Pandemia: humanos mortos e mortos humanos, por Márcia Moussallem

Reconheço de maneira lúcida e dolorosa a face mais cruel dos inúmeros “mortos humanos” que estão por aí, soltos, livres e já planejando as próximas festas e encontros.

Imagem: AdobeStock

do Observatório do 3º Setor

Pandemia: humanos mortos e mortos humanos

por Márcia Moussallem

Pandemia, dor, sofrimento e mortes: esse é o cotidiano do Brasil desde março de 2020, em meio de um total abandono e descaso do estado.

São dores, que no primeiro momento para muitos, não passavam de mais um número ou estatística. Em outro momento, esses números despareceram e se transformaram em algo real e concreto diante das mortes de familiares e amigos próximos.

São enterros sem despedida, silenciosos, seja na solidão dos cemitérios ou valas comuns, ou na solidão de um quarto de uma casa longe da família. Sem abraços que apertam o coração no peito… sem nada. Só a dor…

Sou parte dessa mais dura experiência de sofrimento, como também constato observando e refletindo o mundo que vivo, que a dor do outro é descartada, menosprezada ou até cruelmente colocada como algo comum… sem nada, sem afeto, sem empatia.

Lembro-me de uma frase de Vitor Hugo: “Morrer não é nada, horrível é não viver”. Talvez essa frase explique a verdadeira face obscura do comportamento de uma parte de “seres humanos” diante do sofrimento do outro.

São “mortos humanos” que nada sentem e que sobrevivem nesse mundo na sua própria “bolha”, como se o mundo fosse um grande parque de diversão.

Nos últimos meses tenho refletido muito sobre essa condição “não humana”. Reconheço de maneira lúcida e dolorosa a face mais cruel dos inúmeros “mortos humanos” que estão por aí, soltos, livres e já planejando as próximas festas e encontros.

Acredito que temos que comemorar a vida com alegria e ao lado das pessoas que amamos. Mas o tempo hoje é de luto pelas grandes perdas e mortes, bem como de resistência, luta e solidariedade aos inúmeros miseráveis que estão nas ruas, nas periferias abandonados e massacrados por um estado genocida que é validado pelos “bem nascidos”, que não passam de “zumbis” de máscara pendurada na orelha.

Até quando, “mortos humanos”, vocês vão achar que a bolha não será furada? Protegidos? De que? De quem? Planos para o futuro?

Nesse momento não existem fantasias, alegorias… o nosso palhaço colorido que alegra o carnaval está de luto… chora… chora… chora…pelos “ humanos mortos ” e pelos “ mortos humanos ”.

*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.

MÁRCIA MOUSSALLEM – É socióloga, assistente social, mestre e doutora em Serviço Social, Políticas Sociais e Movimentos Sociais pela PUC-SP. Tem MBA em Gestão para Organizações do Terceiro Setor. Professora da PUC-Cogeae/SP  e da FGV-Pec/SP. 
Redação

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador