O discurso de Gilmar: a surpreendente surpresa com o que todos já sabiam, por Frederico Firmo

O discurso de Gilmar: a surpreendente surpresa com o que todos já sabiam.

por Frederico Firmo

Num país em delírio  fica-se surpreso até mesmo com algo que sempre esteve  diante de nossos olhos.  As palavras de Gilmar apenas trouxeram à luz fatos  já conhecidos. O país parece estar vivendo em transe,  a realidade nos aparece  turva.

Esta foi uma semana dos discursos. As palavras foram o centro do  espetáculo impactante. Tudo começou  com Lewandowski liberando os fragmentos da operação Spoofing. Foi  uma bomba de fragmentação. A imprensa foi inundada com as provas que sempre escondeu. Nada sabemos dos bastidores, mas com certeza o movimento de abafa  deve ter sido imenso. Os ativos procuradores de Curitiba, embora em low profile, devem ter acionado todos os aliados, que agora ja não são tantos assim.    Moro,  diante do alto apreço que tem de si mesmo,   se recolheu  e esperou  que todos viessem em sua defesa. Se vendo abandonado apelou para a Conja. O herói de ontem e agora abandonado não tinha consciência de que era sapo da fábula carregando escorpiões. No meio da travessia alguns seguiram a própria natureza.

Apesar da inundação das mensagens, a   mídia que o criou e  transformou  em mito preferiu usar a tática da avestruz. Afundaram suas cabeças na expectativa de que tudo passasse o mais rápido possível.  Até  mesmo a Folha que havia se aliado ao Intercept se recusou a exibir várias das mensagens.  Como crianças pensaram que fechando os olhos acabariam com o problema. Mas a avalanche criada por um pequeno hacker  foi como o leve  bater das asas da borboleta e  criou um verdadeiro caos. Na mão da defesa de Lula o conta gotas do intercept se tornou uma torneira. Quando finalmente apareceu um aúdio com a inconfundível voz de Dallagnol, ficou dificil negar o que todos já sabiam, as mensagens são verdadeiras. Cresceu  a sensação  de que não seria mais possível ignorar. Os gloriosos procuradores já não negam  e agora querem provar que não havia nada errado com todo aquele troca troca.

 A suspeição já não é mais uma hipótese. Aliás nunca havia sido. O julgamento da suspeição de Moro  deixou de ser um confronto entre membros da segunda turma pois Moro e sua tropa já haviam criado inimigos de mais.  Mas ainda havia um problema grave no ar, julgar a suspeição de Moro era também resvalar no julgamento do mérito das acusações e das condenações de Lula.  Isto era tudo o que boa parte dos membros do STF não queriam e não querem. Todos os membros de tribunais superiores se esconderam sempre atrás daquela sentença do TRF4 e depois do STJ que  não julgou o mérito, apenas o processo.

 Estas sentenças formaram a cortina escondendo os mal feitos. Todos podiam dizer simplesmente, e ainda o dizem  que,  mesmo com problemas atribuídos a  Moro, a sentença foi sacramentada por duas instâncias superiores.  Se um dia o processo de Lula chegasse ao plenário do STF provavelmente o tribunal ficaria em filigranas jurídicas analisando se o processo seguiu todos trâmites,  mas se diriam impedidos de julgar o mérito. Finalmente ratificariam a condenação.  Mais uma vez  se negariam a debater o  mérito das acusações, pois  sabem que julgamento do mérito terminaria por ser um julgamento do próprio CNJ e STF.

Fachin talvez tenha vislumbrado o tamanho do desastre e fez sua aposta. Libertar Lula seria libertar o STF de todas as suas culpas e também salvaria Moro e a República de Curitiba. Seria apenas uma questão de jurisdição e evitaria a exposição constrangedora dos fatos. Mas esqueceu de combinar com os Russos, embora eu suspeite que combinou com o Russo, afinal a resposta de Dallagnol e a fala posterior de Moro foram quase em tom de agradecimento.

Tarde demais, Gilmar Mendes, Lewandowski, Marques e até Carmem preferiram continuar. O discurso de Gilmar foi acachapante, não poupou ninguém da República de Curitiba e nem mesmo a si mesmo. Usando as mensagens foi desnudando os procedimentos, as violações os abusos, os interesses políticos e as ambições pecuniárias e de poder.  Mas um bom entendedor sabe que todo o STF e CNJ foram  coniventes e cumplíces de tudo isto.  Marco Aurélio com a sua prática de auto preservação já vocifera e tenta levar uma apelação para o plenário. Ele acredita que pode reverter a decisão, pois mesmo sabedor de tudo, entre a justiça e a própria imagem ele fica com a segunda. Não entendeu ainda que a exposição foi tanta que não dá para esconder. Mas ele não se importa com os fatos, ele se preocupa com a narrativa. Marco Aurélio é aquele mesmo que antagonizou Joaquim Barbosa, mas jamais se posicionou contra a supressão de documentos e perícias inocentando Pizolato. Preferiu aderir ao discurso do mensalão mesmo estando ciente dos fatos. Em diversas ocasiões destilou de forma preconceituosa o seu desapreço ao  operário que se tornou presidente, assim como ao colega Joaquim Barbosa. No momento, quasi histérico busca uma forma de fechar Lula na masmorra. Quando diz querer proteger Moro quer apenas proteger a si e a sua casta. 

