande tragédia na vida de Huck? Qual foi a sua epopéia? Qual foi seu grande feito histórico? De que batalhas participou? Quais foram os grandes feitos que legaram resultados extraordinários ao povo? Esse autoelogio seria risível  se não tivesse gente disposta a levá-lo a sério.

As novas investidas salvacionistas e contra Lula

Para além disso, agora, os derrotados morais desenvolvem três movimentos visando recuperar terreno e credibilidade: 1) ensaiam um incensamento, meio envergonhado, dos resultados do governo Temer. O problema é que Temer é contagioso e não conseguirá construir um pólo alternativo de poder, mesmo que a economia continue se recuperando; 2) querem vender a polarização Lula versus Bolsonaro como o grande mal, como a polarização de dois radicais. Mentem sem pudor, pois Lula nunca foi e nem será radical. Pelo contrário: é excessivamente conciliador. É certo que Bolsonaro é radical. Mas ele é filho legítimo dos golpistas, desses derrotados morais que o abrigaram e o alimentaram no processo de derrubada da Dilma.

O terceiro movimento consiste em marcar Lula como populista. Aqui, mais uma vez, se trata de imbecilidade analítica ou de má fé. Ou das duas coisas juntas. É certo que Lula é um líder carismático. Mas nem todos os líderes carismáticos são populistas, assim como nem todos representam algo negativo. Pelo contrário, muitos líderes carismáticos se tornaram grandes heróis, paradigmas de muitos povos.

Uma das características principais do populismo na América Latina, do ponto de vista da definição conceitual aceita, consiste em que ele governa numa relação direta com as massas, sem a mediação das instituições democráticas e representativas. Se a prática política é a prova do pudim, é preciso apontar em que momento, nos seus 8 anos de governo, Lula exerceu práticas populistas. Pelo contrário, foi acanhado e contido em usar a sua imensa força política junto ao povo para influenciar os rumos do país e do governo.

O desespero dos derrotados morais aumenta porque, acuse-se Lula do que se quiser, as acusações já não produzem efeitos negativos. A população já percebeu que não existem provas materiais nas acusações, ao contrário de contas bancárias no exterior, de malas de dinheiro e de bunkers com estoques de jóias e milhões de reais. Já percebeu que Lula foi condenado sem provas por um juiz que o persegue, algo denunciado por juristas brasileiros e estrangeiros.

Então, o que resta aos desesperados é a esperança de uma interdição judicial da candidatura Lula, algo que não pode ser aceito pelos democratas, pelos progressistas, pelos movimentos sociais e pelo próprio Lula. Será preciso barrar nas ruas este último ato golpista, possivelmente patrocinado por um Judiciário que se tornou alcoviteiro de bandidos e corruptos de colarinho branco, que abriu mão de exercer o controle constitucional em última instância, entregando-o a um Senado corrompido para salvar Aécio Neves. Chegará a hora de confrontar a parcialidade de um Judiciário que se desmoralizou, que usa odientos instrumentos persecutórios contra uns e garante a impunidade de outros.

Admitindo-se a hipótese, inaceitável, de que Lula possa ser interditado ou preso, a derrota moral do agregado imoral se aprofundará, pois Lula passaria para a história como vítima, como um perseguido pelas elites e se tornará ainda mais um paradigma do povo pobre. Uma eleição sem Lula, ademais, fará emergir um governo ilegítimo e a desobediência civil.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).

 

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

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  • Muito bom artigo. Sintetiza

    Muito bom artigo. Sintetiza com maestria o atual impasse político-institucional do país. E ainda tem esta que é a melhor e mais precisa definição do sistema judiciário brasileiro, aí incluído o infame mp, pgr e mais a pf como braço armado: "um judiciário que se tornou alcoviteiro de bandidos e corruptos de colarinho branco". 

  • Fator Héctor Cámpora

    Para jogar ainda um pouco mais de gasolina nessa fogueira do impedimento de Lula: eventualmente o partido dele poderia utilizar um fator Héctor Cámpora. Este cidadão foi um político argentino ligado a Perón.

    Lá, após terem posto o rabo entre as pernas, com a derrota nas Malvinas, os milicos hermanos resolveram "entregar o osso" aos políticos novamente,  reestabelecendo as eleições diretas, mas impediram a candidatura de Perón.

    Este então indicou então o seu representante delegado na Argentina, Héctor Cámpora como candidato, e que, obviamente ganhou de lavada.

    O slogan dele foi "Cámpora no Governo, Perón no Poder". Pouco depois de ter tomado posse, renunciou, forçando novas eleições, na qual Perón ganhou.

    Ou seja, mesmo Lula sendo impedido, ainda assim, existe a chance dele retornar ao poder.

    Ah, e caso se implante o tal parlamentarismo rejeitado pelo população, aparentemente nada impediria de Lula ser nomeado primeiro-ministro, não é? Ou seja, essa ideia também pode se tornar uma faca de dois gumes.
     

