Francisco Celso Calmon
Francisco Celso Calmon, analista de TI, administrador, advogado, autor dos livros Sequestro Moral - E o PT com isso?; Combates Pela Democracia; coautor em Resistência ao Golpe de 2016 e em Uma Sentença Anunciada – o Processo Lula.
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Reducionismo, por Francisco Celso Calmon

Muitos equívocos históricos têm sido passados de gerações em gerações de militantes, e em parte a causa tem sido o simplismo reducionista.

Alex Senna

Reducionismo

por Francisco Celso Calmon

Reduzir a luta política numa democracia, mesmo que burguesa e aleijada, ao contraditório binário, é um ato reacionário.

A compreensão da dialética da luta de classes não se resume a contradição principal. Não identificar as contradições secundárias e não operar nelas, equivale a reduzir a realidade apenas aos aspectos estruturais, desprezando os aspectos conjunturais. Em última análise é o mesmo que reduzir a estratégia à uma tática de uma nota só.

Muitos equívocos históricos têm sido passados de gerações em gerações de militantes, e em parte a causa tem sido o simplismo reducionista.

Até hoje o marxismo paga um preço pelo conceito de ditadura do proletário, o qual os adversários e mesmo extremistas e anarquistas de esquerda deformaram e os marxistas não conseguiram esclarecer.

O que Marx e Engels vão deixar claro ao longo de suas obras é que assim como no capitalismo há a ditadura do capital sobre o trabalho, da burguesia sobre o proletariado, de uma minoria sobre uma maioria, no socialismo haverá a sua antítese, ou seja, a ditadura da maioria sobre uma minoria, a do trabalho sobre o capital, a dos trabalhadores sobre os capitalistas.

O termo nem fora criado por Marx, contudo, para ele toda forma de governo é uma ditadura de uma classe sobre a outra.

Portanto, trata-se do conteúdo científico, da concepção de uma nova sociedade, e não da forma de exercer esse domínio; se será democrática ou autoritária, dependerá de como os trabalhadores chegarão ao poder, de como será a resistência dos capitalistas, daí decorrerá se a força e em que medida deverá ser usada para conter a contrarrevolução reacionária. Pois é improvável que as elites abandonem seus privilégios sem luta.

[…] o primeiro passo da revolução dos trabalhadores é alçar o proletariado à condição de classe dominante, é conquistar a democracia. O proletariado usará sua dominação política para, pouco a pouco, arrancar da burguesia todo o capital, centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado — isto é, do proletariado organizado como classe dominante — e multiplicar o mais rapidamente possível a massa das forças de produção. (Marx e Engels no Manifesto Comunista; negrito meu).

A ditadura do proletariado é um Estado democrático, a ser operado pelos organismos do governo de classe, cujos dirigentes serão escolhidos pelo sistema eleitoral configurado por esse Estado. 

Consideremos alguns conceitos: comunismo, fase superior do socialismo, modo de vida coletivo; socialismo, fase de transição entre o capitalismo e o comunismo, é um modo de vida em construção.

Marx: “Na fase superior da sociedade comunista, quando houver desaparecido a subordinação escravizante dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, o contraste entre o trabalho intelectual e o trabalho manual; quando o trabalho não for somente um meio de vida, mas a primeira necessidade vital; quando, com o desenvolvimento dos indivíduos em todos os seus aspectos, crescerem também as forças produtivas e jorrarem em caudais os mananciais da riqueza coletiva, só então será possível ultrapassar-se totalmente o estreito horizonte do direito burguês e a sociedade poderá inscrever em suas bandeiras: de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades” (Marx. Crítica ao programa de Gotha, [1875].

Reducionismos atuais: alguns confundem judicialização com recorrer ao Judiciário. Judicialização é recorrer ao Judiciário para dirimir questões políticas, que cabe aos partidos, as forças políticas, ao Legislativo ao Executivo, enfim a esses atores, nos templos da política, resolverem por meio dos instrumentos legítimos da democracia.  Há também o ativismo judicial, que consiste no Judiciário fazer política, intrometer-se nas funções do Legislativo e do Executivo, mormente quando nem provocado foi.  

Como exemplo podemos citar a intromissão do ministro Gilmar Mendes, do STF, que impediu Lula de tomar posse como Ministro da Casa Civil do governo Dilma. Um ato interno do Executivo atropelado monocraticamente por um membro do Supremo Tribunal Federal  do poder Judiciário. 

Recorrer ao Judiciário movidos por outros motivos, como delitos e direitos, é correto, pois fora disso, seria a justiça pelas próprias mãos ou omissão, o deixa pra lá, o tudo ou nada, o fora todos. É evidente que ao recorrer ao Judiciário estar-se-á apelando ao Estado burguês, mas, enquanto não houver outro, viver em sociedade é também recorrer aos seus instrumentos de poder.

Exemplo: quando Bolsonaro comete crimes é válido e necessário ajuizá-lo, por um lado, e, por outro, na arena política pugnar pelo impeachment e pelo fora genocida, o quanto antes.

É reducionismo afirmar que processá-lo é recorrer ao Estado burguês, e que ambos (Judiciário e Bolsonaro) estão a serviço da mesma classe dominante e não dará resultado. Não é bem assim, nem sempre é o resultado esperado, mas algum resultado para somar é possível ser alcançado, afinal, não desprezemos que há contradições no seio da direita e há regras constitucionais e leis vigentes favoráveis ao povo trabalhador.