A manobra de Fachin tem  as mesmas características da Lava Jato pois é uma manobra óbvia que deixa todas as intenções a descoberto mas confia na  narrativa   criada pela mídia. Na operação Lava Jato todos os abusos e violação de direitos  foram explícitos.  As prisões coercitivas, a tortura  dos delatores, a técnica de promover mais e mais acusações, bloqueios financeiros debilitando a defesa e pressionando possíveis delatores. A extensão temporal das  prisões, a indústria das delações. O caso Tacla Duran, o conhecimento de manipulação de documentos probatórios. Os abusos como expropriação de tablets de crianças,  o destrato contra a defesa. Porém tudo foi  devidamente inserido numa  narrativa heróica. Cada abuso foi  festejado  pela mídia.

Os vazamentos seletivos, o grampeamento de escritórios de advocacia.  O absurdo das acusações  chegou ao máximo ao afirmar que um terreno que jamais foi doado, isto é sequer existe, seria uma propina. Este é quase um ato-falho, uma confissão de que se a  propina não existe  a gente cria. Depois um triplex com proprietário registrado em cartório, e um sítio atribuido a Lula porque Dona Marisa comprou flores para o sítio em dinheiro vivo. Tudo isto é ridículo de mais e não resistiria em qualquer tribunal. Mas o TRF4 nunca foi um tribunal qualquer.

Tudo isto  já   era sobejamente  conhecido por todos nós, pela imprensa, pela classe política e pelo judiciário.  Ninguém pode negar. E exatamente porque o mundo já sabia de tudo isto,   as negativas sobre a veracidade das gravações se tornaram  risíveis e insustentáveis. O que mais surpreende é que só agora tudo isto seja impactante. O Brasil estava e continua  dividido entre os que sabiam e ficavam indignados e os que  sabiam e aplaudiam todos estes atos do   Dirty Harry tupiniquim.

Mas  Bolsonaro  esgarçou tanto o campo da direita que trouxe   um ingrediente adicional. Muitos dos que apoiaram conscientemente a brutalidade e a violência de Curitiba contra Lula, não querem  se associar  às milícias de Bolsonaro . Alguns porque se envergonham e não querem andar com aquela família, e outros porque não acreditam mais que ele tenha utilidade.  

Demonstrando claramente que nunca tiveram nenhum compromisso ético, e que a tal defessa da corrupção e da justiça era apenas um véu para negócios, o discurso de Lula tem entre outros efeitos a capacidade de fazer com que máscaras caiam e  abram o bico. As frases dos representantes do tal Deus mercado respondem à pergunta de Cazuza:”Brasil mostra sua cara, quero ver quem  paga pra gente ficar assim?”

Frases de  representantes do mercado financeiro, mesmo diante da catástrofe anunciada:

Diante desse cenário político com Lula, avaliam que será preciso “dar alguns passos atrás” porque Bolsonaro voltou a ganhar força e pode preservar o apoio do setor caso sinalize com alguma reforma, qualquer que seja.

Sabem que dificilmente reformas mais estruturantes serão realizadas mas, para redobrar a aposta, Bolsonaro “terá de entregar alguma coisa”, ainda que seja um simplificação tributária. Neste caso, querem um compromisso do próprio presidente e da ala ideológica.

Do ponto de vista do controle fiscal, já não basta mais medidas paliativas como o fim do abono salarial ou o congelamento de salário de servidores. Para o mercado, essas medidas já deveriam ter sido tomadas há mais tempo como forma de abrir algum espaço para despesas agora necessárias com a pandemia.

Esses banqueiros avaliam que, apesar de Bolsonaro estar mais confiante na aprovação pelo Congresso de uma pauta “mais populista capaz de garantir a reeleição”, o setor tem mais chances de alguma reforma com Bolsonaro do que com Lula devido à base de apoio que o presidente arregimentou no Congresso.

Diante da catastrofe  social e sanitária com milhares de mortes, milhões de desempregados uma paralisia total da economia, os sacerdotes do Deus mercado insistem em sua aposta, e fazem até ameaças. Falam  que tiram ou dão suporte se o nobre presidente “entregar alguma coisa” : controle fiscal, reformas e privatizações. Um olhar sobre realidade social, a realidade economica, a realidade da vida da população deixa claro que nenhuma destas tres coisas resolve coisa nenhuma, apenas faz uma reserva permanente de nossas riquezas para uso exclusivo do mercado. Um destes sacerdotes reclamou que talvez a parcela produtiva, indústria, a que ele chama de não competitiva, pode vir a apoiar Lula. Em outras palavras na economia destes senhores não há nada de concreto, nenhum peça produzida, nem uma gota de petróleo extraído, nenhuma obra, existem apenas ações e  mercado. A realidade concreta do trabalho e da produção  e do mundo dos vivos é para eles apenas um estorvo. Eles acreditam apenas na narrativa das bolsas. A chamada PEC do orçamento e Ajuste fiscal  e outras reformas são apenas garantias para que uma parcela significativa de nossas riquezas sejam reservados e tenham um destino  certo para o mercado.

“Quem está mandando o realismo à merda é a realidade.”-Dias Gomes

Redação

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