Réquiem para uma república em estado terminal, por Fábio de Oliveira Ribeiro

O Carnacoxinha gringo que ocorreu em 06/01/2020 pode ser considerado uma irrupção superficial da doença em estado avançado que comprometeu o republicanismo norte-americano.

Réquiem para uma república em estado terminal

por Fábio de Oliveira Ribeiro

A república de Roma não foi destruída com um ato. Ela foi lentamente apodrecendo à medida que o exército romano se tornou permanente, profissionalizado e aumentou de tamanho ganhando mais e mais prestígio em virtude da conquista de novos territórios para manter um fluxo crescente de escravos e de outros despojos de guerra (ouro, prata, etc…).

Em determinado momento, quem comandava o exército e administrava tesouros imensos pilhados dos povos conquistados sentiu o inevitável desejo de controlar seu próprio destino e também o da república. Após duas guerras civis sangrentas, o Império foi consolidado.

Os romanos aceitaram as mudanças políticas em troca da Pax. Num primeiro momento, a principal característica da Pax Romana foi a manutenção da guerra permanente para expandir as fronteiras e manter Roma abastecida de alimentos, escravos e despojos de guerra.

Os Comícios continuaram a ser reunidos, mas eles não tinham mais poder político real. O Senado seguiu existindo, mas as funções dos senadores passaram a ser decorativas.

Algo semelhante está ocorrendo nos EUA há algumas décadas. Não por acaso isso começou durante a Guerra Fria, período em que cresceu a fatia dos militares no orçamento norte-americano.

O último presidente a fazer um alerta contra a perpetuação dos interesses econômicos do complexo militar industrial foi Dwight Eisenhower. Todos os presidentes eleitos depois dele, fossem republicanos ou democratas, não ousaram interferir na agenda do Pentágono e da CIA. John Fitzgerald Kennedy ameaçou dissolver a CIA e foi eliminado a tiros.

O Carnacoxinha gringo que ocorreu em 06/01/2020 pode ser considerado uma irrupção superficial da doença em estado avançado que comprometeu o republicanismo norte-americano. A manifestação pode ter sido planejada e estimulada por Donald Trump, mas ela foi obviamente tolerada pelos militares.

Quando o Movimento Vidas Negras Importam se reuniu em Washington milhares de soldados foram colocados em volta do Memorial do Presidente Lincolon para impedir sua invasão. Isso não ocorreu ontem, o que obviamente facilitou o trabalho dos arruaceiros reunidos na capital norte-americana.

A república é pouco mais do que um apêndice supurado nos EUA. O verdadeiro centro do poder já se consolidou no Pentágono e na CIA, espaços dominados por homens brancos de meia idade que decidem e celebram os contratos bilionários que preservam a saúde da indústria armamentista nos EUA.

Os oficiais militares de alta patente e os agentes que comandam a comunidade de inteligência têm um compromisso permanente com a perpetuação e a expansão do  Império racista de olhos azuis. Eles desdenham a democracia e não respeitam os limites republicanos impostos ao Estado pela Constituição dos EUA. De fato eles deixaram bem claro que não se submetem à autoridade presidencial norte-americana quando se recusaram a cumprir o decreto de Barack Obama que fechou a prisão de Guantánamo.

Não há desenvolvimento tecnológico norte-americano que não dependa das verbas públicas do DARPA, uma agência pública comandada por militares. Num mundo que parece condenado a ser escravizado por drones e robôs militarizados e espionado 24 horas por dias pelos algoritmos que abastecem de informações o Pentágono e a CIA, o espaço para a política pode realmente existir?

Enquanto os arruaceiros invadiam e vandalizavam o Congresso Americano, acordos espúrios devem ter sido fechados no mundo das sombras. A realização destas negociações somente pode ser presumida. O conteúdo delas provavelmente continuará em segredo por algumas décadas.

Eduardo Bolsonaro estava em Washington durante o Carnacoxinha gringo. Que papel ele desempenhou nesse episódio? Que informações ele dará ao capitão genocida quando retornar ao Brasil? Essas me parecem ser as perguntas mais importantes nesse momento.

Fábio de Oliveira Ribeiro

2 Comentários

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  1. Caro Fabio
    Você foi no busilis da questão. Parabéns.
    Enquanto todos acham o filho um pé frio. Enquanto todos detonam o pai por dizer que o Brasil está quebrado e não há nada que se possa fazer, o trem todo passa, não só a boiada ambiental.
    Informação é tudo e nossos desgovernantes, que são tachados de burros por muitos, são muito mais espertos do que aparentam.

  2. Desde que eu tive meus primeiros contatos com a esquerda na dècada de 1960 ouvi sempre que os EUA estavam em decomposiçao. que acabariam em poucos anos. Náo aconteceu e náo vai acontecer táo cedo.
    Quem tem o controle do meio obrigatòrio de troca para a maior parte da economia e o maior estoque de armas do mundo, com a maior parte das bombas atömicas e mìsseis para seu lançamento para quase todos os lugares do globo náo cai táo fàcil. O dinheiro paga atè o pensamento, tàticas táo eficientes quanto as usadas para derrubar o governo legìtimo do Brasil, como o lawfare e o bombardeio de mensagens afinadas pelas pesquisas da Cambridge analytical.

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