O ‘ser’ negacionista: um assassino em potencial à beira da realidade, por Saulo Barbosa Santiago dos Santos

Liberdade de expressão e opinião não abrange crimes, desinformar com dados que levem riscos à vida ultrapassa qualquer direito.

O ‘ser’ negacionista: um assassino em potencial à beira da realidade

por Saulo Barbosa Santiago dos Santos

INTRODUÇÃO

O Brasil tem 3% da população mundial e 11% de todos os mortos pela Covid-19, em junho de 2022 voltamos ao top de contaminados, atrás somente dos Estados Unidos, China e Austrália. Complicado ainda está a campanha de vacina para a influenza, pois não atingiu nem a metade do esperado. Há algo contribuindo para que isto esteja ocorrendo e não é difícil entender que o negacionismo esteja relacionado. O objetivo deste texto é demonstrar o que é negacionismo, reconhecer quando uma pessoa é, e o que fazer com ela.

O QUE É NEGACIONISMO?

É quando, sem provas, desacredita naquilo que já é amplamente aceito e comprovado pela comunidade científica, mais do que isso, se recusa a aceitar os fatos e elabora diversas estratégias para acusar de fraude as teorias científicas.

Uma pessoa que nega a ciência não surge do acaso, para os psicólogos Carlos Eduardo e Betânia Diniz no artigo “Negacionismo científico e suas bases psicopolítica e socioculturais” ela é fruto de um processo que

aspira à construção de uma espécie de versão da realidade que, embora siga os moldes de um transtorno delirante, mostra-se eivado de interesses políticos-ideológicos e econômicos, sendo instrumentalizado por meio de uma sofisticada base tecnologia algorítmica que expõe e coloca em risco, respectivamente, a sociedade e a democracia, bem como a saúde pública e o desenvolvimento social

Os antivacinas são os maiores exemplos quando defendem a não vacinação para determinada doença, no caso a Covid-19. Por consequência acaba influenciando que outras enfermidades já controladas voltem a infectar, para se ter ideia, o sarampo, a meningite e poliomielite estão aumentando o número de infecções. E já tem gente gritando a todos os cantos que não tomará vacina para a “varíola do macaco”.

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RECONHEÇA UM NEGACIONISTA

Negacionistas possuem argumentações que só tem um objetivo, convencer o ouvinte sem necessariamente falar verdades e isto é um grande problema porque nem sempre temos treinamento para entender falácias, pior, eles não agem a sós, estão interligados por redes sociais, unidos por visões de mundo e espectros políticas incomuns. Entretanto, com um pouco de análise, é perceptível que teorias negacionistas possuem padrões, identificando-lhes, será mais fácil filtrá-las e separar o real do imaginário. O psicólogo Michael Shermer, em seu livro “Por que as pessoas acreditam em coisas estranhas?” nos fornece algumas características das teorias negacionistas, vejamos algumas:

  1. Ausência de evidências que ligue a teoria o fato ou “história de pescador”: Dizer que cloroquina cura Covid-19 porque um conjunto de enfermos foram assintomáticas não diz nada sobre a eficácia.
  2. Pessoas grandiosas, declaração grandiosas: É quando se considera alguém tão importante que acredita em suas declarações, mas na maioria das vezes, não são grandiosas, só a quem dá atenção acha;
  3. Se a teoria negacionista for muito complexa e que envolva muitos elementos, por exemplo, que a Covid-19 foi fabricada na China para contaminar o mundo e controlar a economia;
  4. Muitas pessoas envolvidas na conspiração: É bem improvável que pelo menos uma pessoa envolvida numa conspiração se manifeste, sempre tem um que fala. Mas até hoje, por exemplo, não apareceu alguém com boas evidências para confirmar a gravação cinematográfica do homem na lua;
  5. Se a teoria negacionista for de escala mundial ou tão grande quanto: Grupos de pessoas que controlam os rumos da história ou que comunistas usam forças demoníacas para controlar países;
  6. Usar verdades para criar situações improváveis: Foi o caso do rapaz mortos por policiais federais, foi dito que no meio da abordagem, Genivaldo sofreu mal súbito. Todo relato foi verídico, exceto o motivo da morte: asfixia;
  7. Se na teoria há ações miraculosa ou sobrenatural a fatos insignificantes: Vemos isso em diversos casos de estátuas religiosas que “choram”.

