Quando um amigo passa o limite e assume ser fascista, por Daniel Gorte-Dalmoro

Quando um amigo passa o limite e assume ser fascista

por Daniel Gorte-Dalmoro

Nunca havia feito isso antes – excluir pessoas do meu Fakebook por motivos políticos. Sou alguém que acredita – insiste em acreditar – no diálogo, no bom uso da razão. Não, não acho que sou o dono da razão, mas se não sei o que é o certo – sequer acredito em uma certeza única -, não hesito em ver muitas posições como claramente equivocadas – o fascismo e a desumanização do outro são algumas delas. Enquanto muitos já excluíam de seu Fakebook batedores de panelas nos inícios do golpe, eu via em meus amigos patos não má-fé, mas limitações de percepção, crítica e cognição, visto estarem demais imersos na linguagem espetacular, sob bombardeio intenso de uma mídia goebbelsiana: era difícil dialogar, mas eu  cria haver possibilidade, assim que surgisse uma brecha – poderia chamá-los para um uso razoável da razão.

Quem busca a razão para justificar injustiça e arbítrio mostra não fazer bom uso da razão. Quem comemora a desumanização do outro atesta sua incapacidade para a vida em sociedade. Não é uma situação definitiva – mas é limite, enquanto não for superada.

A condenação de Lula, faz vinte dias, foi a consagração do fascismo nestes Tristes Trópicos: a inversão do ônus da prova, a falsificação de provas, leis e ritos formais alterados conforme interesses pessoais de acusadores e juiz-inquisidor. Isso é julgamento nazifascista, stalinista – justiça é só um nome pomposo para a institucionalização do arbítrio dos mesquinhos. É o estado de exceção que vale para pobres pretos e periféricos democratizado a quem não lambe os pés dos poderosos – ainda que não os afronte. Alguém que acompanhou, mesmo que a distância, toda essa farsa nazifascista sul-brasileira, não tem como justificar o arbítrio ocorrido.  Não por acaso, muitos dos amigos que esfuziantemente bateram panelas estão silentes, quando não se dizem desiludidos com todas as instituições – executivo, legislativo e judiciário: notaram que até dentro de seu preconceito há um limite para o ódio. Ainda que tarde, perceberam que foram enganados, feitos de patos, ao endossar o coro dos manipulados pela mídia – agora calam, antes que se vejam novamente no ridículo de achar que pensam por conta própria enquanto repetem bordões vindos de cima. É a brecha para chamá-los à crítica, antes que a memória curta os induza novamente a agir como massa de manobra.

Comemorar uma prisão de um senhor de setenta anos (pois é, o vigor e a energia de Lula não raro faz com que esqueçamos que ele não tem quarenta, cinquenta anos) é gozar com a perversão institucionalizada – assim como os que gozaram com Maluf preso (agora que não tem poder algum). Comemorar uma prisão é uma aberração que a sociedade brasileira naturalizou, mesmo em suas fileiras progressistas: numa sociedade que já adentrou a modernidade, a prisão de alguém pode ser um alívio, nunca uma alegria. Preso deveria estar quem apresenta real perigo à sociedade – como quem fala em “escolher um que a gente mata depois” ou que é capaz de comprar agentes públicos que o investigam, por exemplo -, e não qualquer um, preso por um desejo de vingança que beira os primórdios da socialização humana – degenerado por todo o aparato tecnológico, que permite mil outras alternativas de reparação de danos e reintegração de desviantes (nem estou aqui questionando quem impõe o que é desvio o que é normal), assim como formas mais cruéis de tortura.

