Resistir ao Bozorol é preciso, por Wilson Luiz Müller

Uma das questões centrais para o sucesso do bozorol é a desmoralização das instituições do estado democrático do direito. Por que isso é central na estratégia do bozorol?

Resistir ao Bozorol é preciso

por Wilson Luiz Müller

Este artigo é dirigido a todos os servidores da administração pública, em especial aos ocupantes de cargos de chefia e coordenação. Peço que reflitam sobre isso, sem preconceitos. Discutam com seus pares, independente da ideologia de cada um, a pertinência da análise aqui posta.

Em primeiro lugar, torna-se necessário chegar a um consenso mínimo sobre o significado do atual governo e da direção em que está conduzindo o país. Para analisar, nesse contexto, o papel das autoridades de carreira responsáveis pela execução das políticas públicas do Estado brasileiro.

A primeira dificuldade está em caracterizar o governo Bolsonaro. Não tenho a pretensão de formular um conceito científico sobre isso. Mas após o seu ocaso, esse governo certamente será caracterizado pelos historiadores como um fascismo de novo tipo inventado nos trópicos e movido à truculência e besteirol. E até que não se chegue a uma definição mais precisa, acredito que o regime possa ser definido como Bozorol.

Isso não significa que o bozorol não mereça ser levado a sério. A definição pretende apenas demarcar as diferenças e a distância entre Bolsonaro e as referências históricas mais conhecidas – Hitler e Mussolini – como definidoras do nazifascismo. Com algumas horas de leitura sobre esses personagens históricos, será fácil verificar as enormes desvantagens de Bolsonaro em relação aos idealizadores do fascismo, em aspectos como inteligência, capacidade de articulação política, visão estratégica e retórica. Perto dos originais, Bolsonaro mais se parece com um adolescente abobado. E quando um ignorante se cerca somente de  similares remanescentes do mito da caverna de Platão, todos mergulhados na mesma bolha obscurantista, é fácil compreender que não nos conduzirão por bons caminhos.

Mas isso está longe de significar que o bozorol não seja extremamente deletério e perigoso. Talvez o bozorol seja de fato a única forma de fascismo possível de ser implantado no Brasil neste momento, em que a truculência fica constantemente se alternando com a difusão do besteirol, tendo esse um efeito anestésico e diversionista sobre os atos explicitamente violentos.

Em geral difunde-se uma ideia muito equivocada do fascismo, como se esse conceito se referisse  exclusivamente a um regime de violência. A discussão desse conceito não é objeto de análise aqui. Sugiro aos interessados pesquisarem sobre o tema, e certamente muitos se surpreenderão com descobertas interessantes. Pretendo me ater aqui a um dos aspectos do fascismo que diz respeito especificamente às autoridades estatais que executam as políticas do governo, ou que o fiscalizam e impõem controles e limites à atuação dos governantes.

Uma das questões centrais para o sucesso do bozorol é a desmoralização das instituições do estado democrático do direito. Por que isso é central na estratégia do bozorol? É simples. Qualquer tipo de fascismo buscará se legitimar na relação direta com o povo, ou com uma parcela desse povo. Para isso, precisa estar acima e além das instituições. Como não é possível isso do ponto de vista legal, torna-se necessário desmoralizar as instituições, para que uma parcela cada vez maior da população comece a aceitar que, primeiro, elas não funcionam; segundo, que elas atrapalham e são desnecessárias.

Essa desmoralização é feita de várias formas. Uma delas é escolher os piores, os mais despreparados e desqualificados para comandar os órgãos de estado. Se qualquer um de nós tivesse que escolher um responsável por um empreendimento importante, do qual dependeria a geração de grandes lucros ou prejuízos, alguém escolheria qualquer dessas  pessoas que Bolsonaro colocou para comandar os órgãos da administração pública? A resposta a essa pergunta diz muito mais do que qualquer teorização sobre essas escolhas.

A segunda forma de desmoralização das instituições, muito utilizada pelo bozorol, é a repetição continuada de questionamentos sobre o que fazem as instituições, colocando em dúvida a idoneidade, a competência técnica e o comprometimento dos servidores que integram as instituições. Nisso o o governo Bolsonaro é eficiente, aproveitando inclusive a disposição de muitos servidores públicos que ambicionam galgar postos mais altos dentro da administração, mesmo que para isso seja necessário sacrificar a verdadeira razão de ser da instituição. Os carreiristas cumprem o papel de negação da instituição a que pertencem, e por isso são tão úteis ao bozorol.

Alguns exemplos de como a desmoralização das instituições vai se materializando como fenômeno social, dando sustentação ao bozorol:

– Setores expressivos da sociedade começam a dizer que  a Polícia Federal atua como polícia política. Por que? Porque  é comandada por um ministro  suspeito, que deveria ser investigado pela polícia. Porque o ministro deveria determinar a investigação de familiares do presidente. E porque nada disso acontece,  e como ninguém fala nada em contrário, e como não há ação que prove o contrário, vai ganhando força a percepção de que a polícia federal está a serviço do Bolsonaro, desmoralizando a instituição. Ganha o bozorol, que não quer uma polícia federal independente e forte.

