Será que caiu mesmo a ficha?, por Roberto Bielschowsky

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Será que caiu mesmo a ficha?, por Roberto Bielschowsky

Espero estar enganado, mas estou tendo a impressão que ainda não caiu integralmente a ficha – nem a Haddad/PT, nem a Ciro – que seja mesmo bem provável um governo Bolsonaro se consolidar por vias autoritárias. Ainda mais, sendo um governo construído por “aprendizes de feiticeiro”, chefiado por alguém MUITO  desqualificado e autoritário, em meio de uma crise de difícil governabilidade nas atuais circunstâncias, mesmo contando com um congresso provavelmente favorável de início e  se articulando majoritariamente via  bancadas corporativas e religiosas,  bem como se pautar por ser um governo constituído de forma a privilegiar a participação de militares com grande capacidade de aglutinação das forças armadas.

Ao me referir a “ainda não caiu integralmente a ficha”, o fiz por me parecer evidente que, no caso do governo Bolsonaro enveredar por uma via autoritária, como me parece mais provável, não estará em jogo, primordialmente, quem disputa a liderança da oposição de um campo político do centro para a esquerda. O fundamental, neste caso, será a consolidação de uma ampla frente democrática de defesa da civilização contra a barbárie, que envolva não apenas movimentos sociais e de trabalhadores, mas também parte importante do Congresso Nacional, da Imprensa nacional e global, Judiciário, Igrejas, parcelas importantes de segmentos sociais que votaram em Bolsonaro, etc.

Se a ficha tiver caído para Haddad e/ou para o PT, espero que eles  já tenham entendido que:

1 – Parcela importante dos 45 milhões de votos do segundo turno em Haddad eram de apoio crítico antiBolsonaro e parte importante dos 55 milhões de votos em Bolsonaro não eram votos fascistas e de negação pura e simples do Estado de Direito, ou mera consequência de fakenews engenhosamente plantadas por mais que tenham indiscutivelmente pesado no resultado eleitoral, mas sim, e de forma importante,  como reflexo da  decepção/desilusão/desespero com a podridão que identificavam no sistema político de representação que tem se alternado no comando do Estado Brasileiro nos últimos 30 anos. Com consequente voto em massa tipo antiPT, dado que o PT passou a ser identificado pela grande maioria do povo brasileiro como uma agremiação entranhada na corrupção institucional do Estado Brasileiro, bem como corresponsável pela crise econômica e política que vivemos  após ganhar quatro eleições presidenciais consecutivas. O golpe Temer-Cunha, de fato, desgastou ao limite forças agrupadas em torno de  PSDB, PMDB e Centrão. Contudo, a miopia do “#PTLá acima de tudo” facilitou que se cristalizasse  uma visão que seríamos  todos farinha do mesmo saco, para a maior parte dos eleitores. Inclusive no grosso dos que se abstiveram ou votaram nulo no segundo turno e até  mesmo em parcela não-desprezível  dos que votaram em Haddad contra Bolsonaro.  E digo isto sem medo de voltar a ser feliz, mantendo minha filiação ao PT desde 1981, mas ainda torcendo para que êle tenha a capacidade de se refundar, como propugnavam  Tarso Genro e José Eduardo Cardozo em 2006.

2 – A capacidade do PT  liderar uma frente democrática ampla é limitada, até mesmo no Congresso Nacional, aonde não iria muito além de uma frente com PSOL, PCdoB, PSB, e eventuais frações bem minoritárias de outros partidos. Muitas das forças que poderiam estar num campo de resistência democrática ao governo Bolsonaro teriam dificuldade em ser atraídas para um bloco liderado pelo PT. Até mesmo pela fantástica resiliência com que “#PTLá  acima de tudo” tem se manifestado sempre que foi possível.

Se a ficha já tivesse caído para Ciro ele já teria percebido que o timing da priorização de uma disputa ressentida com o PT pela liderança da oposição a Bolsonaro tende a se confundir com avidez excessiva pela disputa política e que a grande maioria  dos 45 milhões de votos antiBolsonaro que Haddad canalizou no segundo turno ficaram muito insatisfeitos com sua posição “tipo” voto nulo – inclusive eu, que nele votei no primeiro turno e em Haddad no segundo. Ou, mais simplesmente, posturas como as que assumiu após voltar da Europa,  tendem a se confundir com  uma racionalização de ressentimentos antigos e de campanha,  “acima de tudo”,   por mais justificáveis que sejam estes ressentimentos. Vide Marina, que passou a impressão de se deixar levar por ressentimentos ao PT “acima de tudo” – compreensíveis até – no seu apoio ao golpe Temer-Cunha, mas com isto demonstrou despreparo para liderança política na dimensão que pretendia, terminou se isolando e se desgastando no processo.

De modo que eu sugiro a quem tenha a capacidade de chegar mais perto destes senhores e/ou forças políticas correspondentes que tente mostrar-lhes que não faz muito sentido reincidirem no mesmo erro de sempre e que eu tentei apontar em 10/06/18 num texto em https://jornalggn.com.br/noticia/cenarios-imprevisiveis-avenidas-ja-antes-navegadas-a-vista-por-roberto-hugo-bielschowsky.

Em resumo, torço para que  o campo político do centro para a esquerda se entenda sobre como trabalhar uma frente AMPLA de resistência democrática olhando mais longe ao horizonte do que tradicionalmente tem feito. Ou então estará apenas contribuindo para dificultar a sua formação e/ou empurrar a liderança política do processo para algum “novo” outsider, tipo Joaquim Barbosa…

 
Redação

6 Comentários

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  1. Será que a ficha ainda não
    Será que a ficha ainda não caiu que essa frente democrática não se materializarå?
    De agora em diante, até 2022, todos estarão trabalhando dia e noite para viabilizar sua própria candidatura.

