Política de intensificação de danos, por Gustavo Conde
O jornal Folha de S. Paulo faz uma matéria bem fantasiosa – porque calcada em declarações de bastidor de congressistas – mas suficientemente ampla para começarmos a entender o que suceder-se-á nas eleições na Câmara.
Primeiro: Bolsonaro pode até simpatizar com Baleia, caso as chantagens do Centrão em busca de cargos saiam de controle (a informação é que eles pediram 500 cargos para eleger Arthur Lira).
De fato, a polarização Baleia/Lira é tão real quanto um unicórnio alado. Baleia foi mais fiel a Bolsonaro que o próprio Lira nas últimas votações no Congresso.
Mas, dizer isso é sacanagem com a esquerda (então, eu retiro, desculpe).
Na matéria da Folha, pode-se ler que os generais também gostam de Baleia e alguns até torcem por ele. A questão é singela: alimentar a sanha fisiológica de Baleia – característica sine qua non para filiados do MDB – será mais ‘barato’ que suprir as demandas do centrão.
No fundo, essas eleições no Congresso são uma grande brincadeira para Bolsonaro. São o laboratório dele. Tanto faz Lira, Baleia, Ramalho e quem mais se habilitar (porque novos nomes virão).
A rigor e para um observador que acompanha o “método Bolsonaro de comunicação” o apoio de Bolsonaro a Lira é fake. Trata-se de mais uma simulação para iludir as alas inocentes da esquerda.
O cálculo prévio é de que Bolsonaro pode até agradecer aos céus pela vitória de Baleia, porque assim não estaria mais “sequestrado” pelo centrão – e toda a responsabilidade de governar o país cairia mais uma vez às mãos dos deputados que querem parecer civilizados e ficar bem na foto.
Na foto histórica, diga-se de passagem – porque na foto presente quem fica bem é… Bolsonaro: a esquerda se mata para assegurar alguns parcos direitos do povo e Bolsonaro é parabenizado como o presidente generoso (que fala besteira, mas que é generoso).
Esse é só um dos cenários das eleições na Câmara. Muita água vai rolar e ainda tem o Senado. Até aqui, é possível antecipar – com algum cuidado – que Bolsonaro irá celebrar a vitória de Baleia Rossi, que significará menos responsabilidade para o governo e fará a esquerda mergulhar em mais uma crise de identidade (já mergulhou).
Faz-se necessário lembrar que o PT ficou dividido – e isso garante que o day after de uma derrota do bloco ou mesmo de uma vitória não seja tão traumático (fotos da bancada do PT comemorando com Maia e Baleia seriam trágicas).
Esse é o resultado do encurralamento a que todos nós nos deixamos enredar. Ter de decidir entre golpistas e fascistas em condições assaz precarizadas de julgamento, num país sem instituições, em meio a uma pandemia.
Muita gente pergunta: mas que chances teriam um candidato do PT para a presidência da Câmara?
Eu vou levar a sério essa pergunta apenas pelo seu caráter pedagógico: não se trata de “chances de vencer”. Trata-se da imagem de um partido junto à população. A imagem de um partido – que ainda tem uma imagem – vale muito mais do que qualquer vitória para presidência da Câmara.
Seria, além disso, a chance de tensionar o debate sobre o impeachment e outras questões gravíssimas que assolam o governo.
Trocando em miúdos, a esquerda foi covarde – e a legião de analistas que bajula essa decisão não chegou a me causar assombro, mas um sentimento de comiseração.
O Brasil chegou a um ponto em que é preciso mostrar dignidade, não pragmatismo – ainda mais um pragmatismo tolo e fadado ao fracasso.
Lula dizia, quando ainda na prisão política: não troco minha dignidade por minha liberdade.
Não trocou.
Pelo jeito, ninguém entendeu.
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