O pazzo da questão, por Fábio de Oliveira Ribeiro

O pazzo da questão

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Duas notícias chamaram minha atenção neste domingo. A primeira é a possibilidade da omissão de Augusto Aras ser debatida e julgada pelo Senado Federal. A segunda refere-se à manifestação de alguns Ministros do STF em defesa da responsabilização do Ministro da Saúde pelo caos sanitário e pelas mortes em Manaus.

A Constituição Cidadã é absolutamente clara (art. 52, II). Compete privativamente ao Senado Federal processar e julgar o Procurador da República por crime de responsabilidade. Os tipos penais específicos são prescritos na LEI Nº 1.079, DE 10 DE ABRIL DE 1950.

“Art. 40. São crimes de responsabilidade do Procurador Geral da República:

1 – emitir parecer, quando, por lei, seja suspeito na causa;

2 – recusar-se a prática de ato que lhe incumba;

3 – ser patentemente desidioso no cumprimento de suas atribuições;

4 – proceder de modo incompatível com a dignidade e o decôro do cargo.

Art. 40-A. Constituem, também, crimes de responsabilidade do Procurador-Geral da República, ou de seu substituto quando no exercício da chefia do Ministério Público da União, as condutas previstas no art. 10 desta Lei, quando por eles ordenadas ou praticadas.”

Se for o processamento da acusação for admitida, o PGR sofrerá imediatamente três consequências pessoais prescritas no art. 57 da referida LEI Nº 1.079, DE 10 DE ABRIL DE 1950. :

“Art. 57. A decisão produzirá desde a data da sua intimação os seguintes efeitos, contra o denunciado:

a) ficar suspenso do exercício das suas funções até sentença final;

b) ficar sujeito a acusação criminal;

c) perder, até sentença final, um terço dos vencimentos, que lhe será pago no caso de absolvição.”

O resultado final do processo pode ser a condenação ou a absolvição. As consequências de uma e de outra hipótese são prescritas no art. 70 da referida Lei.

“Art. 70. No caso de condenação, fica o acusado desde logo destituído do seu cargo. Se a sentença for absolutória, produzirá a imediata reabilitação do acusado, que voltará ao exercício do cargo, com direito à parte dos vencimentos de que tenha sido privado.”

Outra consequência da condenação de Augusto Aras seria a impossibilidade dele ser nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal. Faltaria a ele a necessária reputação ilibada para ocupar aquele cargo (art. 101, caput, da CF/88).

Desde que assumiu o Ministério da Saúde, o general Pazuello se comportou como se fosse um ajudante de ordens de Jair Bolsonaro. Ele não foi colocado no cargo porque era um especialista em logística (a falha dele em abastecer os hospitais de Manaus de oxigênio é evidente) e sim porque seria submisso ao comandante em chefe das Forças Armadas e porque. Em virtude de sua cultura militar, Pazuello tratou o presidente da república como um superior hierárquico.

No caso de Augusto Aras, procurador que recebeu mandato para comandar um órgão federal com garantia de impossibilidade de exoneração presidencial sem prévia autorização da maioria absoluta do Senado Federal (art. 128, § 2º, da CF/88), não podemos dizer que ele foi obrigado a proteger o presidente da república. O mais provável é que o PGR tenha feito isso por razões políticas ou em virtude da ambição pessoal de ser nomeado para uma cadeira no STF. No caso do Ministro da Saúde o oposto provavelmente ocorreu.

A cultura militar de Pazuello e o autoritarismo presidencial (Bolsonaro causou a exoneração de dois Ministros da Saúde que se recusaram a fazer o que ele queria), sugerem que o Ministro da Saúde não agiu sozinho. É praticamente impossível que Pazuello tenha tomado qualquer decisão importante sem consultar seu chefe. No mínimo ele decidiu interromper ou reduzir o abastecimento dos hospitais de Manaus imaginando que essa seria a única decisão que atenderia às aspirações do presidente da república.

Não é possível investigar o Ministro da Saúde preservando Jair Bolsonaro. O mito deve afundar junto com seu ajudante de ordens.

Fábio de Oliveira Ribeiro

Fábio de Oliveira Ribeiro

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