    • Héctor Cámpora foi eleito
      Héctor Cámpora foi eleito presidente em 1973, 9 anos antes da guerra das malvinas em 1982. Ele governou por 49 dias ao fim dos quais renunciou. Em seguida Perón ganha as novas eleições para as quais já estava habilitado a concorrer, ganha, governa por 1 ano mas morre durante o mandato. Assume sua vice que era Isabelita Perón, sua mulher. Ela governaria até o golpe militar de 1976. A comparação é interessante mas cabe algumas ressalvas. A figura de Perón na Argentina causava muita discórdia embora fosse muito popular. Sua subida ao poder inicia um processo de radicalização política na sociedade que culmina no golpe militar, ao qual os argentinos chamam de processo de reorganização nacional.

      Assim como a comparação é válida e interessante, acho que há outra experiência histórica aqui na américa latina na qual deveriamos prestar atenção. Um certo país vizinho nosso, há não muito tempo atrás, passou também por um processo de impeachment de um governo que lança mão de um ajuste econômico neoliberal severo, mesmo sendo este governo tido como de esquerda ou mais atento às questões sociais para os padrões da época. Todo este processo traz desalento á população e leva um ex-militar ao governo por meio de eleições, as quais ele ganha e em seguida promove uma constituinte, sofre um golpe de estado mas consegue derrotá-lo junto com o povo. Já sabem de quem eu estou falando né ? O final dessa outra história também não é feliz, embora menos trágico.

      Além da Argentina da década de 70 ou da Venezuela da década de 90, podemos também fazer um paralelo com Honduras atual. Fraude eleitoral garante a vitória do governo que impõe o resultado por meio de um estado de sítio, depois de um golpe parlamentar contra o presidente eleito. Esse último cenário eu acho mais provável para o Brasil, ainda mais com o sistema de votação nosso compeltamente controlado pelo TSE e inauditável por construção.

      • Você tem razão!

        Me confundi com as datas, a questão das Malvinas ocorreu na segunda fase dos milicos no poder por aquelas bandas.

      • Sim.
        Honduras hoje é o Brasil

        Sim.

        Honduras hoje é o Brasil amanhã.

        As eleições de 2018 serão totalmente fraudulentas, Em último caso, o TSE dá a vitória ao que for do lado golpísta e garante maioria parlamentar para ele (esquerdistas que vierem a ser eleitos poderão ter suas candidaturas cassadas por qualquer motivo).

  • 2018 e as duas visões em embate

    Há dois caminhos excludentes: o desenvolvimentismo de Lula e das esquerdas, com a proposta de reconstrução do Estado de Bem Estar Social, e a visão liberal rentista, representada pelo governo Temer.

    Temer, muito mais que FHC, é o ponto máximo que liberalismo cafuso consegue chegar em termos estratégicos, táticos e operacionais, para desespero de Armínio Fraga, um dos mentores intelectuais do Golpe de Estado.

    O fato é que o Golpe deu errado e Lula é o único que tem um projeto de país na cabeça, como disse um analista outro dia.
     

  • Para mim a prova eloquente da

    Para mim a prova eloquente da falência moral dos golpistas é ver o comportamento das celebridades e de alguns coxinhas que apoiaram o golpe:

    - Samuel Rosa anda ficando bravo em ser associado ao golpe e à Aécio Neves, já trocou farpas com o jornalista Joaquim Carvalho e recentemente suplicou ao deputado Paulo Pimenta que não o associe aos coxinhas. Se bem me lembro o Samuel Rosa, juntamente com o J-Quest e outros embarcou com entusiasmo na onda coxinha de 2013 ao se recusar a tocarem nas festas da Copa das Confederações em 2013, apoiou sim Aécio e fez questão de tirar foto com o Moro (aquela foto clássica onde consta o tal Zucolloto).

    - Fernanda Abreu também recentemente suplicou ao deputado Paulo Pimenta que não o associe aos coxinhas.

    - Malvino Salvador sumiu.

    - Fábio Jr. sumiu.

    - Carioca do Pânico está bem mais quieto.

    - Marcelo Serrado fica se explicando sem convencer.

    - Eleitores de Aécio, como previsto, agem como eleitores do Collor e dizem que anularam o voto.

    Quanto aos artistas, eles já sentem um grande prejuízo em suas imagens pelaq participação e/ou apoio ao golpe.

    Eu mesmo nunca mais comprarei nada (nem show) do Capital inicial, por exemplo.

    • Decepção

      Assumam publicamente a m*** que fizeram.

      Sejam homens, principalmente o Samuel.

      Que m**** héin, Samuel? Que m****!

  • Hoje AF deu um tempo na soberba acadêmica

    Sempre faço críticas ácidas e contundentes a artigos de Aldo Fornazieri, Wanderley Guilherme dos Santos e outros "intelectuais esquerdistas", principalmente pelo fato deles se mostrarem vaidosos, soberbos, orgulhosos que não perdem a oportunidade de tirar "casquinhas" no PT e nos petistas, para se promoverem e divulgarem seus artigos, teses acadêmicas e livros, garantindo espaços no PIG/PPV.

    Este artigo mostra que tenho razão ao criticar AF, WGS e outros, pois como estudiosos e cientistas sociais e políticos que são, ele têm capacidade de fazer uma análise sociológica, histórica e política honesta, correta, rigorosa, mas sem os pedantismos e estrelismos que acometem alguns intelectuais e acadêmicos. 

    Pelo retrospecto, este artigo é um'ponto fora da curva'. Aguardemos os próximos.

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