A mediação dialética é uma categoria que os moralistas e anarquistas de esquerda costumam desprezar.

A realidade é complexa, bem como a sua transformação revolucionaria. Não é binária, como zero ou um, claro ou escuro, dia ou noite, bom ou mau, puro ou impuro, pecador ou santo, honesto ou desonesto, machista ou feminista, revolucionário ou contrarrevolucionário, ser contra todos ou ser contra a tudo que penetra ou decorre do Estado democrático (burguês) de direito.

Tomando como eixo a contradição, a transitoriedade, a negatividade, o quantitativo e o qualitativo, o universal e o particular, a aparência e a essência, o principal e o secundário, o motor do desenvolvimento histórico e o devir, e, também, o conceito que aqui nos interessa, a mediação, como elemento que, quando considerado, evita o reducionismo.

O socialismo democrático ou a ditadura do proletariado (da maioria da sociedade) é uma mediação entre o capitalismo e o comunismo (como utopia).

A esquerda acabou por incorporar a terminologia que interessa ao sistema: democracia representativa, quando se trata do regime político numa sociedade capitalista, e ditadura do proletariado, quando se trata de uma sociedade socialista ou em processo de vir-a-ser.

O regime do inimigo é chamado de democracia e o regime socialista de ditadura.

Não há uma só democracia, existem diversos tipos de democracia. Nas sociedades capitalistas será sempre a democracia para uma minoria e a ditadura do capital para a maioria. Numa sociedade em transformação, fruto de uma revolução ou de eleições e reformas, será a sua antítese: a democracia da maioria e a ditadura sobre os capitalistas, isto é: sobre a classe vencida, mas que resiste. 

Lênin em sua obra “A revolução de outubro” assertiva que “são próprios dos democratas pequeno-burgueses a aversão pela luta de classes, os sonhos sobre a possibilidade de prescindir dela, à aspiração de atenuar e limar as suas arestas agudas. Por isso, tais democratas ou recusam qualquer conhecimento de toda a fase história de transição do capitalismo para o comunismo ou consideram que a sua tarefa é inventar planos para conciliar ambas as forças em luta…” Em “Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo ”, Lenin, defende a atuação dos partidos comunistas nos sindicatos mais atrasados e nos parlamentos burgueses. Defende também a necessidade de se estabelecerem acordos e compromissos com partidos reformistas.

(À luz do trecho acima reside minha compreensão sobre a Nicarágua)

Como se observa, o eixo é a luta de classes e nela é plausível acordos e atuações em várias frentes para assegurar a correlação de forças favorável às classes trabalhadoras.

Contrapor aos aparelhos ideológicos do sistema com o uso sistemático da agitação e propaganda das ideias e concepções socialistas, é fazer a luta ideológica para obter a hegemonia na sociedade. Portanto, não se despreza trincheiras, onde houver espaço, lá deve estar o combatente anticapitalista. Contudo, há de se precaver dos ativistas e acadêmicos pequeno-burgueses que se limitam a ter o direito como concepção e instrumento de luta.

Marx assinalou e provou que a infraestrutura, ou seja, a base econômica determina, em última instância, a superestrutura, política, cultural, jurídica etc., entretanto, não assinalou em lugar algum que tal fenômeno se daria de forma mecânica, direta, cartesiana, pelo contrário, enfatizava invariavelmente que seria em última instância, como processo dialético.

Reduziram a sua afirmação à logica formal e passaram a fazer ensaios mostrando que a superestrutura também exerce a sobredeterminação na base econômica, ou seja, o óbvio para a dialética, pois nessa concepção não cabe determinismo.

Outra confusão é tornar sinônimo classe e poder dominante. A classe capitalista é a dominante sobre a outra, e exerce o seu domínio através de seus prepostos no poder político, não necessariamente diretamente pelos capitalistas, i.e., pelos detentores do capital.

Atualmente seus prepostos ideológicos e/ou políticos na superestrutura têm entrado em contradição com o chamado mercado, quer dizer, com o capital financeiro, o qual envia seus posicionamentos com os altos e baixos da bolsa de valores e na especulação cambial, não só, evidentemente.

Esses grunhidos do mercado acabam, em última instância, por influir determinantemente na política dos três poderes.

Por fim, é mister, mesmo quando as simplificações são para efeito didático, não incorrer na redução do conceito, evitando assim o analfabetismo funcional e operacional da teoria revolucionária.

Francisco Celso Calmon, coordenador do canal pororoca e ex-coordenador nacional da Rede Brasil – Memória, Verdade e Justiça

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Francisco Celso Calmon

Francisco Celso Calmon, analista de TI, administrador, advogado, autor dos livros Sequestro Moral - E o PT com isso?; Combates Pela Democracia; coautor em Resistência ao Golpe de 2016 e em Uma Sentença Anunciada – o Processo Lula.

3 Comentários

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  1. Otima abordagem. Os ativistas e militantes devem se abeberar dessas fontes se quiserem incrementar a luta, a resistencia e aperfeiçoar o combate à selvajaria neoliberal e ao neofascismo. Parabéns ao autor.

  2. Brilhantemente, o autor coloca a teoria e a prática em diálogo a partir do materialismo dialético. Nossa militância atual tem muito a aprender com esse seu exemplo.

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