– Aparece um picareta, falando em nome da Receita Federal, defendendo uma espécie de imposto único como alternativa inteligente para substituir vários tributos e gerar outras vantagens. É uma forma de dizer que milhares de servidores da administração tributária passam seu tempo à toa, sem saber, ou sem vontade de fazer o que precisa ser feito. Como não aparece nenhum Auditor Fiscal contrariando o picareta, e explicando o que é administração tributária, passa para a sociedade a ideia de que a Receita Federal é ineficiente, que tudo poderia ser resolvido de uma maneira bem simplória, que somente falta boa vontade para trabalhar. A instituição perde credibilidade. Avança o bozorol na Receita Federal.

– Tornam-se públicas as informações dando conta de que procuradores do Ministério Público Federal e juízes têm comportamentos antiéticos e ilegais. Flagrados, eles dão de ombros. Os órgãos de controle, em atitude corporativa, passam pano. O STF, de quem se espera exigir o cumprimento das leis e da Constituição Federal, faz cara de paisagem. E  no povo vai fortalecendo a convicção de que esses órgãos só servem para se autoproteger e defender seus próprios interesses. Que pelo que fazem são muito caros para a sociedade. E que é preciso enfraquecê-los, ou no mínimo, mantê-los na coleira do governo. Perdem as instituições. Avança o bozorol.

– Nosso Itamaraty, para quem olha de fora as atitudes dos que falam pelo ministério de relações exteriores, parece um clubinho de sofistas escatológicos. Se os embaixadores destoantes não se posicionarem, logo a nossa embaixada mais importante no exterior será nada mais que um departamento do Estado norte-americano.

– Daí o presidente ataca o INPE, dizendo que os dados sobre o desmatamento da Amazônia são mentirosos. Opa! Aqui não! Aqui tem autoridade que tem amor a sua instituição. Aqui tem autoridade com coragem de falar e dizer o que fazem os servidores do INPE.

Disse o presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, sobre o presidente Bolsonaro: “Ele tem um comportamento como se estivesse falando em botequim, uma conversa de botequim. E isso me assustou muito, a maneira como ele fez. Ele fez acusações indevidas a pessoas do mais alto nível da ciência brasileira, não estou dizendo só eu, mas muitas outras pessoas. Ele diz que nenhum dos ministros de Ciência e Tecnologia anteriores ao seu governo faziam uma diferenciação entre gravidez e lei da gravidade. Isso é uma piada de um garoto de 14 anos que não cabe a um presidente da República fazer.”

Isso mostra a diferença entre falar quando é necessário e calar por conveniência. O presidente do INPE poderia ter optado pela conveniência. A consequência imediata seria que a versão de Bolsonaro fosse a que prevalecesse. Na sequência, o INPE seria considerado um instituto sem credibilidade, o desmatamento poderia prosseguir em ritmo mais acelerado, o bozorol avançando.

Mas o presidente do INPE optou pelo respeito à instituição. Ele falou o que representa o INPE. Ele pode até ser exonerado por Bolsonaro. Mas todos saberão que o INPE é um instituto sério e confiável. Se dependesse do presidente do INPE, o bozorol teria vida breve.

Teve também um general falando para protestar contra as declarações xenófobas de Bolsonaro contra o nordeste. Tudo isso parece pouco. Mas estou enfatizando a diferença que faz uma voz destoante quando tudo parece dominado. É preciso lembrar sempre que Bolsonaro foi expulso do exército aos 33 anos, aposentado como capitão. Como presidente, começou a ser servido por uma corte de generais. Pelo dito popular, quando o rabo começa a abanar o cachorro, alguma coisa está fora do lugar.

O general destoante ganhou, como réplica do presidente, o título de guerrilheiro de esquerda. Mas isso pouco importa. A fala do general nos traz a notícia alvissareira de que há vida inteligente e civilizada nas forças armadas. Se o general não falasse, seríamos forçados a continuar achando que Olavo de Carvalho tem razão, que todos os chefes militares não passam de interesseiros que apenas querem engordar seus soldos e nada mais; que todos os militares são representados pelo terraplanismo truculento e antinacionalista do general Heleno.

Todos temos responsabilidades para conter o avanço do bozorol. Mas a responsabilidade aumenta na proporção em que aumenta a importância dos cargos dos servidores públicos de carreira.

Não podemos nos calar. Temos que nos insurgir contra os desmandos e as ilegalidades. Temos grande responsabilidade pelo futuro próximo do nosso país, tanto para conter como para facilitar o avanço do regime autoritário de Bolsonaro.

Wilson Luiz Müller – Integra o coletivo Auditores Fiscais pela Democracia (AFD)

Redação

2 Comentários

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  1. Infelizmente, não vejo nos colegas servidores públicos hombridade suficiente. Quando vi a resposta do presidente do INPE eu pensei a mesma coisa: se todo servidor público tivesse essa coragem a destruição seria menor. Mas eu conheço o gado e sei que a maioria é da qualidade do sinistro da educação. Então, estamos ferrados.

  2. Eu queria mesmo é um militar que tivesse o espirito de Augusto Pinochet, ah, como eu desejava ver o chicote estalar no lombo de toda a psicopatia reinante..

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