Alegações extraordinárias precisam de explicações extraordinárias e fazer isso extrapolando os limites da metodologia científica leva, necessariamente, ao erro e à contradição. Como identificar se uma alegação está dentro dos parâmetros metodológicos? Metodologia científica não é algo complicado de entender, em regra, se aquilo que for dito pode verificar, criticar e compartilhar para que outros possam confirmar, já é um bom sinal.

POSSO DIALOGAR E CONVIVER COM NEGACIONISTAS?

Negacionista não buscam respostas, são redundantes ao questionamento, farão perguntas até não podermos respondê-las e esta falta de respostas será posta em escrutínio. Seus problemas são melhores explicados a partir de um contexto psicossomático do que acadêmico. O homem foi para a Lua? Perguntarão sobre a falta de estrelas nas fotos, posições das sombras, contorções da bandeira hasteada, etc. Você pode até conhecer fatos, mas não é especialista em fotografia, geográfica e muito menos um físico para explicar os detalhes, o problema não será o que você sabe, mas sim o que não sabe e esta será uma questão importante para um debate com um negacionista para que ele injete o selo de fraude, não é uma questão de razão, mas sobre crença e a necessidade querer que aquilo que pensa seja verdade, sinto dizer, há uma enorme diferença entre querer e ser.

Liberdade de expressão e opinião não abrange crimes, desinformar com dados que levem riscos à vida ultrapassa qualquer direito. Quantas pessoas morreram ou tiveram graves sequelas com cloroquina? Além, quantas pessoas tomaram cloroquina e sentiram suficientemente seguras de que não se contaminaria com o Covid e andaram por aí sem se preocupar com a doença? Milhares. Muitas delas seriam salvas se o tal do tratamento preventivo não tivesse sido usado.

Quem acredita em fetos nos refrigerantes, inexistência do aquecimento global, ou que a Terra é plana é um risco à sociedade porque nem fatos são suficientes, o negacionista responderá que ambos não mudarão de opinião, como se isso fosse uma questão de escolha entre uma opinião e outra. A professora Elika Takimoto relatou sua experiência em 2019 no livro “Como dialogar com um negacionista”, ela diz:

surpreendi-me com um aluno que, ao assistir minha aula, na qual eu mostrava os livros e os argumentos de Galileu que apontavam a possibilidade do movimento da Terra, gritou lá no fundo: “Isso é a opinião dele, não sou obrigado a concordar!”. Não havia vontade em aprender, não havia curiosidade em ouvir. A opinião dele já era maior do que as descobertas de Galileu. Eis a pós-verdade em carne e osso. Um garoto de 15 anos se recusando a ouvir os argumentos de Galileu, partindo do princípio de que as “opiniões” de um e outro se equivaliam. Para ele, portanto, seria apenas uma questão de escolha.

O que fazer com uma pessoa desta, além de ter paciência e esperar que o tempo responda? Não podemos nos omitir ou buscar neutralidade diante de um negacionista, fazendo isso, na verdade, está lhe defendendo ou apoiando. Por enquanto, fique distante, não é seguro, precisa retirá-lo das suas redes sociais e conversar quando não houver jeito, sim, negacionista é um perigo e, até que mude, continuará sendo, portanto, você pode até dialogar, mas conviver será inseguro. Entretanto, se o negacionista buscar diálogo, tudo bem, mostre os problemas argumentativos dele, demonstre o seu e de onde tirou.

CONCLUSÃO

Conclui-se que desacreditar na ciência sem qualquer respaldo lógico é uma atitude negacionista, destarte, é possível reconhecer um, se entregará logo no início da conversa, sua aversão à ciência será facilmente notada e acionará sinais de alerta, daí pode escolher se dará prosseguimento à conversa ou não. Pode até dialogar, não há nada de errado nisso, você encontrará pessoas assim o tempo todo, porém, conviver com ela é outra coisa. Dividir sua casa com alguém que negue a ciência é perigoso para si e outros, talvez seja uma ideia extrema, mas é difícil pensar em “talvez” quando envolve pessoas que ama. Por acaso receberia a visita de alguém com herpes labial quando ela diz que os médicos não sabem de nada quanto à transmissão deste vírus? Perigoso para todos, principalmente se tiver um recém-nascido.

Por melhor que sejam os argumentos contra o negacionista, os grupos sociais farão “lavagem cerebral” e em dias parece que nada do que disse teve sentido, claro, não será isso que te absterá, a ideia que sua palavra sozinha não faz diferença é uma ideia desmobilizadora, mas precisamos entender que um negacionista é um assassino em potencial à beira da realidade.


Saulo Barbosa Santiago dos Santos – Filósofo, guarda civil e autista

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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