Por que o programa Auxílio Brasil continua excludente?, por Lauro Mattei

Neste cenário, cabe um questionamento a todos os senhores (as) senadores: Se você tivesse um filho chorando de fome, você pediria para ele esperar até 2022 para então saciar sua fome?

Por que o programa Auxílio Brasil continua excludente?

CARTA ABERTA AOS SENADORES (AS) DA REPÚBLICA

por Lauro Mattei[1]

Desde os anos 2000s os programas de transferência implementados pelo Brasil se tornaram uma referência para muitos países em termos de política pública de combate à pobreza. Neste cenário, o arcabouço da experiência brasileira revela que a opção por uma intervenção focalizada das ações foi exitosa. Para isso, contribuiu de maneira decisiva a criação do Cadastro Único (Cad Único), instrumento que deu visibilidade a enorme diversidade de segmentos populacionais vulneráveis em todos os mais de 5 mil municípios do país, muito dos quais sempre estiverem à margem das políticas sociais. Neste sentido, o Cad Único foi o instrumento eficaz para ampliar a cobertura das políticas públicas e, com isso, enfrentar com maior robustez um dos principais flagelos da nação: a pobreza!

Após sofrer quedas constantes até o ano de 2014, a pobreza aumentou em 13% entre os anos de 2015 e 2019, fazendo com que mais 5,9 milhões de pessoas ingressassem nessa condição social. Além disso, a pobreza extrema cresceu mais 51% no mesmo período, significando que mais 4,6 milhões de pessoas foram incorporadas a essa condição social. Apenas no primeiro ano da pandemia (2020) a pobreza extrema aumentou mais 9%. Com isso, nos dias atuais aproximadamente 19 milhões de pessoas estão enquadradas socialmente como “extremamente pobres”.

Esse cenário de agravamento das condições sociais levou o Governo Federal a propor ao Congresso Nacional (CN) uma nova política social denominada de Auxílio Brasil (PEC Nº23/2021) em substituição ao Programa Bolsa Família que estava em curso desde 2003 e que se tornou uma referencial mundial. Todavia, a história[2] se repetiu de maneira muito similar ao ocorrido com o Programa Auxílio Emergencial de 2020. Registre-se que na época tal programa só obteve um resultado efetivo após as grandes alterações promovidas na proposta original por parte do CN.

No caso do “Auxílio Brasil”, seu desenho original era péssimo, sobretudo porque estava com sua validade casada ao calendário eleitoral. Além disso, diversos outros aspectos eram extremamente precários, destacando-se a possibilidade de destinar 30% dos recursos ao crédito consignado sob o manto de estar “estimulando o empreendedorismo dos vulneráveis”. Novamente, o CN está dando sua contribuição ao péssimo hábito do governo atual, uma vez que recentemente a Câmara Federal (CF) aprovou melhorias substanciais na proposta original, destacando-se o fato de tornar a política permanente, além de tornar automática a inclusão ao programa de todos os cidadãos que forem elegíveis, como forma de acabar com as longas filas de espera. Com isso, a CF estimou que hoje 20 milhões de pessoas fossem beneficiários do programa, considerando-se que a quantia de cidadãos pobres e extremamente pobres aumentou muito nos últimos, especialmente após o início da pandemia.

E O QUE FEZ O GOVERNO AO IMPLEMENTAR O NOVO PROGRAMA?

O Ministério da Cidadania (órgão ministerial responsável pela implantação da política social) não atualizou os dados sobre a pobreza no país, mesmo tendo a sua disposição o Cad Único atualizado do mês de setembro de 2021, o qual registrava a presença de 18 milhões de pessoas aguardando por um benefício social. Ao contrário, o governo preferiu utilizar os dados do Censo Demográfico de 2010, não se importando que essas informações distorcem a realidade e prejudicam os milhões de brasileiros na lista de espera. Esse procedimento reduziu o alcance de atendimento do novo programa a 13 milhões de pessoas, significando que aproximadamente 5 milhões de pessoas estão excluídos desde a nascente do novo programa. Em resposta a diversos questionamentos sobre esse procedimento, o governo afirmou no dia 26.11.2021 que somente em 2022 está prevista uma atualização das informações visando o atendimento das famílias que se encontram em vulnerabilidade social.

Neste cenário, cabe um questionamento a todos os senhores (as) senadores: Se você tivesse um filho chorando de fome, você pediria para ele esperar até 2022 para então saciar sua fome?

É isso que o governo está oferecendo a 5 milhões de brasileiros que foram excluídos do novo programa apenas por caprichos metodológicos, mas que na essência representa a forma como o atual governo trata os segmentos vulneráveis da sociedade.


[1] Professor titular do curso de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador geral do Necat/UFSC e pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. E-mail: [email protected].

[2] Como dizia o pensador, “a história se repete, pela primeira vez como tragédia e pela segunda como farsa”.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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