Quando vi em minha linha do tempo pessoas comemorando a prisão de Lula, ou tentando racionalizar uma justificativa para seu ódio tecnicamente equipado – ainda chamando os que bramem contra a injustiça como ressentidos -, me dei conta que haviam ali atravessado a linha da convivência humana, e adentravam decidida e declaradamente no fascismo: não vislumbro possibilidade de diálogo com quem não é capaz de identificar no outro um humano, um igual. E não há mais justificativa para manter sua posição – salvo severas limitações cognitivas, o que não é o caso – que não o prazer com a dor alheia, o desejo de aniquilação de tudo o que lhe perturba a pretensa harmonia de sua vida estreita e pusilânime. Não são ignorantes, não são burros, não são ingênuos: são pessoas de mau caráter, mesmo. Fascistas. Assassinos esperando sua oportunidade de serem o próximo a despachar o inimigo no trem para Auschwitz. Não por acaso hoje, dia 28, entro para ver se não fui precipitado em meu julgamento e vejo essas pessoas indignadas com cercas derrubadas pelo MST, exigindo justiça, e fazendo silêncio com os atentados contra o acampamento Marisa Letícia – se a Globo permitir, logo lançam um movimento “white fences matters”. Confirmo que minha decisão foi correta: quem se regozija com a injustiça e (pretensa) humilhação de uma pessoa é capaz de sentir o mesmo prazer com qualquer outra – desde que não seja ela própria ou alguém muito próximo. Inclusive, não duvido que quanto maior a dor, maior o prazer – por que não, então, a morte, lenta, quem sabe sob tortura? Dispenso “amigos” que irão comemorar eventual condenação minha para a câmara de gás – incapaz que serei de provar minha inocência diante das convicções de meus algozes.

28 de abril de 2018

 

PS: já há muito tempo, por ter tido contato mais próximo, tomei decisão de romper com familiares nazifascistas – sabia que ali as possibilidades de bom uso da razão eram reduzidas. Acho que família não é justificativa para aceitar esse tipo de pensamento e ação (falo também em ação visto que um primo meu já integrou (não sei se ainda integra) gangues neonazistas em Curitiba). Mais curioso que esses parentes são os que mais falam em boas energias, amor, são professores de yoga, psicólogos exotéricos – tudo isso para no fim do dia achar que há pessoas e há não-pessoas, a despeito de serem todos homo sapiens.

Redação

15 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Fascismo

    O fascismo nada mais é do que a exteriorização da OUTROFOBIA, termo cunhado por Alex Castro que bem pesquisa, medita e se interessa pelo assunto:

    Outrofobia outrofobia. s.f. rejeição, medo ou aversão ao outro. termo genérico utilizado para abarcar diversos tipos de preconceito ao outro, como machismo, racismo, homofobia, elitismo, transfobia, classismo, gordofobia, capacitismo, intolerância religiosa, etc. claudia regina é fotógrafa. alex castro é escritor.

     

    Outrofobia

    Outrofobia

    by 4.3  ·  Não é fácil digerir a possibilidade de ser um outrofóbico, alguém incapaz de perceber as outras pessoas e de se solidarizar com qualquer drama que vá além das paredes do seu mundo pessoal. A escrita de Alex Castro está aí para facilitar um pouco esse trabalho. Em ficção ou temas sérios, o autor consegue prender a atenção com uma linguagem direta e didática, estabelecendo u …more

     

       

  2. As castas privilegiadas

    As castas privilegiadas destes tristes trópicos criaram e nutriram o fascismo na classe média e até mesmo em parte da população mais pobre. Não vejo como mudar isso enquanto se mantiver o status quo. Quem sabe a eleição de bolsonaro possa mudar ao menos a perpepção dos pobres de direita. É um preço caro a se pagar, mas como citado no texto, quase todos os limites da razão humana foram superados.

  3. Esses chorarão o Lula

    A rede esgoto por 2 dias, não mais que isso, dirá que o Lula era um bom homem, mas o poder corrompe, e ele, homem simples e origem humilde, sucumbiu.

    (‘não se metam mais, não é para vocês’)

    O Brasil inteiro vai chorar o bom homem por dois dias, não mais.

    Vida que segue, entre um bbb e outro bbb tem a Copa. 

  4. Stálin?

    Que Stálin tem a ver com isso?

    Quem dera que Lula tivesse sido julgado sob a égide dos Processos de Moscou. Seguramente estaria livre!…

    Não cometeu crime. Ao contrário dos condenados lá!…

  5. O fascismo faz isso mesmo:

    O fascismo faz isso mesmo: meu avô, militar mandado pra servir no Marrocos no início dos anos 30, acompanhou a ofensiva de Franco e ao chegar em Madrid, combateu o seu próprio irmão, que lutava pelos republicanos. Iniciada a ditadura franquista, meu avô deu abrigo a seu irmão, que estava desempregado e sofria perseguição, até que este conseguisse ter emprego e moradia (pelo menos é assim que a minha família conta a história).