  2. “inclusive eu, que nele votei

    “inclusive eu, que nele votei no primeiro turno e em Haddad no segundo.”

    Mas que porra de filiado “desde 1981” é este que vota contra o partido de filiação?

    PQP, VTNC.

  3. MANUELA SOBRE CIRO
    O Ciro

    MANUELA SOBRE CIRO

    O Ciro contribuiu para a derrota de Haddad?

    O Ciro teve uma participação brilhante no primeiro turno e foi ele quem viabilizou também, com seu elevado percentual de votos, o segundo turno. Ciro não contribuiu para nossa derrota. Ele contribuiu para a existência do segundo turno com a campanha que fez até o último dia em alta intensidade. Ele cometeu um equívoco em não se envolver no segundo turno.

    1. Votar é opção de cada um.

      Votar é opção de cada um. Agora, seria outro o resultado, caso Ciro apoiasse Haddad já no primeiro turno? Não parece.

  4. O general da repressão é

    O general da repressão é Sérgio Moro

    Por Fernando Brito · 02/11/2018

    Escrevi aqui que  ontem poderia ser considerado o dia da fundação do Estado Policial Brasileiro mas, desde já, tal como se trocou em 1964 o “Primeiro de Abril” pela “redentora Revolução de 31 de Março”, sugere-se que fique a data como sendo a de hoje: o Dia de Finados, pelo simbolismo em relação à morte dos direitos à privacidade, à presunção de inocência e à segurança no exercício de nossas liberdades.

    A nomeação de Sérgio Moro não é apenas uma ‘jogada de marketing” do presidente eleito. Não acho sequer que esta decisão tenha sido ‘de agora’ ou que possa ter sido tomada sem a participação do “núcleo militar” do bolsonarismo.

    Afinal, Moro será posto a comandar uma máquina sinistra, encarregada de promover a onda de perseguição política destinada a fazer aquilo que Bolsonaro prometeu no seu tristemente famoso discurso aos seus apoiadores da Avenida Paulista: “fazer uma limpeza nunca vista na história deste país” e dirigir uma polícia com “retaguarda para  jurídica para fazer valer a lei no lombo de vocês”.

    Para isso, não vai contar com pouco.

    Terá o controle da Polícia Federal e, com ela, a capacidade de bisbilhotar, informalmente, todas as comunicações telefônicas e telemáticas.

    Terá o controle do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, e com ele a capacidade de xeretar todas as movimentações financeiras de pessoas físicas e jurídicas do país.

    Terá o controle do que já foi a Controladoria Geral da União, a CGU, e com ele a capacidade de conhecer cada detalhe dos atos dos gestores públicos, exceto nas áreas onde alguma “voz amiga” diga que ali “não vem ao caso”.

    Moro será o general da repressão da neoditadura.

    Muitos ainda estão pensando dentro da lógica do estado democrático e das funções institucionais de um Ministério da Justiça, mesmo numa versão avantajada.

    Lamento dizer que não é este o caso.

    É por isso que não houve, nem de Moro e nem de Bolsonaro, preocupação com o desgaste em questão de legitimidade e da imagem de isenção do Governo em relação à Justiça ou do que que ela fez para instituir este governo.

    Legitimidade e isenção são bobagens que devem ser desconsideradas diante da “Cruzada Anticorrupção”, em nome da qual se promoverão os “pogrons” antiliberdades.

    Infelizmente, nossos “republicanos” continuam querendo medir perdas e ganhos políticos  de um jogo democrático.

    Vamos entrar num regime de força e muitos ainda não o percebem.

  5. Percebe-se que é uma análise

    Percebe-se que é uma análise de um eleitor, na realidade, de Ciro Gomes. Não esquecer que o PT elegeu a maior bancada  da Câmara de Deputados e foi o único partido a eleger quatro governadores, que talvez não justifique afirmar que haja um repúdio ao PT. E mais: Haddad foi sufragado por quarenta e sete milhões de votos, não quarenta e cinco milhões. Que diabo de apoio crítico a Bolsonaro e esse, entre os que votaram em Haddad? Isso não existe. Infelizmente, a direita aos trancos e barrancos está unida e no poder. A esquerda na ilusão da derrocada do PT e no olho grande de alguns líderes de partidos que fizeram contas equivocadas, ampliaram a desunião histórica das esquerdas. Agora, pelo resultados da eleição e o avanço da direita, que a todos ameaça, não é bem o PT, mesmo sendo mais do que desejável ao partido, a quem cabe isoladamente formar uma frente. Por isso, decerto, no momento,  somente se pode contar com PSOL, PCdoB, PSB, e eventuais frações bem minoritárias de outros partidos. É o que está imposto pela realidade. Há quem julgue que possa sobreviver isoladamente ao que está mais do que visto acontecerá contra a oposição vindo do novo governo. O caminho é o de cada um, mas uma resistência mais consistente, que é indispensável, carece de união do campo da esquerda, e já. Aos opositores de fato, é impossível resistir, deixar de reconhecer o óbvio: o PT continua a ser o partido com mais estrutura e quadros testados para resistir e anseia por essa união da esquerda, só ouvir seus líderes, que isto fica mais do que claro. A esquerda agir isoladamente, é continuar dando forças ao Bolsonaro, ao novo governo.

     

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