  6. fascistas

    O golpe é uma sequencia enorme de trambiques.

    Os golpistas ou são fantoches ( como disse a Paraiso da Tuiti), ou são trambiqueiros.

    Não existe uma moral de esquerda e outra moral de direita. 

    Quem tem caracter tem, que não tem, jamais terá.

    Não convivo com gente desonesta.

    Não dá para perder tempo com gente burra ou trambiqueira, sem caracter.

    Larguei de mão parentes e amigos golpistas. TO FORA!

  7. fascistas

    O golpe é uma sequencia enorme de trambiques.

    Os golpistas ou são fantoches ( como disse a Paraiso da Tuiti), ou são trambiqueiros.

    Não existe uma moral de esquerda e outra moral de direita. 

    Quem tem caracter tem, que não tem, jamais terá.

    Não convivo com gente desonesta.

    Não dá para perder tempo com gente burra ou trambiqueira, sem caracter.

    Larguei de mão parentes e amigos golpistas. TO FORA!

  8. Fascismo , direita , esquerda

    Recente ouvi a CBN entevistar Celso Amorim. que mesmo com uma solida formaçao de diplomata, perdeu a diplomacia perante ao mau carater dos entrevistadoes  Como ja identificou o dono do blog , nao ha ideologias em discussao trata se da mau carater institucionalizado .

  9. Natural
    Yoga, psicologia exotérica… Chega a ser natural a aproximação com o fascismo quando crenças se baseiam em “vidas passadas” e não na história para avaliar a realidade presente de cada um.

    1. Assim na Terra como no Céu

      História também é uma crença? Quem ouve pode acreditar em quem conta, ainda que haja diferentes versões da História.

      Agora, sem querer entrar no mérito da diferenciação entre eXotérico e eSotérico….

      Quem verdadeiramente entende o conceito holístico do significado de “assim em cima como embaixo” imediatamente compreende que somos todos um grande coletivo, e por isso estamos sujeitos às mesma Leis perante o Todo. Sabe que o bem estar individual em última instância só pode ser atingido pelo bem estar coletivo – o que é um pensamento progressista.

      Não é uma negação da individualidade, pois para ser um bom altruísta é preciso ser antes egoísta. Mas o iniciado sabe que só poderá progredir se antes fizer um menos evoluído alcançar o nível onde chegou. O maior desespero do Homem que desperta é olhar ao redor e ver que outros ainda dormem, e então ele sente necessidade de voltar para seus semelhantes – ele compreende que um dia já esteve naquela situação – e iluminar o caminho para ajudá-los a sair da caverna. Auxiliar o desenvolvimento do próximo é apressar o próprio desenvolvimento.

      Se, por outro lado, há pessoas que assumem “rótulos” exotéricos, sem no entatanto compreenderem o real significado do que está no núcleo do conhecimento, isso é apenas uma deformidade de suas personalidades inerentes à confusão natural de uma busca ainda em estágios muito iniciais. Com o tempo, estudo e aprofundamento no autoconhecimento elas tendem a encontrar um caminho melhor.

      “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo” – Platão.

  10. Caro Daniel
    Com o golpe,

    Caro Daniel

    Com o golpe, muitas coisas vieram a tona.

    Muitos já eram fascistas, mas se calavam, se escondiam, alguns, até dava para perceber essa tendência, agora, nadam de braçada, mostram-se e inflam o peito. Mantenho distância de qualque papo politico, talvez até não saibam, que a opção dela é a minha prisão ou morte, uma vez no poder, alguns até sabem, matenho mais distância.

    Outros, também conhecidos de longa data, se deixaram levar. Não tem histórico de fascistas, acreditam ainda, ingenuamente no combate a corrupção. 

    Na conversa com colegas, depois do golpe, dificil a não mudança dos relacionamentos.

    Alguns se isolaram, outros mantém relação, mas diminuiram os encontros familiares, e quando acontecem, ficam quietos. 

    Saudações

  11. Banalização do Mal

    Hannan Arendt e a banalização do Mal explica nossos tempos. Estamos Re-vivendo a era da mais terrivel modalidade do Mal: O Mal gratuito, tipico do fascismo.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador